Recordes de velocidade na aviação. Segurança não sai afetada e pilotos até beneficiam
As velocidades na aviação têm vindo a aumentar constantemente, e, na última semana, vários foram os voos comerciais a baterem recordes de velocidade. Um deles, de Filadélfia (nos Estados Unidos) para Doha (no Qatar), chegou a atingir uma velocidade de quase 1300 quilómetros por hora. Habitualmente, os aviões comerciais atingem velocidades bastante mais baixas, na casa dos 926 km/h.
Estes registos devem-se à existência das chamadas “correntes de jato”, que acontecem de Oeste para Este. Segundo explica José Correia Guedes, comandante da TAP na reforma, “este jet stream pode atingir velocidades na ordem dos 200, 300, e às vezes até 400 quilómetros por hora”. O comandante explica que “esta corrente acontece sempre nesse sentido [de Oeste para Este] devido ao movimento de rotação da Terra. E é algo que os aviões aproveitam com frequência”. O fenómeno acontece devido à união de duas massas de ar: “Há uma convergência do ar tropical, no caso, do trópico de Câncer, que se encontra com ar do círculo polar ártico. Isso depois forma esta corrente de jato.”
O próprio José Correia Guedes confessa, aliás, que no seu tempo no ativo apanhou esta boleia “frequentemente” - algo que é premeditado e definido antes da descolagem, através da consulta de boletins meteorológicos. Os planos de voo “são depois feitos a aproveitar isso”, até para beneficiarem em termos de consumos. Se se voar no sentido contrário, a intenção é, claro, “evitar” essas correntes.
Estas velocidades recorde dizem respeito, apenas, ao solo. Ou seja: “A velocidade do airspeed, aquilo que - vamos chamar-lhe assim - mostra lá no velocímetro do avião, é sempre a mesma.” É como se de um barco se tratasse: levado pela corrente, move-se em relação à costa e não em relação à água.
Tal significa que, apesar do aumento de velocidade, os aviões continuam sem atingir a marca supersónica (que acontece em relação ao solo e não em relação ao ar), verificada a partir dos 1235 km/h. Na história da aviação comercial, este registo continua a pertencer ao Concorde, que foi o primeiro e único a atingir a velocidade do som, antes de ser retirado em 2003.
Turbulência sente-se, mas é “perfeitamente suportável”
Apesar das velocidades muito elevadas, a segurança dos passageiros e tripulações não fica comprometida.
José Correia Guedes explica que “não se sente absolutamente nada” na maior parte das vezes, desde que se voe no centro do jet stream. Mas quando se voa na periferia, “onde a corrente é mais intensa e se junta com o ar que está fora, há uma ligeira fricção e isso gera alguma turbulência. Percebemos isso e às vezes acontece. O avião leva ali umas pancaditas, mas nada do outro mundo, é perfeitamente suportável”.
Estas velocidades mais elevadas levam a que alguns voos cheguem quase meia hora a 45 minutos antes da hora prevista (como aconteceu, por exemplo, num dos voos entre Washington e Londres, no final da última semana). Mas isto não causa confusão ao nível da gestão aeroportuária. “Os slots nos aeroportos são um direito, no fundo. Garante-nos que podemos chegar a uma determinada hora, e que temos onde estacionar o avião, que temos uma porta, possibilidades de abastecimento, de processamento de passageiros, etc. E não tem horas rigorosas, porque isto na aviação nada é absolutamente rigoroso”, explica o comandante.
Questionada pelo DN, fonte da NAV (entidade que gere o espaço aéreo português) refere não terem havido registos de problemas nos últimos dias relacionados com este fenómeno, “que geralmente afeta latitudes mais altas, a norte de Portugal”. Por outro lado, a mesma fonte diz ainda que também não existiram perturbações causadas pelo vento forte que se tem feito sentir nos últimos dias.
Relação difícil com o vento
Historicamente, Portugal tem um aeroporto com uma ligação complicada ao vento: o aeroporto do Funchal, na Madeira. Devido à sua localização, as aeronaves têm dificuldades em aterrar lá e, não raras vezes, são obrigadas a fazer várias tentativas ou, no limite, a aterrarem noutro aeroporto (no caso, no Porto Santo). O aeroporto do Funchal, aliás, é o único no mundo que tem limites de vento obrigatórios (não podem exceder os 15 nós para vento médio e 25 para as rajadas). Isto significa que, se a velocidade for superior a estes limites, a operação fica comprometida.
Apesar dos últimos dias em Portugal terem ficado marcados pelo vento forte e pela chuva, fonte da NAV confirmou ao DN que o aeroporto do Funchal continuou a sua operação sem quaisquer constrangimentos e não houve aviões a serem desviados para outros locais.