"Se as máquinas se tornarem rivais dos homens não teremos sorte"
O presidente do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira, defende o avanço da investigação da Inteligência Artificial apesar de não se saber a que situação de confronto levará a humanidade e as máquinas.
Segunda parte da entrevista ao cientista Arlindo Oliveira. Leia a primeira parte aqui:
Hitler teria adorado esta inovação tecnológica que está em curso...
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Porquê?
Teria mais meios para controlar.
Controlava, ajudava a controlar porque essa é uma componente das redes sociais e da constante monitorização. É verdade, é capaz de ser uma coisa popular para as ditaduras, especialmente se não houver salvaguardas - voltamos à questão da privacidade. Eu acho que, conceptualmente, manter a privacidade das pessoas é impossível pois os dados vão estar todos em todo o lado. O que temos de ter é salvaguardas que impeçam que sejam usados e acedidos de maneira ilegal e incorreta. O que será extremamente difícil mas é a única coisa que se pode fazer. Tenho o mínimo de esperança de que não venham a ser usados para controlar, porque sem essas salvaguardas os nossos e-mails pessoais podem ser lidos pelo Estado ou pelo governo sem mandato. É um perigo enorme e há algum risco de acontecer em qualquer sociedade.
Portanto, um bom ditador agradece esta revolução tecnológica?
Um bom ditador, que esteja numa sociedade sem as salvaguardas, provavelmente é capaz de viver melhor agora do que antes. Não haverá nada que as pessoas façam que ele não saiba.
Esta evolução tecnológica não irá diferenciar ainda mais a humanidade?
É natural que os países mais competitivos venham a ser cada vez mais influentes e poderosos. Na Europa, que é provavelmente o Estado social mais sólido, a tendência não é no sentido do seu reforço mas ao contrário. Mesmo os países nórdicos que têm Estados sociais muito poderosos estão sob pressão com a imigração, tal como os EUA.
O homem e a máquina inteligente vão ser rivais alguma vez?
Acho que as máquinas e os homens não vão ser rivais, antes mais simbióticos do que rivais. Mas é uma opinião que dou com alguma incerteza. Vamos ter gente inteligente por quem as pessoas se apaixonam, robôs por quem as pessoas se apaixonam e pessoas aumentadas com cérebros com memórias com ligações diretas. Se as máquinas se tornarem rivais dos homens - como nos filmes de ficção científica -, então não teremos muita sorte se isso vier a acontecer.
O que se deve fazer?
O Parlamento Europeu discutiu há pouco tempo a questão dos direitos dos robôs e a necessidade do seu registo e fez uma recomendação à Comissão. Começa a pensar-se nisso, mas quando olho para as notícias dos jornais não vejo uma referência a estas questões, pelo menos às questões filosóficas associadas à inteligência artificial.
Um tema tão desconhecido como a matéria que leciona no Técnico, a cadeira de Neuroengenharia?
Provavelmente, embora não seja tão futurista como parece, porque a neuroengenharia são as tecnologias usadas para perceber o cérebro, não estamos a falar de criar cyborgs.
No prefácio diz que ficou atraído pela matemática e a ciência desde cedo. Não é o protótipo do aluno português?
Há muitos que são assim.
No Técnico não se vive numa comunidade artificial...
É uma comunidade um pouco limitada, mas temos uma percentagem que se sente atraída pela matemática e pela física - talvez um terço e metade deles é boa nisso. É verdade que os telemóveis e as tecnologias digitais tornam tudo mais difícil, como a concentração, e os miúdos leem menos e vão à internet - aprendi muita ciência nos livros -, onde perdem tempo a ver vídeos no YouTube sem interesse científico.
Durante a última crise falou-se muito na fuga de cérebros. Foi assim mesmo?
Perdemos algumas pessoas importantes e isso continua a acontecer no Técnico, onde duas dezenas de professores foram para o estrangeiro e várias dezenas não vieram para cá porque não pudemos abrir concursos. Agora está um pouco mais sob controlo e temos conseguido atrair alguns. Durante a crise diminuíram as perspetivas de carreira para pessoas com doutoramento ou com formação avançada, que foram para o estrangeiro: Arábia Saudita, Inglaterra, Alemanha, Holanda, países nórdicos, Estados Unidos...
No início do seu mandato, a crise afastou muitos estudantes e professores...
O sistema universitário português tem sido muito comprimido em termos orçamentais e não foi só pela crise, há mais de 12 anos que ela existe. Neste momento gastamos um terço menos do que em 2005.
Em 2012, deu aos governantes notas negativas. Manteria atualmente?
O nosso anterior ministro da Ciência não tinha vocação para tutelar a Ciência e na altura fundiram a Educação com a Ciência. Nuno Crato focou-se nas questões da educação e fez reformas com que podemos concordar ou não. Atualmente, o ministro Manuel Heitor é uma pessoa com imensa sensibilidade para a ciência e que tem tentado o impossível para trazer financiamento à área, bem como dinamizar a comunidade científica nacional. A única situação que não tem conseguido é alguma estabilidade nos mecanismos de financiamento.
Tem elogiado o ex-ministro Mariano Gago pelo período dourado para a ciência em Portugal. É irrepetível?
Mariano Gago começou a ter influencia na ciência portuguesa na década de 1980, durou praticamente até ao anterior governo e fez uma diferença enorme. Sem esses últimos 30 anos não estaríamos ao nível da ciência internacional nem teríamos uma escola nas 15 melhores da Europa.
Prevê-se um problema com a colocação dos precários. Como resolverá?
O processo destina-se a eliminar situações em que as pessoas estão ligadas ao Estado mas não têm posição permanente, só que isso não pode ser aplicado às carreiras académicas de investigação. Nas universidades de elite o acesso tem de ser sempre por concurso altamente competitivo, como no MIT ou em Berkeley, onde há muitas pessoas a trabalhar no universo mas só poucas é que acedem à carreira académica. Aqui no Técnico temos 700 pessoas na carreira académica de investigação e duas mil com doutoramento, mas nem todas vão poder aceder à carreira académica ou isso mataria o sistema.
Os precários no Técnico não vão entrar no quadro?
Alguns vão, mas não será por essa via que vamos passar de 700 professores para mil. Desejo-lhes muito sucesso nas suas carreiras mas não podem ficar todos na carreira académica.
O Técnico tem subido no ranking das universidades?
Sim, temos demonstrado sistematicamente que estamos entre as 15 melhores escolas europeias de Engenharia. Veja-se que só um em cada 70 europeus é português, portanto seria natural que tivéssemos uma escola nas melhores 70.
Ainda estamos longe de paradigmas como Berkeley ou MIT?
Estamos mas só para se ter uma ideia o orçamento do Técnico é de 110 milhões de euros e o do MIT é próximo de três mil milhões de euros e a escola é do mesmo tamanho que a nossa, o mesmo número de alunos e de professores. O dinheiro faz a diferença e o corte de 30% liquidou quase completamente a capacidade de investimento.
O corte eliminou, por exemplo, parcerias com o CERN?
Não, essas são despesas correntes porque é financiado por projetos a que concorremos. O mais difícil neste momento é investir em novos edifícios e laboratórios e manter a infraestrutura.
Como as torres negras que são objetos estranhos à arquitetura inicial do Técnico?
Já foram construídas há uns anos. É tipo as pirâmides do Louvre. Mas se não fossem elas o Técnico tinha de se expandir de outra maneira e é ali que temos a Robótica, a Biologia, a Química e a Eletrotécnica.
Gostaria de estar a viver este tempo presente ou daqui a cinco séculos?
Este tempo presente é extremamente interessante. A minha vida acompanhou a computação e era muito novo quando tive os primeiros computadores, os ZX Spectrum. Se viver mais umas décadas ainda irei ver computadores mais avançados. Posto isto, quem nascer agora, vai viver tempos eventualmente ainda mais interessantes porque as revoluções tecnológicas serão muito grandes e maiores até do que aquelas que observamos.
Daqui a 500 anos estará tudo feito a nível da revolução tecnológica?
Não consigo dizer, está para além do meu horizonte. Podemos destruir o planeta, a tecnologia ficar fora de controlo ou haver uma guerra. Se não arranjarmos um bom plano para o problema da distribuição da riqueza teremos instabilidade. Se gostava de ter oportunidade de saber como era o mundo daqui a 50 anos, isso sim, gostava muito.
Quando teve o ZX Spectrum na mão alguma vez imaginou a atualidade?
Em muitos aspetos sim, pois já nessa altura entendia o impacto da computação e percebia que se ia desenvolver muito rapidamente. Há coisas que não antecipei, por exemplo os telemóveis, e muito menos os smartphones e o facto de toda a gente estar sempre ligada em todo o lado. Não tive a visão de que através da tecnologia era possível a todos comunicar em qualquer lado, era impensável. O resto antecipei, coisas como o HAL do filme 2001 Odisseia no Espaço.
Alguma vez se imaginou a fazer um teste de Turing a uma máquina com inteligência artificial?
Já, é uma coisa que tem sido feita ao longo do tempo e há muitos sistemas, inclusive na internet, que podem experimentar-se, mas nenhum deles é o teste completo como o próprio Turing disse. Um teste completo de Turing é estarmos a falar num computador com um agente computacional e com uma pessoa e não conseguirmos distingui--los. Esse ainda não existe, mas acho que vai existir.
Não existe ou acha que não existe?
Ainda não existe.
E se a máquina o tivesse enganado?
Existem várias histórias engraçadas de enganos, uma delas a de um professor nos Estados Unidos e de um sistema de inteligência artificial que programou para responder às dúvidas dos alunos. Respondia às perguntas dos estudantes, trocava e-mails, tendo corrido tudo tão bem que a maior parte dos alunos não percebeu. Houve um ou dois por cento dos alunos que acharam certas situações um pouco estranhas, mas ninguém pensou que lidava com um computador. Uma coisa é estar a tentar desmascarar, outra coisa é ter um agente que responde a e-mails. De qualquer maneira, à medida que se for avançando na tecnologia chegaremos ao ponto de estar a ligar para um call center e poderemos não distinguir.
Qual é o perfil de leitor que acha que o seu livro sobre a inteligência artificial, The Digital Mind, irá ter em Portugal?
Já tive algumas recensões no estrangeiro que dizem não ser bem um livro de divulgação científica para toda a gente, antes para pessoas com alguma formação científica, matemática e tecnológica. Esses comentadores acharam que o livro é, provavelmente, demasiado difícil para quem não tenha nenhuma sensibilidade tecnológica, mesmo que tenha tentado ser acessível. Provavelmente, falhei em muitos casos mas acho que é para pessoas que se interessem por ciência e tecnologia e que tenham alguns conhecimentos dessa ciência e dessa tecnologia. Se for uma pessoa que não tenha nenhum conhecimento de ciência e tecnologia, provavelmente vai achar algumas partes matemáticas bastante difíceis de digerir.
O intelectual que não digitalizar o pensamento ficará ultrapassado?
Há duas maneiras de ver isso. Uma, que as pessoas intelectuais, jornalistas, escritores, etc., que não dominem as tecnologias digitais vão ter dificuldade em acompanhar os telemóveis ou as redes sociais. É inevitável, porque são tecnologias de apoio que se vão tornando cada vez mais essenciais, o que não quer dizer que daqui a 20 anos todos tenham implantes para aceder diretamente à web ou para aumentar o cérebro e a memória, porque as pessoas vão ter sempre a opção de viver uma vida essencialmente não aumentados. Mas estamos a falar num futuro que consigo prever, 20 a 30 anos, mas não o consigo daqui a cem anos. Aí, já tenho dificuldade em crer que a ligação permanente à internet não seja algo tão comum que toda a gente não tenha mesmo de estar ligado.