Quantas pessoas foram precisas para construir a Grande Pirâmide

Sob o título Os números não mentem - 71 coisas que precisa de saber sobre o mundo, Vaclav Smil escreveu um livro acessível mas recheado de informação que aborda desde a geopolítica até à economia, da tecnologia à saúde, do ambiente à comida. Para os leitores, o DN selecionou para pré-publicação, com o acordo da editora Crítica, o ensaio "Quantas pessoas foram precisas para construir a Grande Pirâmide", um exemplo do estilo do professor da Universidade do Manitoba, em Winnipeg, no Canadá.
Publicado a
Atualizado a

Tendo em conta o tempo decorrido desde que foi concluída a construção da Grande Pirâmide de Quéops (quase 4600 anos), a estrutura - ainda que despida da capa de pedra calcária lisa e branca que a fazia brilhar à distância - continua a erguer-se notavelmente intacta, pelo que não há discussão quanto à sua forma exata (um poliedro com um polígono regular por base), a sua altura original (146,6 metros incluindo o remate perdido), ou o seu volume (cerca de 2,6 milhões de metros cúbicos). É, no entanto, possível que nunca venhamos a saber como foi construída, uma vez que todas as explicações correntes são problemáticas. Uma única e comprida rampa exigiria uma enorme quantidade de material, e deslocar pedras ao longo de rampas mais curtas e envolventes seria complicado - como seria içar e colocar nos lugares mais de 2 milhões de pedras. Mas o facto de não sabermos como foi construída não implica que não possamos dizer com alguma segurança quantas pessoas foram necessárias para a construir.

Devemos começar pela limitação temporal de duas décadas, os anos que durou o reinado de Quéops (morreu por volta de 2530 a.C.). Heródoto, escrevendo mais de 21 séculos depois de a pirâmide ter sido acabada, conta que lhe foi dito, durante a sua visita ao Egito, que grupos de operários de 100 mil homens cada trabalhara em turnos de três meses para completar a estrutura. Em 1947, Kurt Mendelssohn, um físico britânico nascido na Alemanha, situava a mão de obra nos 70 mil trabalhadores sazonais e cerca de 10 mil pedreiros permanentes. Mas isto são estimativas largamente exageradas, e podemos chegar mais perto do número real recorrendo aos inescapáveis postulados da Física.

A energia potencial da Grande Pirâmide (a que é necessária para levantar a massa acima do nível do chão) é de cerca de 2,4 biliões de joules. Chegar a este cálculo é bastante fácil: é apenas o produto da aceleração devida à gravidade, a massa da pirâmide, pelo seu centro de gravidade (um quarto da altura). Ainda que a massa não possa ser definida com precisão, porque depende das densidades específicas da pedra calcária de Tura e da argamassa usada na construção, estou a assumir uma média de 2,6 toneladas por cada metro cúbico e, por conseguinte, uma massa total de cerca de 6,75 milhões de toneladas.

O ser humano é capaz de converter 20% da energia fornecida pelos alimentos em trabalho útil, e para um trabalhador esforçado isto corresponde a cerca de 440 quilojoules por dia. Levantar as pedras exigiria, assim, cerca de 5,5 milhões de dias de trabalho (2,4 biliões divididos por 440 mil), ou cerca de 275 mil dias por ano ao longo de um período de 20 anos, e cerca de 900 pessoas poderiam fornecer esse esforço trabalhando 10 horas por dia durante 300 dias por ano. Poderia ser necessário um número semelhante de trabalhadores para colocar as pedras na estrutura crescente e em seguida alisar as do revestimento (em contrapartida, muitos dos blocos interiores eram usados em bruto). E para cortar 2,6 milhões de metros cúbicos de pedra em 20 anos, o projeto exigiria cerca de 1500 pedreiros a trabalhar durante 20 anos e a produzir 0,25 metros cúbicos de pedra per capita usando cinzéis de cobre e malhos de dolerito. O total da mão de obra necessária para a construção seria, então, de 3300 trabalhadores. Mesmo que duplicássemos este número para incluir os desenhadores, organizadores e capatazes, bem como o pessoal encarregado do transporte, reparação de ferramentas, construção e manutenção de alojamentos no estaleiro, cozinhar e lavar roupa, teríamos mesmo assim menos de 7 mil trabalhadores.

Na época em que as pirâmides foram construídas, a população do Egito era de 1,5 a 1,6 milhões de pessoas, de modo que a ocupação de uma força de trabalho inferior a 10 mil pessoas não representaria uma carga extraordinária para a economia do país. O desafio seria organizar a mão de obra; planear um fornecimento ininterrupto de pedra, incluindo o granito para as estruturas internas (sobretudo a câmara central e a maciça galeria misulada), que tinha de ser transportado por barco desde o sul do Egito, a cerca de 800 quilómetros de Gizé, e proporcionar alojamento, roupa e comida para os grupos de trabalho no local.

Nos anos noventa, os arqueólogos descobriram um cemitério para os trabalhadores e também os alicerces de um povoado destinado a alojar os construtores das duas últimas pirâmides de Gizé. As duas estruturas mostram que não havia mais de 20 mil pessoas a viver no estaleiro. A rápida sequência da construção de duas pirâmides adicionais (a de Quefrén, filho de Quéops, que começou em 2520 a.C., e a de Miquerinos, que teve início em 2490 a.C.) é o melhor testemunho de que a construção de pirâmides era uma técnica tão perfeitamente dominada que erguer estas estruturas maciças se tornou apenas mais um conjunto de projetos de construção para os arquitetos, organizadores e trabalhadores do Império Antigo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt