Recrutamento "abaixo das expectativas". Caso na Marinha pode agravar situação
Depois da recusa de 13 militares da Marinha em embarcar numa missão por considerarem que o navio não tinha condições de segurança, que impacto pode o caso ter numa altura em que as Forças Armadas têm concursos abertos? Para os deputados ouvidos pelo DN, podem ser grandes.
Sábado, 11 de março: 13 militares do NRP Mondego, um navio de patrulha costeiro, recusam-se a embarcar. Alegam falta de condições de segurança a bordo. A decisão faz com que uma missão de acompanhamento de um navio russo a norte da Ilha de Porto Santo, na Madeira, não seja cumprida. Missão essa que tinha sido aprovada pelos superiores hierárquicos.
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A Marinha confirma, depois, que, efetivamente, o barco tinha um motor inoperacional (mas reparado logo no dia seguinte). Apesar disso, a missão devia ter sido desempenhada, "por ser de curta duração e próxima da costa, com boas condições mete-o oceanográficas". O Almirante Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada, vai dias depois ao local e dirige palavras duras aos amotinados. O incidente, diz, "é algo que jamais poderá ser ignorado e esquecido".
Entretanto, na passada sexta-feira, o Presidente da República revelou que o inquérito aberto pela Marinha determinou que a missão podia ter sido realizada, não havendo razões para determinar o contrário.
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Numa altura em que há 110 vagas para recrutamento voluntário na Marinha (100 são para praças e 10 para o curso de formação de sargentos, até 28 de março), que impacto pode ter este incidente? Questionados pelo DN, os partidos da oposição convergem praticamente todos: além de deixar marca junto dos aliados (algo que Gouveia e Melo já tinha dito aos militares), os eventuais candidatos poderão também interpretar o sucedido como um sinal de falta de condições e de atratividade no ramo.
Jorge Paulo Oliveira, do PSD, considera que o incidente pode fazer com que "os parceiros possam ficar a achar que a nossa Armada é incapaz"; Pedro Pessanha, do Chega, fala na "ponta do iceberg" de problemas mais estruturais ("a falta de manutenção" e a "idade dos equipamentos"); Rodrigo Saraiva, líder parlamentar da IL, fala num "grito de alerta"; João Dias, do PCP, considera que o incidente "é passível de afetar" a imagem das Forças Armadas como um todo; Inês Sousa Real, do PAN, prefere a cautela e diz que "não nos devemos imiscuir" no processo de averiguações; o gabinete parlamentar do Livre fala também "num alerta para o estado de manutenção e conservação dos equipamentos".
Na sexta-feira passada (dia 17) Joana Mortágua, do BE, referindo-se ao caso do NRP Mondego perguntou, no Parlamento, à ministra da Defesa se a descrição feita pelos militares revoltosos do navio era verdadeira e se a governante embarcaria num navio com aquelas condições, alertando que "a coragem não se reprime".
Já o PS, pelo deputado Diogo Leão, considerou ma "insubordinação clara" a atitude dos militares do navio Mondego, defendendo que o poder político não deve tentar justificar episódios deste tipo nas Forças Armadas.
"Adesão abaixo das expectativas"
Além da Marinha, os outros dois ramos das Forças Armadas (Força Aérea e Exército) também têm vagas abertas neste momento. No caso da Força Aérea, há 390 vagas abertas (290 para praças e 100 para o curso de oficiais) até 24 de março. Conforme explicou ao DN fonte oficial do Gabinete de Relações Públicas, este número corresponde "apenas ao primeiro concurso deste ano", estando previstas 779 vagas (em 2022, foram abertos 1065 lugares para contratos na Força Aérea - ramo das Forças Armadas que, no ano anterior, tinha sido o mais procurado (com mais de 2500 candidaturas).
Mas, assume a mesma fonte, "a adesão tem estado abaixo das expectativas e da ambição estratégica". Até à passada quarta-feira (15 de março), havia 365 candidaturas (sendo 109 para a categoria de oficiais e 256 para praças). No contexto da Força Aérea, a especialidade com mais carências é para o policiamento aéreo (com 48). Quem se quiser candidatar deverá ter, no máximo, até 23 anos (no caso do concurso para oficiais) ou 24, se se concorrer para o curso de formação de praças.
No que diz respeito ao outro ramo (o Exército), as vagas são mais: 2500. Mas o concurso decorre durante todo ano, segundo explicou ao DN fonte oficial. Aqui, as carências são maiores. Só numa especialidade (pintura automóvel) há 380 lugares.
Neste caso concreto, "a adesão tem sofrido algumas oscilações ao longo dos anos". Ou seja: nos últimos cinco anos, o período foi de relativa estabilidade, "oscilando entre as 4000 e as 4500 candidaturas anuais". No entanto, esclarece a mesma fonte, os anos de 2020 e 2021 foram aqueles em que a maior média de candidaturas e incorporações se verificou: 5 mil e 2100, respetivamente. Coincidente com o período pandémico da covid-19, e, diz o Exército, "diretamente influenciado por esta variável".
Quantos efetivos?
Esta adesão em anos anteriores é, contudo, difícil de confirmar. Olhando para os últimos números disponíveis, nem é, sequer, possível perceber ao certo quantos efetivos têm as Forças Armadas. No final de 2021, os números eram díspares, dependendo da entidade a quem se perguntasse.
Para o Ministério da Defesa Nacional (MDN) eram 27.741; a Direção-Geral da Administração e do Emprego (DGAE) contabilizava 26.130; o portal Pordata apontava para 26.600; por fim, o Estado-Maior das Forças Armadas (que junta os três ramos) dizia haver 23.347 militares. Este último número era o que mais se aproximava daquele que parecia, à data, ser o real, porque, como ressalvou Ana Miguel dos Santos ao DN em fevereiro do ano passado, o "que realmente interessa é o dos militares ativos ao serviço dos ramos".
Certo é que, em 2021, voltou-se a registar uma queda no efetivo, depois de, em 2020, o número de militares ter aumentado - algo que o MDN, então liderado por João Gomes Cravinho, dizia acontecer há pelo menos três anos, num "crescimento sustentado".
Numa tentativa de atualizar estes dados, o DN contactou o Ministério da Defesa por duas vezes. Além de o confrontar e questionar acerca desta discrepância nos dados, foi também pedido o número de efetivos nos diferentes ramos das Forças Armadas durante o último ano. Das duas vezes, a tutela não respondeu.
Novas estratégias, sim, mas mais valorização
Perante este cenário e a assumida falta de adesão a pelo menos um dos concursos de recrutamento de voluntários, o Exército e a Força Aérea já repensam na forma de comunicar com o público-alvo.
Além de ambos os ramos utilizarem o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para divulgar as suas ofertas e, assim, chegar a mais possíveis candidatos, tem havido também uma aposta em plataformas digitais. A Força Aérea, por exemplo, apostou em anúncios publicitários no YouTube e no serviço de streaming Spotify. No caso do Exército, este ramo está igualmente presente na web, com perfis em várias redes sociais e, até, há uma linha de apoio para esclarecer dúvidas, que funciona no WhatsApp desde 2020.
Apesar destas novas estratégias comunicativas serem bem vistas pelos partidos, toda a oposição exige uma maior atenção às carreiras.
Para Jorge Paulo Oliveira, do PSD, é necessário haver "uma aposta na imagem das Forças Armadas. A sociedade civil ainda acha que são só militares. Não são. É preciso perceber que não servem só para defender o território, sendo também parte da soberania nacional", considera. "O Dia da Defesa Nacional, por exemplo, deve ser mantido, mas é preciso garantir melhores remunerações no setor", frisa.
Pedro Pessanha, do Chega, vai no mesmo sentido: "Não sei se o regresso do Serviço Militar Obrigatório iria ajudar. A questão é de fixação dos militares no final do contrato. Acho, pessoalmente, que é preciso pelo menos pensar numa subida de salários para os mais jovens e, com isso, aumentar a atratividade das carreiras nas Forças Armadas."
Já Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal, revela que o partido "está no processo de estudar um conjunto de medidas" que valorizem as carreiras. O deputado - membro também da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional - refere que além da necessidade de tornar a atividade "atrativa" para que "qualquer jovem a equacione como possibilidade profissional", é ainda necessário, também, dar "oportunidades mais flexíveis na carreira militar, com uma maior interface e impacto junto da sociedade civil", por exemplo.
Mais à esquerda, o PCP reivindica melhores salários para os jovens. "Um vencimento justo é fundamental para captar a atenção" dos jovens, defende o deputado João Dias. "Ouvir relatos de marinheiros que passam mês após mês embarcados, longe da família e com baixo vencimento" é desmobilizador, considera.
Inês Sousa Real, líder e deputada única do PAN, concorda. "A maior questão tem de passar pela atratividade das carreiras. As novas estratégias comunicacionais ajudam a dar mais visibilidade, sim, mas tem de se alargar o debate aos salários e condições", defende.
Já fonte do gabinete parlamentar do Livre diz ao DN que enquanto as condições forem como as atuais, "as Forças Armadas nunca serão atrativas nem conseguirão reter os seus militares".
Perguntas e Respostas
Qual é o efetivo das Forças Armadas?
A resposta a esta pergunta tem quatro hipóteses, consoante a fonte a que recorrermos. Os últimos dados disponíveis a 31 de dezembro de 2021 indicam que para o Ministério da Defesa são 27.741; para a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) são 26.130; para a Pordata/INE são 26.600 e para o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) que junta Exército, Força Aérea e Marinha, são 23.347. Desde 2016 que o ministério da Defesa não publica o Anuário Estatístico.
Como se pode ingressar nas Forças Armadas?
Desde que terminou o serviço militar obrigatório em 2004, que o recrutamento é feito através de três modelos: o normal, para a prestação de serviço efetivo em regime de contrato ou em regime de voluntariado; o especial, para a prestação de serviço efetivo voluntário nos quadros permanentes; e o excecional, para a prestação de serviço efetivo decorrente de convocação ou mobilização (este regulado por diploma próprio).
Há falta de efetivos?
Sim. Basta olhar para o número que o governo fixou para 2022 sobre o número de efetivos que são necessários, 32.077, e comparar com o existente. Não é ainda conhecido o número de militares que integravam as Forças Armadas em 2022. Em 2012 havia 38.000 militares ao serviço (incluindo os que estavam na reserva), representando uma queda para cerca de 30% em 10 anos.
Qual o Ramo que perdeu mais militares?
O Exército foi o Ramo que perdeu mais militares. Entre 2012 e 2020, o Exército foi o que perdeu mais militares (18%), seguido da Marinha (16%) e da Força Aérea (13%).Numa entrevista ao DN, em setembro de 2020, o então CEMGFA, Silva Ribeiro assinalou que na Marinha faltavam 700 praças, no Exército cerca de 4000, e na Força Aérea cerca de mil. Em 2021 dos militares no ativo, apenas 41% eram praças e 59% oficiais e sargentos: não chegam a ter um soldado para cada.
Com Valentina Marcelino