"Quero acreditar que as comunidades científicas de todos os países se encontram empenhadas em salvar a Humanidade"
As atenções estão agora todas viradas para a guerra na Ucrânia. Receia que de repente as preocupações com as alterações climáticas passem para plano secundário?
Não só tenho receio, como estou certa de que isso está já a acontecer. Facto que se torna ainda mais grave quando se soma à tragédia da invasão de Ucrânia e à ameaça de uma guerra mundial, a perspectiva das piores previsões em termos da aceleração dos impactos das alterações climáticas como o último relatório do IPCC acabou de divulgar evidenciando que está tudo pior que os piores cenários.
Ainda tendo em conta o contexto de confronto entre o Ocidente e a Rússia, ficamos mais longe também do necessário esforço de cooperação entre as grandes potências para lutar contra as alterações climáticas ou acredita que os governantes não deixarão de procurar cooperar nessa outra guerra em que estão do mesmo lado da trincheira?
Quero acreditar que sim, que os governantes, mas sobretudo as comunidades científicas de todos os países se encontram verdadeiramente empenhadas em salvar a Humanidade e o Planeta das tremendas consequências do agravamento das alterações climáticas a que assistimos diariamente. Ao mesmo tempo, esta é também a fase em que se torna clara a necessidade de acelerar todas as transições para a sustentabilidade com destaque para a transição energética - muito mais eficiência, energias renováveis e transportes públicos eficientes. Contudo, a guerra é a passagem para o lado de lá de toda a racionalidade e de todo o sentido de Humanidade, e a única urgência neste momento é cessá-la. Sem isso nada sobre o ambiente pode voltar a unir a Humanidade em torno de um objetivo comum, que é cada vez mais urgente.
Consegue ser otimista ao nível das opiniões públicas sobre a tomada de consciência da necessidade de alterar o rumo da relação da humanidade com o planeta?
Sim, aí sim, absolutamente. Os inquéritos mais recentes, aliás, atestam-no em todo o mundo. Um inquérito internacional das Nações Unidas (UNDP) aplicado em 2021 a 54 países de diversas regiões do mundo - países mais e menos desenvolvidos e em desenvolvimento - consideram urgentes as respostas à emergência climática. Idem o último Euro-barómetro aplicado a todos os países europeus onde as alterações climáticas surgem como um dos problemas mais graves. De igual modo o último Relatório dos Global Risks destaca os riscos ambientais como os mais graves logo a seguir às armas de destruição massiva. Além disso, as novas gerações são cada vez mais conscientes e empenhados nas questões ambientais e particularmente nas AC. A guerra, aliás, pertence a um quadro cada vez mais estranho às referências culturais e sensibilidade dos jovens de hoje.
Estamos agora a sair de dois anos de pandemia. Que ilações retira do que aconteceu em relação à capacidade da comunidade internacional em enfrentar um desafio comum?
Não foi feito o que era preciso, mas pelo menos falou-se e gerou-se um reconhecimento envergonhado do contrassenso que é não fazer chegar as vacinas a todo o mundo. Mas, entretanto, a interdependência global tornou-se também mais evidente e ficou mais claro que hoje há problemas dos quais só todos ou nenhum se pode salvar.
Para protegermos o ambiente necessitamos de nos adaptar a novas realidades e a mudar comportamentos. É mais fácil fazê-lo se o processo começar à escala local,
depois nacional e por fim global?
Sem dúvida, mas não exclusivamente. É preciso que às três escalas se iniciem processos de mudança. Contudo, pela própria experiência de projetos participativos, temos verificado que o potencial de eficácia à escala local é muito superior àquele que implica maior distância aos poderes ou que lidam diretamente com a complexidade das questões globais. É à escala local que há maior proximidade entre poderes e cidadãos, o que reforça a confiança; que existe maior capacidade de consciencialização, e também uma mais fácil legibilidade dos problemas e, portanto, mobilização e envolvimento participativo.
Portugal tem sido um bom exemplo de adaptação aos desafios que as alterações climáticas trazem? E lá fora, há um país exemplar?
Portugal é um país que se mexe devagar. Entre assumir os problemas, analisá-los, preparar medidas e depois implementá-las, em geral, corre sempre tempo demais (precisamos mais vezes do "efeito vice-almirante" para avançarmos). Na adaptação às AC tem sido precioso o papel da União Europeia, marcando metas, planos e prazos de execução. Acresce que o país dispõe de muito boa ciência e de uma população disposta a respeitá-la e a segui-la. Neste quadro, a área das alterações climáticas (AC) tem sido assim até fonte de boas surpresas. Embora nada esteja pronto ainda, avançou-se em poucos anos sobretudo na expansão das energias renováveis, na melhoria da qualidade das águas, nas políticas de redução das emissões e na mobilidade suave. Em muitas áreas se avançou e em nada se chegou a uma meta tranquilizadora. Mas veja-se como neste quadro, mais uma vez a escala local tem sido exemplar na sua dinâmica: projetos como o ClimAdaPt.local e a Plataforma ODSlocal têm gerado dinâmicas de mudança que quase ninguém julgaria possíveis ainda há pouco anos. Com isso vários municípios desenharam estratégias municipais de adaptação às alterações climáticas e respetivos planos de ação, tendo-se criado uma rede de municípios para a adaptação que tem crescido e reúne regularmente. Pensando em países que merecem destaque, olhando para os indicadores sobre bons desempenhos em termos de políticas públicas de combate (mitigação e adaptação) às AC e respetivos indicadores, destacaria países como a Noruega e a Suécia. A outro nível, e sem ser um país europeu, merece também destaque a Costa Rica que enveredou há uns anos por um modelo de desenvolvimento sustentável e bate hoje recordes dos índices de felicidade humana da sua população.
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