Rui Paula serve jantares à moda de Eça

Rui Paula serve jantares à moda de Eça

A gastronomia é um assunto recorrente em toda a obra de Eça de Queiroz, que nos brinda com descrições que retratam as mesas e os sabores daquela época. No âmbito da Capital Europeia da Cultura, vão realizar-se dois jantares queirosianos em Aveiro com direito a declamação de textos e tertúlia.
Publicado a
Atualizado a

“Tenho um jantarinho à portuguesa que encomendei de manhã com cozido, arroz de forno, grão-de-bico, etc., para matar saudades...”. É assim que Carlos convida os amigos Alencar e Cruges para jantar, “às seis, em ponto, sem falhar!” no último capítulo de “Os Maias”, num salto a Lisboa depois de 10 anos de ausência. É a reta final da obra, ao longo da qual, enquanto conta a história desta família e do amor incestuoso de Maria Eduarda e Carlos da Maia, Eça de Queiroz nos presenteia com descrições que retratam as mesas e os sabores daquela época. A gastronomia é, aliás, um assunto recorrente em toda a obra de Eça, já objeto de estudo e de jantares temáticos como os que vão acontecer no final desta semana em Aveiro.

O jantar terá sido a refeição mais vezes referenciada por Eça nas suas obras. Segundo escreve Loy Rolim no prefácio do livro “À Mesa com Eça de Queiroz”, no qual Maria Antónia Goes faz um levantamento das referências às refeições na obra do escritor, o jantar é referido 560 vezes. “A mesa, redonda e pequena, parecia uma cesta de flores. O champagne gelava dentro dos baldes de prata; no aparador a travessa de arroz-doce tinha as iniciais de Maria”, lê-se no 14.º capítulo de Os Maias acerca de um outro “jantar à portuguesa” entre os dois apaixonados no Ramalhete.

Talvez por isso, é ao jantar que na sexta-feira e no sábado, no âmbito da Capital Europeia da Cultura, se vão degustar pratos inspirados nas inúmeras referências gastronómicas de Eça no restaurante Prosa, do MS Colletion Aveiro – Palacete de Valdemouro, um hotel que resulta da reabilitação de um edifício que foi precisamente casa do pai e família do escritor.

Com curadoria da Fundação Eça de Queiroz e do chef Rui Paula, estes jantares queirosianos prometem transportar-nos para outra época, com um menu especial que será degustado ao mesmo tempo que o ator Pedro Lamares declama textos que compõem a obra de Eça. “Percebe-se que apreciava boa comida e bons vinhos”, diz Anabela Cardoso, diretora da Fundação Eça de Queiroz acerca do legado gastronómico do escritor. “Mas também as coisas mais simples da gastronomia”, acrescenta, lembrando “a delícia” que é a descrição de uma refeição com favas no livro “A Cidade e as Serras” e que diz assim: “Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas! … Tentou todavia uma garfada tímida – e de novo aqueles seus olhos, que pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado: – óptimo!… Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!”.

Chef Rui Paula.
Pedro Granadeiro/Global Imagens

Favas não serão servidas nestes dois jantares queirosianos. “Não estamos na época delas”, justifica o chef Rui Paula, responsável pelo menu e que tentou um equilíbrio entre os produtos locais e os gostos de Eça. Optou por isso por Foie gras e enguia fumada de entrada, seguido de Ovos rotos com espargos e chouriço, Bacalhau e grão de bico e ainda um Arroz Meredendeiro, um prato dos tempos da avó, que ia enrolado em folhas de jornal. À sobremesa, mais uma vez inspirado nas palavras e nas personagens de Eça, haverá Comer como Abades, com sabores tradicionais e conventuais, com muitos ovos, ou não fosse para servir em Aveiro. Como diria o Cónego Dias de “O Crime do Padre Amaro”, mas sobre a cabidela, “de tentar Santo Antão no deserto!”

Após o jantar, decorrerá a tertúlia sob o tema “A Culinária em Eça de Queiroz”, com a presença de Carlos Reis, coordenador do Centro de Literatura Portuguesa e especialista em estudos queirosianos.

Respirar cultura

O jantar tem um valor de 120 euros por pessoa ou 200 euros por casal, devendo as reservas ser feitas para o MS Colletion Aveiro, um hotel de cinco estrelas inserido num edifício histórico do séc. XVIII, totalmente reabilitado e restaurado, outrora residência do pai e família de Eça de Queiroz. Um espaço cujo conceito e decoração se inspiram na vida e obra do escritor, com alguns apontamentos a fazer lembrar o estilo francês do séc. XIX, país onde residiu até à morte.

O mural de Vhills junto à piscina.
Ivo Tavares Studio - Fotografia de arquitectura
Quarto do Hotel MS Collection Aveiro.
Ivo Tavares Studio - Fotografia de arquitectura

Alguns dos seus quartos são únicos, batizados e inspirados em personagens dos livros, existe uma sala de leitura que é uma ode ao escritor e onde se encontram fotografias e objetos pessoais de Eça de Queiroz. Junto à piscina, um mural de Vhils que homenageia e interpreta o escritor.“Existindo este hotel em Aveiro fazia todo os sentido fazer esta iniciativa aqui”, comenta Anabela Cardoso, referindo que já aconteceu noutros moldes noutras localizações.

Inclusivamente, no restaurante de Tormes, em Baião, onde se situa a Fundação, costumavam servir-se estes menus queirosianos. Aí o prato com mais saída era o o frango alourado com arroz de favas. Atualmente o espaço está encerrado por cessação do contrato de exploração, mas não faltarão outras oportunidades para ali ou noutro local degustar um menu queirosiano.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt