Recaídas no consumo de droga podem aumentar com menor distribuição de metadona
São vulgarmente conhecidas como “as carrinhas da metadona” e servem para distribuir este medicamento, evitando que os utentes utilizem substâncias psicoativas, como a heroína.
São duas e andam pela cidade de Lisboa, estacionando em cinco pontos estratégicos: Lumiar, Santa Apolónia, Bela Vista, praça de Espanha e avenida de Ceuta. Ali ocorrem pessoas com problemas de dependência que, ao tomar a metadona, “não terão a necessidade de fazer esses consumos”, começa por explicar Elsa Belo, diretora técnica da Ares do Pinhal, associação responsável pela distribuição do medicamento, em Lisboa, tanto nas ruas, como em hospitais e estabelecimentos prisionais.
Só que se as carrinhas andavam pela cidade 12 horas por dia, 365 dias por ano, agora o horário será reduzido, por falta de verbas. “ Isto é um projeto renovado de quatro em quatro anos e nós fomos sempre alertando as entidades financiadoras para o facto de estes valores já estarem muito aquém do que seria a necessidade de podermos estar as 12 horas a funcionar na rua”, alerta Elsa Belo.
Os custos são elevados e, apesar de o contrato do Programa de Substituição em Baixo Limiar de Exigência - é este o nome oficial - ter sido novamente assinado entre a Ares do Pinhal, o Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências (ICAD, que financia 80% do programa) e a Câmara Municipal de Lisboa (CML, que comparticipa com 20%) o dinheiro não aumenta e as carrinhas vão ter de parar da parte da tarde.
“Ao longo destes anos, desde 2006, nunca foi atualizado o valor do programa o que nos foi sempre causando muitos constrangimentos. O aumento do ordenado mínimo, a taxa de inflação como está, a não atualização dos valores ao longo de 16 anos não permite que tenhamos a mesma qualidade do serviço”, prossegue Elsa Belo.
“Começávamos de manhã, íamos percorrendo locais, fazendo cinco paragens na cidade de Lisboa; cinco de manhã e, à tarde, voltávamos a esses cinco locais. Agora, já a partir do dia 9 de abril, só poderemos estar nesses locais entre as 08:30 e as 13:30”, avisa esta responsável.
A associação Ares do Pinhal apresentou as dificuldades financeiras com que se debate quer ao ICAD, quer à CML. “Para a semana iremos ter uma reunião na câmara. Quando ao ICAD já nos foi dito que, por agora, pelo menos durante os próximos 21 meses, nada poderá ser feito, porque este foi o concurso público editado. Estamos de mãos e pés atados”.
Com menos tempo para atender a população com problemas de adição, no caso à heroína, Elsa Belo teme que vários problemas possam surgir. “Corremos um sério risco de estas pessoas, não podendo aceder ao nosso serviço corram o risco de recaídas e alguns consumos. Mas nós não conseguimos mesmo fazer mais”, lamenta.
O aumento da criminalidade também está em cima da mesa. “Se a pessoa deixar de tomar metadona é obrigatório voltar aos consumos, sim. A pessoa não vai aguentar sem voltar aos consumos. Porque a metadona é um substituto opiáceo. A metadona dá à pessoa um conforto e permite-lhe viver sem recorrer a consumo. Sem ter a chamada “ressaca”. Mesmo que a pessoa queira recorrer a substâncias, já não consome de forma irrefletida. Já não tem de ir roubar para o seu consumo. Já é um consumo visto como recreativo. Ou seja, se a pessoa tiver um bocadinho de dinheiro poderá consumir. Se não tiver não vai roubar porque não precisa”.
A maior parte dos utentes são, segundo Elsa Belo, homens, desempregados, e com idades entre os 40 e os 46 anos. Porém, há entre 60 a 70 utentes que trabalham e, devido à redução de horário das carrinhas, estão a ser estudadas soluções para que não fiquem sem o recurso ao medicamento. “Estamos a ver com as equipas de tratamento para que as pessoas que trabalham possam aceder à metadona noutros horários”.
Porém, lastima: “Há sempre pessoas que vão naturalmente abandonar o programa e vamos ter pouca capacidade de absorver novos pedidos, porque vamos estar menos tempo na rua e ter uma equipa muito reduzida, que depois não terá tantas possibilidades de acompanhar um número muito elevado de casos”.