Réveillon. Quando o último dia do ano é o melhor para o negócio
Quando soarem as doze badaladas que marcam a entrada em 2024, Mirene Cardinali, a família e os restantes artistas que compõem o seu circo, instalado na zona da Bela Vista, em Lisboa, estarão a celebrar. A tenda de entrada no circo será o palco do réveillon da família circense. Antes, houve um longo dia de trabalho, com duas sessões, às 11:00 e às 16:30. E, no dia de Ano Novo, haverá espetáculo logo às 11:00 e outro à tarde. “Nesta altura do ano temos mais espetáculos num curto espaço de tempo, o que nos proporciona melhores rendimentos”, começa por explicar a dona do Mirene Cardinali Circus, marca registada em Portugal. “Trabalhamos o ano todo, andamos por todo o país. Só que, durante o ano, só fazemos espetáculos aos sábados, domingos e feriados e, durante a quadra natalícia, temos dois espetáculos durante a semana e quatro ao fim de semana”.
O preço dos bilhetes varia entre os 10 e os 20 euros, consoante seja criança ou adulto e também o lugar desejado, sendo as cadeiras junto ao palco as mais caras. Nesta altura, há ainda outro negócio que alavanca o circo. “Temos as festas das firmas, que compram os espetáculos para os trabalhadores trazerem os filhos. Neste aspeto, torna-se também bastante rentável, apesar de fazermos um desconto, na ordem dos 20%, para as empresas”. Ou seja, se num espetáculo normal, com o Chapitô cheio - este tem capacidade para mil pessoas - o Mirene Cardinali Circus tem uma receita média de bilheteira de 15 mil euros, caso o espetáculo seja vendido a uma empresa, ficará por 12 mil euros.
No dia 1 de janeiro, logo pela manhã, há circo. “Antigamente, também trabalhávamos mesmo na Passagem de Ano. Hoje em dia já não se justifica porque as pessoas viraram-se mais para outro tipo de festas. Temos as duas sessões no dia 31 e depois temos duas sessões no dia 1. Começar logo de manhã é um bocadinho difícil, porque nós também festejamos o Ano Novo. Ficamos com os olhos um bocadinho inchados, de nos deitarmos tarde, é mais difícil para nos maquilharmos, mas corre sempre tudo bem. Afinal de contas, o circo é a nossa vida e sempre que fazemos o espetáculo também sentimos uma alegria enorme”, confessa a artista e empresária circense, oriunda de uma das famílias mais conhecidas do circo na Europa, os Cardinali. “O meu avó era italiano, da Sicília. No final do século XIX veio com o meu pai para Portugal e foi quando o primeiro circo Cardinali se instalou aqui”.
O primeiro espetáculo do primeiro dia do ano de 2024 está marcado para as 11:00. E não se pense que é demasiado cedo para os espectadores. “Vem muita gente com os meninos. Já temos os espetáculos do dia de Ano Novo quase esgotados”, revela Mirene Cardinali, satisfeita com o sucesso do seu circo.
A artista, que também dá nome ao circo, tem dois números: os cães amestrados e um número musical no final do espetáculo. “O Miron, o Charlie e o Porsche têm todos sete anos. Quando eles vieram para o circo não começaram logo a trabalhar. Só depois de fazerem seis meses é que os comecei a treinar, devagarinho, e a perceber o que é que cada um deles conseguia fazer”. O treino foi feito “com muita paciência e mimo. Cada animal tem as suas características: nem todos saltam, nem todos rebolam. Sobretudo, o que eu quis fazer com os meus cãezinhos foi uma brincadeira, nada de exagerado, porque, como se sabe, hoje em dia há uma grande tendência para criticar os animais nos circos. Eles agora já sabem o número de cor e salteado, saltam para o palco, divertem-se, comem as guloseimas e ficam todos contentes”.
Os únicos animais no Mirene Cardinali Circus são estes três cães de pequeno porte. Desde 2019 que os animais selvagens estão proibidos nos circos portugueses. A empresária e artista circense lamenta, até porque, garante, “aqui ao lado, em Espanha, os circos continuam a ter animais de todos os tipos, em França a mesma coisa e na Rússia nem se fala! Há todo o tipo de animais”. A artista, de 50 anos, lembra-se bem dos tempos em que os animais eram parte da atração no circo. “Eram tempos lindos! Nunca fui magoada nem por um cão, mas tenho marcas no corpo, porque andava sempre de volta dos animais. Uma coisa que eu adorava era ir dar pão aos elefantes, porque para eles aquilo era como dar-lhes um chocolate. Adoravam e abanavam a tromba, contentes”, recorda. “Havia leões, elefantes, hipopótamos, golfinhos, girafas, zebras, camelos, crocodilos, jibóias... Acho que acabar com os animais selvagens no circo foi uma medida muito dura. Nós tínhamos os animais bem tratados e sempre que chegávamos a uma terra vinha um veterinário fiscalizar, para ver se os animais tinham as vacinas e se estavam bem. Concordo que os animais estavam em jaulas, mas isso não quer dizer que estivessem sem todas as comodidades. Não me venham dizer que num jardim zoológico não é a mesma coisa, porque é: eles também não estão no seu habitat natural”. Seja como for, os três pequenos cães do circo moram no conforto da caravana de Mirene Cardinali. “Eles dormem comigo. São muito pequeninos, não há necessidade de estarem numa jaula. São os meus meninos”.
No circo Mirene Cardinali há muitos números para além da atuação dos canídeos. “As pessoas gostam muito dos números aéreos. Aqui, temos uma roda gigante, temos as meninas que se penduram no candeeiro, mastro chinês, o arame e depois temos toda uma série de números acrobáticos no solo, um número de magia com cinco pessoas em palco e, claro, os palhaços. Mas os cãezinhos são um grande sucesso, fazem as delícias dos miúdos e dos graúdos”.
O Mirene Cardinali Circus é um dos circos instalados, nesta quadra, em Lisboa. Na ponta oposta da cidade, no Passeio Marítimo de Algés, está instalado o circo do primo, Vítor Hugo Cardinali. Contudo, Mirene assegura: “Não concorro com ninguém. O que eu quero é que as pessoas venham ver o nosso espetáculo e saiam daqui felizes”. Durante o ano, à medida que o circo vai andando de terra em terra, também existe o cuidado de irem “para locais onde não estejam outros colegas, para não nos atrapalharmos uns aos outros”, diz. A vida é sempre feita nas caravanas. “Não tenho casa, só temos um terreno, em Loures, onde podemos colocar todo o nosso material, se for preciso. Aliás, até tenho medo de dormir numa casa. Não me pergunte porquê, porque não sei explicar. Na caravana, apesar de até poder ser assaltada mais facilmente, não tenho receio; numa casa tenho”.
Antes de se fazer à estrada pelo país fora, o Mirene Cardinali Circus permanece na Bela Vista, na zona oriental de Lisboa, até dia 7 de janeiro. “Depois lá vamos, com a casa às costas. Por agora só em Portugal, mas estamos a pensar em começar a ir para fora do país”. Certo é que, para Mirene Cardinali, nada bate a vida na caravana. “Todos os dias acordo com uma paisagem diferente. E é muito aconchegante, sobretudo quando chove e começamos a ouvir o barulho da chuva a bater na caravana. Temos tudo o que é preciso. Aliás, muitas caravanas são melhores do que certos apartamentos”, avança a artista, que promete voltar à capital na próxima quadra natalícia.
Paulo Spranger/Global Imagens
Música rende centenas de euros
Quando chegar a meia-noite, na outra ponta da cidade, no MAAT Café&Kitchen, o restaurante do Museus de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Belém, estará Jade Alvim, 48 anos, no controlo dos pratos, na cabina de som. Jade é DJ há cinco anos, um desafio que acabou por abraçar depois de ter trabalhado em clubes noturnos e restaurantes como relações-públicas.
“Além disso também dancei ballet muitos anos e já tinha o ritmo da música na cabeça”, avança Jade Alvim. Nesta noite, em que (quase) todos estarão a festejar, Jade estará a trabalhar. “Já não é a primeira vez que o faço. A primeira vez foi um bocadinho estranho porque eu não estava ali a comemorar com o resto das pessoas, como quando era relações-públicas e estava junto da festa. Como DJ estou sozinha, na cabina. Mas é engraçado porque as pessoas vão ter comigo, à meia-noite, vão ter comigo, desejam bom ano, para eu não me sentir sozinha”.
Jade confessa que a noite de fim de ano é muito lucrativa para os DJs. “É uma noite em que todos estão ocupados e não se consegue aceitar todos os convites. Eu vou estar a atuar numa casa onde sou DJ residente, o valor não é assim tão alto. Mas se tiver um convite e for a outro sítio, que não seja um cliente regular, um hotel por exemplo, os valores são mais altos: entre 400 e mil euros. É uma boa noite, compensa”.
Aliás, todo o mês de dezembro, garante a DJ, “tem sido de muito trabalho. Outubro também foi um ótimo mês, de rentrée. Mas, de facto, a passagem de ano é muito forte”. Além do dinheiro que aufere, a DJ afiança que o trabalho é um prazer. “Adoro fazer isto! Adoro trabalhar com entretenimento, puro e duro. Nesta noite, vou estar a pôr música até às duas da manhã e, a seguir, ainda tenho tempo para um bocadinho de vida própria e também irei festejar com amigos”.
No restaurante do MAAT a noite começa com um jantar, com menu especial. Jade Alvim começa a tocar às oito da noite, acompanhada por uma cantora. “À meia noite as pessoas saem todas lá para fora, onde vai haver fogo de artifício. Será um espetáculo muito bonito. Depois, os clientes regressam e vão para a zona do bar dançar”. A lista musical será eclética. “Como os clientes são da faixa etária dos 30 para cima vou fazer uma mistura de estilos e de épocas. Acho que funciona bem. O cliente de restaurante não é de uma só geração, por isso é que esta mistura resulta bem”. Joana será a cantora a acompanhar Jade. “Ela vai cantar Garota de Ipanema, Ó Gente da Minha Terra, Walking on Sunshine e Believe, entre muitos outros temas. No meu caso, vou abrir o ano com o Viva la Vida dos Coldplay, que é um tema de festa muito forte”. Jade Alvim acredita que 2024 é mesmo para entrar com o pé direito.
“Abrir o ano com esta música é uma celebração. Acredito que 2024 vai ser um ano de concretização daquilo que se andou a semear em 2023. Acredito que vai ser um bom ano, apesar de tudo o que estamos a viver no mundo e que não é bom. Mas temos que ter fé e seguir em frente”.
À meia-noite, tal como os restantes convivas, também Jade irá comer as 12 passas e pedir alguns desejos para o Ano Novo que se adivinha. “Vão à cabina levar-me champanhe, as passas. Quanto aos meus desejos, já tenho tudo escrito e não são só doze, são mais!”
Jade Alvim vestiu-se a rigor, de vestido de lantejoulas, para a entrevista com o DN. E será assim que deverá surgir, na noite de réveillon. “Hoje vesti-me a pensar nessa noite. E talvez traga mesmo este vestido. Se bem que andei a ler e dizem que as pessoas do meu signo, Peixes, devem entrar no ano de roxo. Não sou muito de superstições mas, por acaso, comprei um vestido roxo. Ainda estou indecisa”. Uma coisa é certa para a DJ: “Vai ser uma noite memorável!”
Paulo Spranger/Global Imagens
Fogo de artifício milionário
A noite de réveillon também é próspera para António Sampaio, 63 anos, dono da Show Me, empresa de produção de eventos. “Tenho três festas, em três hotéis. Os hotéis organizam a parte da música e da comida e depois querem o fogo de artifício, que, apesar de toda a campanha negativa que criaram à sua volta, ainda é algo que traz muito impacto a um evento. O fogo de artifício é como o champanhe: é espirituoso. As pessoas vêem-no e ficam prontas para dançar”, explica o produtor de eventos.
Quanto a valores, são mais elevados nesta época do ano. “Haja dinheiro e vontade e podemos realizar qualquer desejo, tanto para festas corporativas como para particulares. No caso do fogo de artifício nestes pequenos espaços, como os hotéis, pode ir desde cinco a sete mil euros”. Mesmo assim, o empresário admite: “Não é nada de especial. Não é a mesma coisa que fazer o Terreiro do Paço”. Aliás, com uma vasta experiência nesta área, António Sampaio já teve o prazer de iluminar a principal praça da cidade de Lisboa. “Já fiz o Terreiro do Paço com o Pedro Abrunhosa a dizer, no final: ‘E da noite se faz dia’. Foi no encerramento da Lisboa 94: Capital Europeia da Cultura e estavam presentes cerca de 120 mil pessoas”.
Antes da festa, há todo um trabalho de preparação que é preciso fazer. “Fiz as visitas técnicas aos locais onde vai ser instalado o fogo de artifício. As condições de segurança são as primeiras a serem observadas. Há o espaço físico, do hotel, onde decorre a festa, e depois há o espaço de implementação da pirotecnia, que tem de ter uma margem de segurança compatível com o que vai ser feito”.
Por isso, a dimensão do fogo de artifício está sempre relacionada com o espaço disponível para o lançamento dos fogos. “Funciona tudo em função do espaço que temos para trabalhar. Se estivermos a trabalhar num grande espaço, como o Terreiro do Paço, é totalmente diferente do que podemos fazer num hotel, em que temos os jardins ou o relvado do golfe. Mas, no final, o que as pessoas querem é animação”, assegura este organizador de eventos.
As três festas que tem programadas terão, cada uma, “cinco minutos de fogo de artifício, mas com intensidade. As pessoas vão estar de champanhe na mão e vão ver uma coisa como deve ser. Mas, não há dúvida, que independentemente do design do fogo de artifício, os clientes, nesta noite, querem é brilho e festa”.
António Sampaio não estará nos três locais à meia noite, como é natural. Porém, não ficará descansado a desfrutar do réveillon. “Ou vou a um destes locais, assistir a um dos espetáculos ou estarei a beber champanhe com o telemóvel ligado. Nunca é uma noite de folga para mim. Uma vez estava em casa do meu irmão, a jantar antes da Passagem de Ano, e houve um problema num evento e lá fui eu a correr”, recorda.
Seja como for, António Sampaio realça a importância da noite de Passagem de Ano para os seus negócios. “As empresas de eventos anseiam por esta data porque é o balão de oxigénio, principalmente para as empresas que têm ligações à pirotecnia. Depois, em janeiro e fevereiro pára tudo. Posso dizer-lhe que tenho estes três trabalhos e tive de recusar um, mais pequeno, na Comporta, por falta de pessoal”.
Ao longo do ano, as festas para empresas são o principal sustento dos organizadores de eventos. “Felizmente, Portugal está descoberto para o turismo de negócios. E é o que salva este mercado. Não é o mercado interno, a não ser as romarias. Mas isso são outras guerras em que não entro, que metem as câmaras municipais e os concursos públicos”, explica o empresário. “Os eventos corporativos e o turismo de negócios são balões de oxigénio fantásticos. Agora, devo dizer-lhe que a noite de passagem de ano é um marco na atividade da organização de eventos”, realça António Sampaio, sorridente face aos lucros que se aproximam.
O empresário está preparado para organizar eventos completos, com tudo incluído, desde a decoração, passando pelo catering, até ao tão desejado fogo de artifício. Porém, acaba por muitas vezes negociar apenas a pirotecnia, dado que muitos dos seus clientes são outros organizadores de eventos. “Pedem-me coisas específicas. Por exemplo, neste caso dos hotéis, a pirotecnia. É preciso algum tato nisto, não me posso armar em concorrente dos meus clientes”.
António Sampaio tem uma longa experiência na organização de eventos, que já vem de família. “Comecei a aprender no Páteo Alfacinha, nos anos 80. Nessa altura, por questões familiares, liguei-me a esse projeto que foi muito importante. Foi uma época em que muitos estrangeiros começaram a descobrir Lisboa e o Páteo Alfacinha tem a característica de representar a Lisboa típica em miniatura”.
Mais tarde, António Sampaio acompanhou a criação da empresa Casa do Marquês. “Foi aí que aprendi muito sobre eventos: montagem, carregar e descarregar camiões... Só não me meti na cozinha”. O fogo de artifício veio depois. “Fui desafiado, por outro ramo da família, ligado à pirotecnia. Adoro o meu trabalho, na minha vida não há rotinas!”, conclui.