Rendeiro "só pode ficar detido 18 dias", diz a sua advogada sul-africana
"O máximo de dias de detenção permitido num caso como este é 18."
Esta é a informação que June Stacey Marks, a advogada sediada em Joanesburgo que esta segunda-feira vai acompanhar João Rendeiro a tribunal, garante ao DN ser a correta, mesmo se a Convenção Europeia de Extradição, assinada pela África do Sul em 2003 e no âmbito da qual corre o processo, fala de um máximo de 40 dias de detenção.
Stacey Marks, que atende ela própria o número de telefone móvel disponibilizado no site da firma com o seu nome, mostra-se indisponível para mais explicações: "Vamos estar em tribunal daqui a umas horas, deixemos esses esclarecimentos para amanhã."
Esta garantia de June Marks é porém contraditada por um procurador do Ministério Público português consultado pelo DN: "Nos termos da Convenção, são 18 dias prorrogáveis até 40. O prazo de 18 dias é aquele que está estabelecido para o envio, para o país requerido [a África do Sul], de toda a documentação respeitante à documentação por parte do país que requer a extradição."
A presença de João Rendeiro em tribunal esta segunda-feira obedece ao princípio de que um detido tem de ser presente a juiz até 48 horas após a detenção. Nesta audiência, Rendeiro será questionado sobre se aceita ou não a extradição; se se opuser, o que é o mais provável, deverá pedir um prazo para apresentar argumentos. Em todo o caso, o juiz verificará se o pedido de extradição preenche os requisitos legais: se a natureza dos crimes em causa e a duração da pena em que foi condenado a permite (de acordo com a Convenção, há possibilidade de extradição em crimes cuja pena seja mais de um ano). A seguir, decidirá se valida ou não a detenção, se escolhe outra medida de coação (a fixação de uma caução, por exemplo), ou se o ex-banqueiro fica a aguardar a conclusão do processo em liberdade.
Tem depois um prazo, até 80 dias, para tomar a decisão sobre o pedido de extradição, seguindo-se depois o do recurso. O magistrado do MP ouvido pelo DN, e que prefere não ser identificado, não espera complicações: "Eles [as autoridades sul-africanas] já têm informalmente toda a documentação. E avançarem para a detenção indicia um juízo de prognose de admissibilidade, ou seja, que consideram que há condições para a extradição. Mas o juiz pode sempre ter outra opinião, claro. E há depois a decisão do governo - há decisões políticas envolvidas, não só jurídicas. Em termos de Direito, porém, é um caso relativamente simples: há decisão transitada em julgado e uma condenação por um crime que também é crime na África do Sul."
Qual será a abordagem de June Marks perante esta alegada simplicidade saber-se-á a partir desta segunda-feira, mas é antecipável que, atendendo ao que o próprio Rendeiro disse já, um dos argumentos seja que o processo que o condenou não foi equitativo. Um advogado português consultado pelo DN aposta nesse tipo de "habilidade retórica."
Certo é que o site da firma que a advogada de Rendeiro fundou em 2005 com o seu nome - a June Stacey Marks Attorneys - apresenta entre as suas especialidades a criminalidade de colarinho branco, elencando dois processos de extradição (a partir do Reino Unido e do Zimbabwe) como representativos da sua prática em direito internacional. E, na rede profissional Linkedin, averba entre os seus interesses o White Collar Law Group, aberto "a todos os interessados nesta área de prática legal que envolve investigações criminais, civis e regulatórias complexas".
Formada na Universidade da África do Sul, e invocando no site da firma, onde só se encontra o seu nome, até o sucesso na escola básica, June Marks afiança ocupar-se pessoalmente de todos os processos.
Como o DN constatou, a advogada até atende chamadas ao domingo. E, a crer na retórica motivacional do seu site, Rendeiro pode contar com ela para "fazer o que é preciso para ganhar": "Acredito firmemente que há sempre uma solução, só temos de a encontrar. E eu sou determinada e persistente e não descansarei até encontrar essa solução, até que o problema seja resolvido (...). Recuso parar de lutar!"
Na sua conta de Twitter, na qual tem 519 seguidores, Marks retuitou este sábado duas notícias de media nacionais sul-africanos sobre "o banqueiro fugitivo envolvido em fraude de milhões detido na África do Sul", sem qualquer comentário.
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Já as notícias propriamente ditas são abundantemente comentadas por compatriotas da advogada, que se espantam com o facto de Rendeiro ter conseguido uma autorização de residência quando era procurado - e em tempo recorde.
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"Como é que ele conseguiu uma autorização de residência se não existia sinal verde das autoridades do seu país de origem", pergunta um. "Como é que este tipo conseguiu um cartão de residente em dois meses?", ecoa outro. Alguém responde: "Eles sabem como é fácil corromper as nossas autoridades!" Mais um tuiteiro suspira: "Somos um paraíso para os fugitivos."
A notícia de que Rendeiro terá investido na África do Sul para poder obter a autorização de residência implica que terá bens no país, os quais poderão ser objeto de pedido de arresto ou de congelamento por parte das autoridades portuguesas.
"É um processo moroso, que implica cartas rogatórias", comenta ao DN um jurista. "Mas em relação ao que possam ser bens em contas offshore é muito mais difícil. Mesmo que ele tenha sido apanhado com cartões de débito ou crédito associados a essas contas, pode já ter sido tudo cancelado mal foi detido, e o dinheiro passado para outro sítio qualquer. A justiça mundial está de mãos atadas em relação àsoffshores."
Como é sabido, o diretor da Polícia Judiciária, Luís Neves, jáadmitiu que Rendeiro terá contas das quais as autoridades portuguesas não tinham conhecimento.
Outra questão é como vai o ex-banqueiro fazer face às despesas da sua defesa e até pagar uma eventual caução. "Se um advogado sabe que as verbas que lhe são entregues provêm de atividade criminosa, está a cometer o crime de branqueamento de capitais", adianta o mesmo jurista ao DN. "Mas para que esse crime seja cometido seria preciso provar que o advogado sabia de onde vinha o dinheiro."
Já o procurador ouvido pelo DN precisa: "Se o ex-banqueiro conseguiu fazer investimentos na África do Sul tem de se apurar se se esses bens são produto de atividade criminosa, e se assim é, se essa atividade criminosa teve lugar em Portugal ou na África do Sul. As autoridades sul-africanas terão de investigar. É evidente que o MP português vai querer ter informação sobre a atividade dele lá e pode pedir apreensão de contas bancárias, mas tem de haver provas."