Saber gerir as emoções é essencial para evitar a agressividade ao volante
Qualquer utilizador da internet e, em particular, das redes sociais já se terá cruzado com vídeos de condutores que fazem manobras perigosas, ameaçam ou provocam acidentes de propósito.
Este fenómeno tem nome: é o road rage ou, em português, agressividade ao volante. “Episódios de road rage podem levar a sofrimento físico e psicológico, traumas, evitamento/fuga e até à possibilidade de perdas humanas”, como afirma ao DN a psicóloga clínica Ana Beatriz Confraria.
No Dia Mundial do Trânsito e da Cortesia ao Volante, que se assinala este domingo, procurámos perceber melhor esta realidade e de que forma pode estar ligada à sinistralidade nas estradas portuguesas.
No entanto, não existem no nosso país dados a nível nacional que permitam aferir quantos acidentes são provocados por comportamentos agressivos ao volante, como confirma fonte oficial da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR). Simplesmente essa estatística não é realizada, ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, em que a AAA Foundation for Traffic Safety, que analisou mais de 10 mil relatórios policiais sobre acidentes rodoviários que resultaram em violência, concluiu que, entre 1990 e 1996 (os dados mais recentes analisados), a agressividade dos condutores contribuiu para 218 mortes e 12.610 lesões. Nesse período, os incidentes relacionados com road rage aumentaram 7% ao ano.
Também por cá já se registaram mortes em consequência deste tipo de incidentes. Em março de 2005, Nélio Marques, filho do internacional do Benfica Nelinho, foi assassinado com três tiros à queima-roupa depois de uma discussão com outro condutor que começou na estrada e terminou, fatalmente, numa estação de serviço em Benfica.
E ainda em agosto, em Quarteira, um homem de 44 anos, que seguia no passeio e se envolveu numa discussão, seguida de agressão física, com um motociclista, acabou a sentir-se mal e a morrer no local.
Se está comprovado que as longas filas de trânsito, os engarrafamentos e as manobras perigosas aumentam os níveis de frustração, ansiedade e agressividade, é também verdade que a impulsividade pode resultar em situações como as acima citadas.
“Sentimentos como a zanga ou a raiva tiram-nos a capacidade de pensar racionalmente e levam-nos a comportamentos impulsivos”, explica Ana Beatriz Confraria, que lembra que isto é o resultado “de um desequilíbrio entre o pensar e o agir”.
Ser mais cortês ao volante
A psicóloga clínica do Gabinete de Psicologia, e cujo percurso passou também pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, aponta que existe “uma correlação de variáveis individuais, ambientais e sociais” que ajudam a compreender o fenómeno da road rage.
Os “homens de idade mais jovem” parecem ser “mais propensos” a este tipo de situações, ainda que não seja, de todo, exclusivo: “Também as mulheres e pessoas com mais idade poderão ter este tipo de condução.” Mas há, claramente, fatores que contribuem de forma negativa para essa realidade: traços de personalidade, variáveis emocionais, comportamentos de risco como o consumo de álcool ou o excesso de velocidade, assim como o stresse e a fadiga.
“Aprender a gerir as nossas emoções é fundamental para controlarmos as nossas reações às situações, e, para tal, consultas de psicologia poderão ser uma mais-valia”, afirma a especialista. No entanto, pequenos gestos, como sair mais cedo de casa, exercícios de respiração para controlo da ansiedade ou até evitar o contacto visual com pessoas que demonstram comportamentos agressivos, “são alguns dos conselhos que poderão ser úteis para viagens mais calmas e seguras”.
Portugal com mais acidentes
Além da agressividade, comportamentos de risco, como a utilização do telemóvel durante a condução ou a ingestão de bebidas alcoólicas, ajudam a que Portugal esteja entre os países da União Europeia com piores resultados na sinistralidade rodoviária.
“Já não é só o falar ao telefone, é também ler e responder a mensagens”, lamenta José Manuel Trigoso.
O presidente da associação Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) aponta ainda o excesso de velocidade como um dos principais fatores que contribui para os maus resultados nacionais, em grande parte devido à forma como as estradas são desenhadas.
“As vias têm de ser construídas para se circular à velocidade que queremos que os veículos circulem, têm de limitar naturalmente a velocidade”, acrescenta.
Os dados oficiais da sinistralidade rodoviária para 2023 mostram que, entre janeiro e novembro, morreram nas estradas 442 pessoas - mais 12 do que no mesmo período em 2022. Registaram-se ainda mais acidentes (6,7%), mais feridos ligeiros (6,8%) e mais feridos graves (7,3%), embora o tráfego tenha também subido face a 2022.