Rui Frias falou com 12 jornalistas e ex-jornalistas para refletir sobre a profissão.
Rui Frias falou com 12 jornalistas e ex-jornalistas para refletir sobre a profissão.Reinaldo Rodrigues

Retrato das redações pelos olhos dos jornalistas

O livro 'O Jornal' mostra como, em duas décadas, a atividade jornalística sofreu uma profunda transformação e entrou em crise.
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"Não é um trabalho académico, é uma espécie de grande reportagem sobre as mudanças que afetaram as redações dos jornais, o jornalismo, a vida das pessoas que nele trabalham, em última instância, a própria democracia”, diz Rui Frias, autor do livro O Jornal, que será apresentado amanhã numa sessão no El Corte Inglès, em Lisboa.

Jornalista do Diário de Notícias desde 1997, Rui Frias gostaria que este livro fosse lido sobretudo por jornalistas e estudantes de comunicação social, e pelo público em geral, aquele “que ainda se preocupa em salvar a democracia (e as suas instituições representativas), da qual o jornalismo sério e independente é trave mestra”.

Por jornalistas, porque “foi sobretudo para ajudar a documentar tudo aquilo por que temos passado nas últimas duas décadas, os que resistem na profissão e os que infelizmente foram empurrados para fora dela, que aceitei este desafio da FFMS [Fundação Francisco Manuel dos Santos]”, afirma. Já os estudantes de comunicação social “muitas vezes não têm uma noção muito real da profissão que desejam, não para os assustar ou dissuadir, mas para que se preparem da melhor forma para o que é hoje o universo dos jornais”.

O Jornal procura fazer um “retrato social” do jornalismo através de 12 vozes identificadas apenas pelo primeiro nome, umas que já abandonaram a profissão e outras que continuam nas redações onde há cada vez menos gente. Jornalistas e ex-jornalistas que testemunham a deterioração das condições de trabalho, com reflexo na própria qualidade do jornalismo.

As pessoas, por outro lado, deixaram de ler jornais e é com dificuldade que aceitam pagar por informação. Números da Pordata citados no livro indicam que a venda de jornais diários passou de 315.139 exemplares em 2011 para 108.500 em 2021. As edições em papel estão destinadas a desaparecer?

“O essencial mesmo é que o bom jornalismo resista, independentemente da plataforma. Sabemos que a revolução digital na imprensa afetou de forma muito mais vincada o formato de jornal diário generalista impresso, como é o caso do DN, porque o ritmo vertiginoso da atualidade e da atualização noticiosa encurtou de tal forma o prazo de validade da informação que o jornal do dia com notícias do dia anterior deixou de fazer sentido. Isso obriga a repensar o modelo”, defende Rui Frias.

O futuro

O jornalista não apresenta no livro soluções para ultrapassar a crise do setor, mas ao DN, no que respeita ao financiamento, diz que vê “vantagens numa combinação de modelos”, não descartando a subsidiação pública, como existe em França, “desde que haja mecanismos rigorosos de transparência e independência editorial, para evitar interferências políticas, mas acreditar que a lei do mercado por si só evita interferências externas é ingenuidade”.

Para Filipe Alves, diretor do DN, o livro O Jornal “é uma interessante reflexão sobre o papel que o jornalismo desempenhou e deve desempenhar na democracia”. Quanto ao estado atual do setor, considera que “estamos numa difícil fase de transição, cujos efeitos e alcance ainda não são perfeitamente visíveis, apesar de já ter tido início há algumas décadas”. Num cenário em que o “jornalismo independente e de qualidade terá futuro porque faz falta, vai ao encontro de uma necessidade da sociedade”, antevê a criação de novos modelos de negócio, em que “as equipas serão mais pequenas do que no passado e a tecnologia vai permitir fazer mais e melhor com menos meios”.

Mas a solução estará num mix de mudanças, acredita Filipe Alves: “Antigas e novas formas de mecenato; apoios públicos ‘cegos’, evitando uma gestão discricionária por parte do poder político; e uma defesa mais eficaz dos direitos de autor e de propriedade intelectual a nível europeu, por exemplo, perante as big tech.”

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