Depois do aparecimento das vacinas e de se perceber cada vez mais que o SARS-CoV-2, na origem da covid-19, poderá ficar entre nós por muito mais tempo, a única descoberta pela qual todos anseiam é a de um medicamento que possa tratar direta e eficazmente a doença. O laboratório MSD pediu nesta terça-feira à Agência Europeia de Medicamentos (EMA - sigla inglesa) uma avaliação de autorização de entrada no mercado de um remédio - molnupiravir - para combater a covid-19, depois de ter feito o mesmo junto das autoridades internacionais do medicamento dos EUA, do Reino Unido e da Suíça..Se tudo correr bem - ou seja, se a autorização for dada -, como espera a diretora médica do MSD em Portugal, o laboratório já tem prontas "10 milhões de doses para rapidamente responder aos pedidos do mercado, estando já a trabalhar para a produção de 2022"..Mas, e como sublinhou ao DN Paula Martins de Jesus, uma vez que "a acessibilidade equitativa é fundamental para o ADN da nossa empresa, também já estamos a trabalhar em parceria com empresas de genéricos para que estas, através de acordos de licenciamento, possam produzir o medicamento e distribuí-lo aos países de baixos rendimentos"..Paula Martins de Jesus garante que os resultados alcançados "são robustos e seguros", demonstrando "uma baixa hospitalização e mortalidade em doentes com doença moderada e ligeira", mas com fatores de risco que podem levar ao agravamento da doença, como maiores de 60 anos, doença oncológica ativa, obesidade, insuficiência renal crónica, diabetes, etc..Segundo explicou diretora do MSD, o molnupiravir já estava a ser testado como fármaco antivírico há muitos anos e, precisamente, para combater vírus de origem ARN. Portanto, "a nossa grande vantagem foi o facto de os estudos pré-clínicos estarem feitos, depois tivemos de avançar para os estudos da fase II, encontrar as doses adequadas, e para os de fase III. E o nosso objetivo foi fazer sempre avaliações intermédias para percebermos até onde tínhamos chegado e o que deveríamos fazer a seguir"..Exemplificando: "Quando chegámos à fase II percebemos que o grande potencial deste medicamento não se destinava aos doentes que já se encontravam hospitalizados e com doença grave, para estes certamente que haverá outro medicamento. O grande potencial era para os doentes em fase moderada ou ligeira da doença, por isso concentrámos os estudos neste grupo e chegámos aos resultados que agora estão a ser avaliados por várias autoridades dos medicamentos.".No entanto, a diretora médica do laboratório, sustentou que o uso do molnupiravir tem um requisito fundamental: "ser usado precocemente." Ou seja, "assim que for feito o diagnóstico por PCR o tratamento deve começar a ser administrado até cinco dias depois, e durante cinco dias, com duas tomas diárias". Se assim for, aquilo que os estudos indicam agora é que o doente pode até nem vir a ter sintomas ou fazer desaparecer formas graves da doença..Os estudos de efetividade do medicamento começaram com 1550 doentes dos EUA, Europa, África e Ásia, depois afunilaram para um grupo de 775, continuando, no entanto, os restantes a serem acompanhados nas várias fases, mas o importante, sublinha Paula Martins de Jesus é que "temos uma representatividade global enorme. Na Europa participaram no estudo cinco centros de investigação, e em todo o mundo 140 centros.".Paula Martins de Jesus considera que os números falam por si: "Para os doentes tratados com o molnupiravir a taxa de hospitalização é de 7,3%, não se tendo registado nenhuma morte até 29 dias após o tratamento, enquanto para os doentes que tomaram o placebo é de 14.1% para taxa de hospitalização, havendo a registar oito mortes. São resultados robustos", diz, reforçando que no processo "não foram feitos cortes cegos de etapas. Houve excelente colaboração entre nós e as autoridades dos medicamentos, a quem íamos passando todos os resultados, porque isso também foi o que nos pediram, dado tratar-se de um fármaco para necessidades médicas urgentes. Portanto, não esperamos grandes obstáculos nesta avaliação"..A diretora em Portugal não sabe quanto tempo levará a EMA até à aprovação do fármaco: "Acreditamos que será o tempo necessário para autorizar um medicamento eficaz e seguro que irá ter resultados positivos em todos os que dele necessitarem.".Um dado importante é que os estudos vão continuar. "Temos um novo estudo, a partir deste que começou em agosto, para obter dados que nos faltam para sabermos se este medicamento também é eficaz em profilaxia. Sabemos que uma em cada quatro pessoas de um agregado familiar com um infetado também fica doente e estamos a tentar perceber, através de administração profilática, se conseguimos impedir que haja mais doentes em casa. Mas ainda não temos resultados.".O foco agora "é a Europa e a submissão que fizemos nesta semana. Estamos muito confiantes. Como disse, os estudos foram muito bem delineados e ao longo do tempo tivemos sempre colaboração extrema das autoridades. Portanto, não esperamos problemas na autorização"..A diretora do MSD conta que o molnupiravir começou a ser testado depois de 2003, após o primeiro coronavírus que originou a pandemia de SARS. "O molnupiravir foi desenvolvido pela DRIVE (Drug Innovation Ventures at Emory) - entidade sem fins lucrativos da Universidade de Emory, de Atlanta, nos EUA - como um antivírico contra vírus de ARN, como o SARS-CoV-1, o MERS ou o influenza". Mas, a dada altura, a universidade percebeu que precisava de uma parceria para desenvolver mais estudos, e foi quando se juntou à Ridgeback Biotherapeutics, que foi à procura de mais evidência do potencial desta molécula.".Quando a pandemia de covid-19 surgiu, "sabíamos ter uma responsabilidade grande em contribuir com esforços antipandemia. Tínhamos um legado importante no combate a doenças infecciosas, nas vacinas e em antivirais. E começámos a pensar em várias frentes, tendo ficado claro que a pandemia não iria combater-se só com vacinas. Ia ser necessário um medicamento antiviral. Fomos à procurar na nossa biblioteca de moléculas, mas também de parcerias com a academia e com outras empresas que pudessem ter moléculas promissoras. Foi nesse sentido que contactámos a Ridgeback Biotherapeutics, que trabalhava o molnupiravir, e estabelecemos uma parceria para a produzirmos"..Após a aprovação da EMA, o laboratório acredita que a entrada em cada país só dependerá das autoridades locais. Em Portugal, as autoridades têm toda a informação.