Exigente e cético. Quem é Ivo Rosa, o juiz da instrução a Sócrates
Ponto para José Sócrates. Ivo Rosa é o juiz que irá decidir se o ex-primeiro-ministro vai ou não a julgamento no processo da Operação Marquês. O juiz madeirense é conhecido por ser o preferido das equipas de defesa, e em particular pela equipa do ex primeiro-ministro que estaria pronta a avançar para um incidente de recusa caso o escolhido fosse Carlos Alexandre. Pelo contrário, Rosa não é o juiz mais popular entre procuradores e investigadores. Tem fama de absolver arguidos mesmo quando as acusações aparentam ser sólidas, de ser indiferente ao mediatismo dos processos e por ver mais que uma das suas decisões ser alvo de recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa. Para Ivo Rosa, as provas têm mesmo de ser à prova de qualquer dúvida, é rigoroso e exigente, detesta perder tempo e gaba-se de nunca se ter atrasado num prazo. O que não o impede de também ser conhecido pelas longas peças processuais, com todos os elementos elencados e as decisões justificadas ao ínfimo pormenor. Discreto por natureza, já foi chamado à ribalta mais que uma vez. Entre outras, quando disse ter publicamente sido despedido em Timor Leste.
Ivo Nelson de Caires Batista Rosa nasceu a 17 de setembro de 1966, em Santana, na ilha da Madeira, o quarto entre os cinco filhos de um casal de origens humildes. Ainda adolescente, os pais separaram-se, e foi a mãe, sozinha, quem criou os cinco rapazes. Rosa nunca casou e não tem filhos.
Em entrevista à RTP Madeira, onde um dos seus irmãos é jornalista, contou que teria "uns 16 ou 17 anos" quando se fascinou com a encenação de parte de um julgamento a que assistiu na Madeira. Após o liceu chegou a escolha por Direito na Universidade de Coimbra, mas sem nunca pensar em ser advogado, antes em ser ele a liderar julgamentos. Em Coimbra, raramente saía à noite, ia a praticamente todas as aulas, os seus apontamentos eram disputados pelos colegas e a fama era a de o típico aluno "certinho", como descreveu Paulo Prada, antigo colega de faculdade, ao Público.
Depois do curso, voltou à Madeira, onde esteve um ano num escritório de advogados de familiares. Em 1991, chegou a assessor jurídico da Câmara Municipal do Funchal, mas ainda nesse ano regressou a Lisboa para se formar como juiz no Centro de Estudos Judiciários. O seu primeiro ato como juiz foi um julgamento sumário, por condução sob efeito de álcool. Tinha 26 anos.
Os primeiros anos como juiz foram na ilha - entre 1993 e 1999 julgou processos-crime, cíveis, de família e de trabalho. Era rápido a decidir. Ivo Rosa não gosta de atrasos e nunca se perde em considerações que considera inúteis: "Nunca tive um processo atrasado ou uma decisão fora de prazo", revelou no mesmo programa da RTP Madeira. Assumindo-se como "muito exigente" consigo próprio, não esconde que exige a mesma dedicação a quem o rodeia.
"Cético" em relação ao Ministério Público, como já escreveu o DN, foram já várias as "guerras" conhecidas entre Rosa e os procuradores. Nos processos do espião do SIS condenado por ser agente duplo da Rússia, ou no do marroquino acusado de terrorismo, ambos despronunciados dos crimes. Foi até pedido o seu afastamento no caso EDP porque despronunciou Manuel Pinho. E se nos corredores dos tribunais se diz que a maioria das decisões do magistrado que contrariam as investigações do MP são anuladas pelo Tribunal de Relação, também há quem lembre que os recursos nem sempre são aceites. É acusado de ter "mau feitio" e de sorrir pouco, críticas que os seus defensores justificam pelo foco com que aborda o trabalho. Anda assim, não evita o convívio com os colegas. O MP critica-o, mas há quem enalteça a sua "capacidade técnica superior" e "um compromisso inalienável com o cumprimento da lei". Os procuradores queixam-se de que é benevolente com os arguidos, do lado oposto garantem que apenas segue estritamente aquilo que diz o Direito. Não há margem para manobras. E Rosa não pretende protagonismo, aliás, evita-o.
Dividiu-se entre Funchal e Lisboa até 2005 quando chega aos tribunais coletivos, onde são julgados os crimes mais graves, puníveis com penas superiores a 5 anos de prisão. As suas decisões nas Varas Criminais de Lisboa valeram-lhe uma alcunha colocada pelo procurador José Niza, o juiz do "por si só". A explicação chega pelo modo de funcionamento em processos. Não só dava valor apenas à prova direta, como se recusava a apreciar a prova indireta de forma global, preferindo avaliar cada prova e indício de forma isolada. O que "por si só", descrevia Niza, levava à absolvição dos arguidos.
Em 2012, tornou-se o primeiro juiz português a ser eleito pela Assembleia Geral das Nações Unidas para o Mecanismo Internacional para os Tribunais Penais Internacionais, criado pelo Conselho de Segurança como substituto dos tribunais para a ex Jugoslávia e para os crimes de genocídio cometidos no Ruanda em 1994. Quatro anos depois, foi reconduzido pelo secretário-geral Ban Ki-moon. Depois, ainda ponderou aceitar um cargo no Programa de Assistência Europa Latino-Americana contra o Crime Organizado Transnacional, em Madrid, mas terá desistido, alegando motivos pessoais.
Em 2015, ano da entrada no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), a fama de Ivo Rosa já o precedia e todos se prepararam para a sua visão "restritiva" das provas. Para Ivo Rosa só conta o irrefutável e é esse o ponto da discórdia. Os seus críticos alegam que sendo a maioria dos processos que chegam ao TCIC de criminalidade económico-financeira a dificuldade de encontrar provas diretas tem de ser tida em conta.
O caso do "Gangue do Multibanco" - entre 2008 e 2009 o grupo fez mais de 100 assaltos no país -, caiu nas mãos de Ivo Rosa, então juiz-presidente do coletivo das Varas Criminais de Lisboa. Jonny Portela, cabecilha, e Fábio Rodrigues "Quinito", outro dos alegados líderes, estavam entre os 12 arguidos julgados por crimes graves como associação criminosa, roubo agravado, furto qualificado, detenção de arma proibida e tráfico de droga. Rosa só condenou Jonny Portela e a uma pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão - por tráfico de droga. Para o magistrado madeirense, não existia uma prova direta da prática dos crimes.
O procurador José Góis, que representava o MP, recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, que anulou o julgamento feito por um "tribunal coletivo que, pelos vistos, só parece acreditar naquilo que vê ou que é demasiadamente evidente". Dessa vez, Ivo Rosa perdeu - em 2012 o julgamento foi repetido e oito dos 12 arguidos acabaram condenados pela maioria dos crimes que lhes tinham sido imputados.
Há quem considere o julgamento do "Gangue do Multibanco" o erro mais grave da carreira do magistrado madeirense, mas Rosa nem isso lhe terá causado dúvidas. Quem o conhece garante que quando toma uma decisão o faz com a absoluta certeza de estar a agir da forma correta e nem os eventuais dissabores o fazem vacilar. Foi assim em Timor Leste.
Num programa das Nações Unidas em 2006, assumiu um lugar de juiz no país mas em 2009 o conselho da magistratura timorense não lhe renovou o contrato. Ivo Rosa esclareceu: "Fui despedido devido a decisões que tomei no âmbito das minhas funções, (...) que não foram do agrado do poder político", disse na entrevista à RTP Madeira. Mais tarde, um juiz português que chegou depois ao país colocou-se ao lado de Rosa defendendo que o trabalho feito serviu para afirmar a "independência do poder judicial", segundo disse ao Observador.
Depois de Timor, ao abrigo de um programa da União Europeia, ainda seguiu para a Guiné Bissau, como formador de juízes, mas é no 'Ticão' que se sentirá mais em casa. Explicou o porquê na entrevista na RTP Madeira: "Segundo a Constituição, o JIC [o Juiz de Instrução Criminal] é um juiz das garantias e, portanto, eu e todos os JIC temos essa função: é apenas garantir os direitos liberdades e garantias dos cidadãos que estão sob investigação".
Artigo originalmente publicado a 28 de setembro de 2018 e republicado nesta sexta-feira (9/4/2021).