"Se queremos que o SNS tenha capacidade económica, só há uma forma. Evitar o impacto das doenças"

Fernando Araújo é médico, mas também gestor. Dirige o Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, e tem sido distinguido pelos serviços e resultados que a sua unidade tem prestado. O sucesso pode está fundamentalmente na qualidade dos profissionais, na aposta nas lideranças, no planeamento e na motivação passada à equipa. Falhas tantas vezes detetadas no SNS, onde diz que há demasiada politização dos cargos públicos.

É licenciado e doutorado em Medicina pela Faculdade do Porto. Tornou-se especialista em imuno-hemoterapia e foi diretor deste serviço no Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), mas, hoje, é presidente do conselho de administração. Aos 55 anos, Fernando Araújo, portuense, é um médico que assume gostar da gestão - fez mesmo uma pós-graduação na área na Universidade Católica do Porto - e diz que em saúde esta característica é cada vez mais fundamental.

Nesta entrevista ao DN - depois de ter recebido dois prémios, o Prémio Kaizen pela resposta da sua unidade à covid-19 e a medalha de serviços distintos da Ordem dos Médicos, distinção que para si "é muito importante por ser o reconhecimento dos pares" - diz que está feliz a fazer o que faz, ao mesmo tempo que nos fala da politização dos cargos públicos, da centralização das decisões em Lisboa, da qualidade técnica que existe no país e das fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Foi distinguido recentemente com dois prémios pela resposta à covid-19 e por serviços distintos na saúde. O que fez o seu hospital de diferente dos outros do SNS?

Não sei bem o que fizemos de diferente. Sei que estivemos muito focados em fazer bem. Esse foi sempre o nosso objetivo. Foi um trabalho de equipa. Apesar de o Prémio kaizen ser dado a título pessoal, para mim representa um esforço da instituição, porque é o reconhecimento pela forma como nos organizámos e planeámos todo o processo.

Mas qual foi a chave do sucesso?

A chave do sucesso foi seguramente o planeamento de forma atempada e prévia aos acontecimentos. Tentámos sempre nunca reagir, mas antecipar o que nos ia acontecer. E acho que isso foi fundamental, quer na primeira vaga, em que a pressão foi enorme, porque não sabíamos com o que estávamos a lidar, quer nas vagas posteriores, no final do ano passado e no início deste ano. O termos aproveitado o período de verão de 2020 para definir e executar um plano que previa o que era necessário fazer permitiu-nos chegar ao final do ano com muito maior capacidade de resposta em duas situações fundamentais: aos doentes covid, e de uma forma que nos permitiu apoiar outras unidades do SNS, e aos doentes não covid. E manter esta segunda resposta era fundamental para nós.

Porquê?

Porque na primeira vaga quase que encerrámos a atividade no hospital, mantivemos as situações oncológicas, cardiovasculares graves e outras, mas vendo os efeitos que teve, na segunda vaga tínhamos a obrigação de ter um plano para responder a estas duas dimensões diferentes. E isso aconteceu. Portanto, acho que o Prémio Kaizen quis distinguir alguém que olha muito para a questão da eficiência, da organização e para a forma como os recursos humanos são geridos e alocados, mas também para os resultados no final. E acho que para o São João é um motivo enorme de orgulho o reconhecimento de pessoas que são profissionais desta área e que têm uma visão sobre todo este processo. Mas há uma questão que vale a pena sublinhar: é que, independentemente da organização e do planeamento que foram fundamentais, a base de todo o trabalho são os profissionais de elevada competência que temos.

uma estratégia de liderança?

Há duas questões neste processo que se verificaram fundamentais. Por um lado, o termos recursos humanos competentes e com grande capacidade técnica e científica, mas também com muito humanismo. Isto é a base do processo, e depois há a questão das lideranças, sim. E se num momento normal as lideranças são importantes em qualquer instituição, num momento de "guerra", como a que se viveu, as lideranças mostraram quão capazes eram. Não só no sentido de coordenar cada uma das suas áreas, mas também no liderar pelo exemplo, pela força e pela motivação, o que conseguiram passar às equipas.

"A exigência e complexidade na Saúde exigem que tenhamos os melhores à frente nas instituições".

Foi assim logo na primeira vaga?

Recordo que na primeira vaga o maior problema que tivemos foi o desconhecimento da infeção, víamos as imagens aterradoras de Itália, de Espanha e de outros países e as pessoas tinham medo de vir trabalhar. Foi uma fase difícil e as lideranças foram determinantes para conseguir mobilizar e tranquilizar as suas equipas, e isso, seguramente, também fez a diferença.

A diferença em relação a outras unidades do SNS?

Eu gostava mais de me focar no meu hospital, porque não tenho dúvidas de que temos excelentes profissionais em todos os hospitais, nos cuidados primários e na saúde pública do SNS. Não acho que sejamos melhores especialistas do que outros profissionais de outros hospitais. Pelo contrário, e reforço, o país está bem servido de profissionais médicos, de enfermagem e de outros técnicos ligados à saúde, que têm demonstrado ao longo dos anos uma enorme competência e capacidade para exercerem a sua atividade. O que acho é que, eventualmente, nos conseguimos organizar melhor, planear e liderar melhor as áreas. E isso pode ter feito a diferença.

Recentemente, e a partir de uma leitura de estimativas da equipa da Faculdade de Ciências de Lisboa, foi noticiado que morreram muito mais pessoas em Lisboa e vale do Tejo do que na região norte e que se as unidades do sul se tivessem organizado como as do norte teriam sido evitadas muitas mortes. Partilha desta leitura ou é abusiva?

Não gostaria muito de entrar nessa discussão. Em primeiro lugar, porque li a notícia mas não conheço os dados ou o estudo em si. E depois porque acho que quando se fala em mortalidade temos de ser muito cautelosos. Há várias variáveis em jogo e não podemos ser simplistas, aplicar algoritmos e depois olhar para os resultados e achar que são válidos. Diria apenas que, eventualmente, do ponto de vista organizacional, se notou que na região norte, por razões várias, a resposta foi mais sustentada e robusta. Embora, e dito isto, tenha também de referir que há diferentes aspetos de contexto no norte em relação à região de Lisboa, do Alentejo, do Algarve ou de Coimbra. Portanto, há aqui uma questão de organização na resposta à covid, mas há que perceber que há realidades diferentes, não se podendo fazer comparações tão lineares sob o risco de cometermos erros grosseiros.

Há pouco referiu a importância das lideranças em qualquer instituição. É uma das fragilidades do SNS?

Concordo com essa afirmação. Na faculdade participo em vários projetos sobre eficiência de gestão onde estão até outras escolas superiores de saúde, e, na verdade, ao que temos assistido nos últimos anos é a uma melhoria do ponto de vista técnico - temos cada vez mais melhores técnicos, mais bem formados e com mais capacidade e competência na sua área de intervenção direta e, se calhar, esta é a base para termos indicadores tão bons de saúde - mas do ponto de vista da gestão temos uma falha. Penso que não temos apostado na formação pré ou pós-graduada nesta área. Um médico, um enfermeiro ou um farmacêutico podem ser muito bons tecnicamente, mas isso não quer dizer, e ao contrário do que se pensava no passado, que sejam bons gestores.

"Voltar a 2019 e à gestão que se fazia nessa altura não é uma solução para a Saúde, isso significava que não aprendemos nada com esta pandemia".

Quer exemplificar?

Por exemplo, Portugal tem excelentes cirurgiões, do melhor que há no mundo, mas não é por serem excelentes profissionais tecnicamente que são bons diretores de serviço ou que tenham capacidade para o gerir ao mesmo nível. Há outro tipo de competências que são necessárias para a gestão, como o ter conhecimentos na área, experiência e até motivação. Portanto, quando se faz a escolha para as lideranças temos de ter muita atenção a várias vertentes, como gestão de recursos humanos e impacto económico das decisões, e nem sempre as pessoas as têm. No passado achava-se que não era preciso olhar para este tipo de características, olhava-se apenas para o facto de a pessoa ser muito boa tecnicamente, mas cada vez mais na saúde é preciso ter uma visão global do impacto das nossas decisões. Se formos comprar um medicamento que custa dois milhões de euros, o que acontece agora para alguns doentes em Portugal, temos de saber o que deixamos de fazer com esse dinheiro. Há que avaliar muito bem o impacto económico de cada uma das nossas ações. É preciso perceber o impacto que estas vão ter nos doentes e a mais-valia que retiramos para o hospital. Mas voltando à pergunta acho que temos excelentes técnicos, mas temos um défice transversal de gestão e de lideranças na Saúde.

Há pouco tempo, num texto sobre o SNS e o futuro, referia que há demasiada politização nos cargos públicos. É um problema na Saúde?

Tenho de referir duas questões que são fundamentais: uma é, de facto, a demasiada politização dos cargos públicos, o que não ajuda à profissionalização do sistema de saúde. Vou dar um exemplo: uma unidade que tem 400 milhões de orçamento, como é o caso dos hospitais de São João, Santa Maria, CHUC, etc., não é possível gerir com uma gestão amadora. Portanto, a exigência e a complexidade na gestão da saúde implicam que tenhamos os melhores à frente das instituições. Depois, há a segunda questão, que é a da autonomia na Saúde.

Mas há autonomia hospitalar...

O facto de as Finanças terem mais poder do que a Saúde limita a autonomia das decisões e faz que depois não haja uma responsabilização dos próprios gestores num processo. Isto é, se não deixam um conselho de administração ter a sua política de gestão de recursos e de investimentos, porque tudo é limitado centralmente, não só lhes retiram responsabilidade como até a situação serve de desculpa para quem gere mal, pois pode dizer que a gestão aconteceu de forma menos boa porque as decisões não foram tomadas ao nível local, mas central. E, no final, não há uma avaliação dos gestores, o que defendo há muito tempo: se no final do ano os gestores não conseguirem cumprir os requisitos devem ser destituídos. A forma de nomeação dos gestores, a falta de autonomia e a falta de avaliação faz que o nível de exigência na Saúde não seja tão elevado, acabando por, eventualmente, colocar os melhores nos locais mais críticos.

Então é uma fragilidade...

As três peças que referi são seguramente uma das fragilidades do SNS, e que poderiam potenciar muito mais a dimensão da qualidade técnica que temos no país.

O Plano de Recuperação e Resiliência traz investimento, mas também uma maior fiscalização de quem tem poder decisório. É vantajoso?

Volto a dizer que o que era vantajoso para as grandes unidades era dar-lhes autonomia com base num plano de atividade e orçamento, que deve ser discutido, negociado e depois avaliado. É a única forma de as pessoas tirarem as suas conclusões ou consequências sobre o nível de exigência na gestão. E neste aspeto sou completamente a favor dessa avaliação transparente e pública.

"O que esta crise veio demonstrar foi a necessidade de um reforço adequado, não excessivo, às necessidades, para que possamos responder às questões que nos colocam".

Apesar dos novos investimentos, considera que há suborçamentação na Saúde?

Continua suborçamentada. Houve um reforço nos recursos humanos, que tem um custo estrutural relevante, mas os orçamentos das unidades ainda não foram adaptados aos seus objetivos. Portanto, as unidades neste momento continuam suborçamentadas. E esta é uma questão importante, porque faz que - e ainda hoje li uma notícia sobre isso - haja um aumento da dívida aos fornecedores, o que significa que, na prática, o sistema está a gerar défice, o que nenhum de nós quer. Depois, falta mesmo mais investimento em equipamentos e o seu planeamento. A saúde é uma área, e agora isso foi visível com a covid-19, que necessita de equipamentos caros, que ao longo dos anos têm de ser substituídos, porque se degradam ou pela inovação tecnológicas, e ou fazemos isso de forma atempada, que é o que eu defendo, ou se faz como se fez com a pandemia, em que comprámos à pressa alguns equipamentos, a preços mais elevados e com menor qualidade. Quando tal não seria necessário se tivéssemos uma política a médio e a longo prazo para decidir o que é necessário adquirir ou substituir. Por isso, digo, é importante que se resolva a suborçamentação, que basicamente só gera dívida, e que se pense num financiamento aliado a um plano de investimento ao longo dos anos.

Mas tudo isso teria de ser acompanhado de uma avaliação...

Claro, porque também é preciso ver onde é que se pode melhorar. Mas só colocar mais recursos humanos nas unidades e, eventualmente, mais algum dinheiro, sem haver um planeamento global do que se pretende atingir e de como se pode mudar, não adianta. Voltar à gestão de 2019 não é uma solução para a Saúde, isso significa que não aprendemos nada com a pandemia. Vale a pena aprender e tentar mudar algo em relação ao passado.

O investimento nos recursos humanos também tem sido muito esquecido no SNS?

Seguramente, não tenho a mínima dúvida. Normalmente, é muito diabolizada a questão dos recursos humanos no Estado e nomeadamente na saúde, mas esta pandemia provou claramente que havia essa falta de recursos humanos e que até havia alguma falta de formação e de especialização em certas áreas, que andámos a fazer de forma muito mais célere e se calhar com mais custos do que se o tivéssemos feito de forma progressiva e ao longo do tempo. A aposta nos recursos humanos na saúde é fundamental, até porque isso tem impacto na sociedade e na economia. A pandemia também nos mostrou que precisamos de um sistema de saúde forte para que a a sociedade e a economia também o sejam. E, para isso, o sistema precisa de recursos humanos em quantidade e com qualidade. Mas o que esta crise demonstrou foi a necessidade de um reforço adequado, não excessivo, às necessidades, para que possamos responder às questões que nos colocam.

Que erros se cometeram na pandemia?

Tenho sempre dificuldade em responder a essa pergunta. É sempre mais fácil olhar para trás e criticar, é quase como no futebol, no final do jogo, critica-se, o difícil é durante o jogo. Portanto, numa pandemia decidir o que tinha de ser feito, com base na informação disponível em cada momento, não foi fácil. Dizer o que que poderia ter sido feito ou criticar o que foi até pode ser fácil, mas não seria justo para quem esteve a tomar decisões. A questão, em termos gerais, e sobre o que deveria ser feito, não é em relação a esta ou àquela unidade, mas é em relação à grande falta de planeamento e depois à capacidade de implementar o plano em si. Em Portugal, fazemos estudos interessantes do ponto de vista científico e técnico, mas depois não fazemos essa translação para a vida real. A falta de planeamento adequado e a ausência de implementação desse plano trouxe algumas consequências.

"Somos muito bons a tratar, mas maus a prevenir e também a reabilitar".

Quais, por exemplo?

O verão passado não foi suficientemente aproveitado para preparar o inverno e vimos as consequências.

A pandemia veio mostrar que o SNS é fundamental e que afinal não está tão moribundo, mas precisa de mudanças. Quais?

Aponto duas que para mim são fundamentais: uma de estratégia e outra de funcionamento. A de funcionamento tem que ver com a questão de mais responsabilização na gestão. Não tem de ser o ministro da Saúde a responder no parlamento se uma porta de uma unidade qualquer ficou mal fechada e porquê. As grandes decisões são do ministro, mas a gestão do dia tem de ser feita de forma diferente e da responsabilidade das unidades. Em termos estratégicos, não tenho a mínima dúvida de que a nossa aposta tem de ser na prevenção da doença e na promoção da saúde, porque continuamos a fazer muito pouco nestas áreas. Somos muito bons a tratar, mas maus a prevenir e a reabilitar. Se queremos que o SNS tenha capacidade económica no futuro só há uma forma de o fazer, que é evitar o impacto das doenças. A aposta na prevenção é fundamental, mas temo-lo feito muito pouco, e essa seria a forma ideal para limitar despesas no SNS como também para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Portugal tem uma esperança média de vida superior à da média europeia, mas depois tem uma qualidade de vida muito inferior a partir dos 65 anos. Temos múltiplas doenças e só combatendo tudo isso poderíamos ter capacidade para equilibrarmos o SNS em termos orçamentais e para dar melhor qualidade de vida aos cidadãos.

Referiu que somos bons tecnicamente mas maus a planear, cometemos constantemente os mesmos erros. Porquê?

Quem está nos governos e olha e para as páginas dos jornais vê que a grande atenção é dada às listas de espera, ao tempo de espera e quanto tempo leva a resolver isso. Isto é, quer resolver-se o problema do dia ou da semana seguinte, mas quando se trata de gestão, de planeamento ou de prevenção da doença, temos de olhar para resultados que podem levar quatro ou cinco anos a ser alcançados, passando por ciclos políticos diferentes. Portanto, acho que, aqui, a questão está no poder político, em perceber que o mais importante não é resolver o problema da espera, que é claro que é importante para as pessoas e para o qual tem de haver uma solução, mas o do planeamento, para que este seja feito de forma mais atenta e rigorosa, porque isso trará resultados, até pode ser noutra legislatura, mas serão resultados para o país. E é essa visão que ,por vezes, falta. O problema é que os portugueses estão muito habituados a apagar fogos no dia-a-dia sem conseguir planear e percecionar o que vai acontecer daí a cinco anos.

"A gestão da Saúde, mas também de outras áreas da sociedade está muito centralizada em Lisboa".

No início do ano também disse numa entrevista que a pandemia veio mostrar que vale a pena confiar na decisão fora de Lisboa, o que quis dizer com isso? Que Lisboa, o poder central, não aceita outros modelos de gestão, que não ouve quem está no terreno?

Quis dizer acima de tudo que a gestão da saúde, mas também de outras áreas da sociedade, está muito centralizada em Lisboa. Vou dar um exemplo. No meu hospital temos um projeto de investimento, relativamente pequeno, que já tem a opinião dos peritos, dos engenheiros e de um conjunto de elementos diferentes para que seja um plano robusto do ponto de vista económico e sustentável em termos de visão clínica, mas veja por que passos teve de passar: tivemos de o aprovar internamente, depois tivemos de o submeter ao conselho fiscal, que tem de dar parecer, e depois deste processo todo, que, no fundo, é o mais relevante para termos a certeza de que é um projeto para as pessoas e de mais-valia para o Estado, ainda tivemos de o submeter à ARS do Norte, também para dar parecer regional, teve de ir para a Administração Central dos Serviços de Saúde [ACSS], para dar parecer, depois para o gabinete do secretário de Estado da Saúde, para dar parecer, para as Finanças, a Direção-Geral do Tesouro, os gabinetes dos secretários de Estado do Tesouro e do Orçamento, para darem parecer. Isto leva meses, e é um projeto pequeno com um elevado custo-benefício para os utentes e para o hospital. Depois de tudo há uma série de questões que vêm de Lisboa, muitas desajustadas, e não é porque as pessoas sejam incompetentes, é porque estão muito longe do processo, do local dos cuidados e da região.

São processos desmotivadores para a gestão?

Acabam por ser kafkianos, dolorosos. Depois ainda temos de submeter o projeto ao Tribunal de Contas, por causa de todas as exigências legais. E o que sentimos é que há sempre um sentimento de desconfiança em relação aos dirigentes e aos líderes locais. Esta pandemia veio mostrar que é preciso tomar decisões céleres dando às unidades um outro grau de autonomia, e, quando se olha para trás, percebe-se que essa autonomia foi fundamental no processo e no sucesso, porque se exerceu uma autonomia com responsabilidade e transparência. Todas as decisões, todos os atos, tiveram de ser publicados, mas com exigência e transparência conseguimos provar que é possível ter uma gestão muito mais local e muito mais efetiva do que a gestão central, que está muito longe do local dos cuidados aos doentes.

Voltando à questão, o poder central ouve quem está no terreno?

Acho que terá dificuldade em ouvir porque, por vezes, tem agendas muito complexas e com tempo limitado, mas volto a dizer que com capacidade para confiar/exigir/demonstrar publicamente resultados podemos ser mais efetivos no terreno e na gestão. Mas, atenção, defendo uma confiança sempre sustentada na defesa do interesse público e não uma autonomia sem qualquer capacidade de monitorização ou avaliação.

O facto de ser médico ajudou-o na gestão do seu hospital e até como governante?

Um médico tem o lado do humanismo e da sensibilidade, olha para os processos não apenas como números, mas percebendo que do outro lado estão pessoas vulneráveis, com problemas, com familiares, etc. Isso muda a forma como se olha para os processos e se tomam decisões. No caso da covid foi um dos aspetos fundamentais as lideranças estarem muito próximas da base. Ajudou-nos muito a perceber as dificuldades. E nesse sentido as decisões são muito mais humanas.

Foi secretário de Estado de 2015 a 2018. Gosta da política? Voltaria?

Se me perguntar onde sou mais feliz eu diria que, neste momento, estou muito mais feliz, estou mais próximo das pessoas, dos problemas e com uma capacidade diferente para os resolver.

Retrato do CHUSJ

Profissionais
A 31 de dezembro de 2020, o CHUSJ tinha 6533 profissionais, 1132 camas, 34 blocos cirúrgicos, 259 gabinetes de consulta e 119 postos de hospital de dia.

Consultas
Em 2020, realizou 790 mil consultas, reduzindo a lista de espera para consulta em 53% de 2019 para 2020. Em 2019, a média de espera era de 132, em 2020 foi de 90 dias.

Cirurgias e urgências
Em 2020, foram realizadas 46 mil cirurgias e reduzida a lista de inscritos em 42% de 2019 para 2020. Mediana do tempo de espera reduziu de 92 dias em 2019 para 65 em 2020, ano em que houve 204 mil episódios de urgências.

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