Greves, vigílias e manifestações. Tem sido assim, desde dezembro, a luta dos professores por "uma escola pública de qualidade". Um caos no setor da Educação que poderá ter um fim esta semana, naquela que será a terceira ronda de negociações entre os sindicatos e o Ministério da Educação (ME). Hoje (18 de janeiro), sindicatos e ministro da Educação, João Costa, vão reunir-se e voltarão ao diálogo na sexta-feira, na que será a terceira tentativa de acordo..Encontros onde o Presidente da República considera existir espaço para o "diálogo entre professores e governo", mas sempre foi lembrando que o problema de fundo, as carreiras dos docentes, passa pelo Ministério das Finanças..Falando, ontem, à margem do 30.º aniversário do Infarmed, Marcelo Rebelo de Sousa dividiu as revindicações dos professores em três pontos, sendo que um deles, disse, já foi esclarecido pelo primeiro-ministro. Tem a ver com o facto de que "não há, não haverá a ideia da transferência para os municípios das competências do Estado quanto às colocações dos professores"..Sublinhou que há várias outras reivindicações dos professores relacionadas com "a proximidade da residência do domicílio em relação à escola onde vão lecionar", a burocracia e aspetos do estatuto dos professores. E aí considera que pode haver diálogo..Há, no entanto, uma reivindicação que é "mais complicada", assumiu: "Tem a ver com o congelamento relativamente à carreira dos professores". "São mais de seis anos e tem implicações financeiras, não é apenas no sistema educativo, no Ministério da Educação". "Não penso que seja um problema do ministro A, B, C, D ou E. A posição é do governo. Não há um primeiro-ministro e um ministro. E, portanto, muitas das soluções implicam decisões de vários ministérios, nomeadamente o das Finanças", considerou..Foi em setembro de 2022 a primeira vez que os sindicatos e o ME se sentaram à mesa. Na altura, o diálogo centrou-se, sobretudo, num novo modelo de recrutamento e colocação de docentes, no qual o ME previa dar autonomia aos diretores para que pudessem selecionar parte dos professores, tendo em conta o perfil dos docentes e os projetos educativos da escola..O mesmo se passou na segunda ronda de negociações, em novembro, onde a municipalização esteve de novo em destaque. Um tema que foi, segundo os sindicatos, a gota de água para os protestos que o país tem estado a assistir e que levou a uma troca de acusações entre sindicatos e ME. Acusações que culminaram com a Fenprof a pedir o acesso às gravações das reuniões realizadas desde setembro. Por um lado, o ministro da Educação, João Costa afirma nunca ter dito que o novo modelo de concurso de professores passaria, em parte, para a alçada das autarquias, por outro os sindicatos garantem que o governante o afirmou..Entretanto, foi publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/2022, a 14 de dezembro de 2022, determinando "a transferência, a partilha e a articulação das atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado nas comissões de coordenação e desenvolvimento regional"..No documento, pode ler-se que "importa proceder à reestruturação dos serviços abrangidos, alterando as respetivas orgânicas, onde serão definidos, entre outros aspetos, os termos em que se processa a transferência e a partilha das atribuições, e os recursos humanos, patrimoniais e financeiros a transferir". A dúvida é saber qual o alcance dessa medida. É no ponto referente à partilha de "recursos humanos" da Educação, que se encontra o rastilho dos protestos e que culminou na greve por tempo indeterminado, convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P) em dezembro e retomada este mês..Nesta terceira ronda de negociações, os sindicatos querem discutir pontos que não foram alvo de debate nas reuniões anteriores com o ministro da Educação. Em cima da mesa vão estar exigências como a revisão do regime de recrutamento e Mobilidade por Doença (MPD), contagem de todo o tempo de serviço congelado, o aumento de vencimento ou o fim das quotas para os 5º e 7º escalão da carreira docente..O tempo de serviço dos professores esteve congelado entre 2011 e 2017. Após um longo braço de ferro, o governo aceitou, em 2019, o descongelamento para efeitos de progressão de dois anos, nove meses e 18 dias, um valor muito aquém dos cerca de seis anos ainda não recuperados e que os professores continuam a exigir..Os professores progridem e sobem de escalão, vendo o vencimento aumentado a cada quatro anos de serviço. Contudo, para poder passar para os 5º e 7º escalão, dependem de vagas de acesso. Ou seja, mesmo tendo cumprido o tempo de serviço exigido, podem permanecer num escalão abaixo até à abertura de vagas. Os sindicatos afetos ao setor da educação pedem também aumento salariais que compensem a inflação. Segundo as plataformas sindicais, os docentes perderam mais de 20% do poder de compra desde 2009..A avaliação de Muito Bom ou Excelente é condição obrigatória para aceder ao 5º e 7º escalão, mas está limitada a um número máximo por escola. Há, por isso, quotas para o Excelente e o Muito bom. Só 5 % pode ter Excelente e 20% podem chegar ao Muito bom. Isto é, em 20 professores, só 1 pode ter Excelente e 4 podem obter Muito Bom. Pode demorar dois anos para subir do 4º para o 5º e, no mínimo 3 anos, para aceder ao 7º escalão..Os sindicatos defendem uma gestão e recrutamento pela graduação do profissional, sem perfil ou mapas e sem gestão por parte dos municípios. O atual modelo de contratação seleciona os docentes a colocar apenas pelo critério da graduação profissional, que se obtém através da média de final de curso, sendo acrescido um valor à mesma a cada 365 dias de serviço. As plataformas sindicais querem ainda ver cair o modelo de Mobilidade por Doença, que este ano obedeceu a novas regras e levou a que professores com doenças graves não tivessem ficado colocados na sua zona de residência..Os docentes pedem menos trabalho burocrático e dizem que estão obrigados à realização de tarefas que poderiam ser feitas por outros profissionais. Há preenchimento de um elevado número de relatórios, grelhas de Excel e repetição de tarefas em plataformas digitais. Alegam que este excesso de burocracia lhes retira horas de trabalho que deveriam ser canalizadas para trabalhar com os alunos e para preparar aulas. Cabe aos professores, por exemplo, tarefas como o preenchimento de documentos para que os alunos tenham acesso ao Cheque Dentista. Num estudo da Federação Nacional de Educação, 80% dos professores queixou-se de trabalho burocrático "inútil"..Numa nota enviada à comunicação social, o ME esclareceu que, nas reuniões desta semana, estará em discussão "o novo modelo de recrutamento de professores" e que será "analisada uma proposta de calendário negocial sobre outras matérias", sem especificar que outros pontos serão debatidos, nem em que momento serão discutidas..Desde que o braço de ferro teve início, João Costa fez saber que o recrutamento dos professores não passará por um processo de municipalização, garantiu a diminuição dos Quadros de Zona Pedagógica (passagem dos atuais 10 quadros para 23) e prometeu "a estabilidade dos professores", bem como a "desprecarização dos professores contratados"..À semelhança dos sindicatos, Filinto Lima quer ver discutidos todos os temas que os professores têm apontado como essenciais para resolver o braço de ferro e que passam pela valorização da carreira docente, pois é, diz, "a única forma de resolver a escassez de professores, que tem levado milhares de alunos a não ter aulas a uma ou mais disciplinas". "Os grandes problemas são os 6 anos que foram sonegados à classe docente, é a avaliação injusta e aberrante, são os baixos vencimentos tendo em conta a responsabilidade dos professores, é a imensa carga burocrática a que estão sujeitos. São estes temas que devem ser resolvidos", garante o presidente da ANDAEP..Filinto Lima não quer "temas tabu" nas reuniões desta semana e afirma que "ninguém pode estar irredutível, senão o braço de ferro não vai ter fim". "Não vejo qualquer luz ao fundo do túnel, mas tenho esperança que poderá nascer uma aproximação, senão isto rebenta. Tem de ter um fim. Estes protestos estão a prejudicar toda a gente, professores, pais e alunos. Há muitos anos que temos falado destes problemas a quem de direito e nunca ninguém ligou nada. Este é o momento para os discutir e resolver", sublinha. Contudo, lança um alerta: "Se as conversações se centrarem apenas no novo modelo de concurso, o braço de ferro não vai acabar". ".Filinto Lima pede ainda a presença do Ministério das Finanças nas reuniões com os sindicatos, pois "é este ministério que pode investir na escola pública". "O Ministério das Finanças tinha de estar presente. Não é usual, mas pedia que estivesse presente para se comprometer com medidas que passam pelo investimento da escola pública e que fossem abertamente discutidos os assuntos que realmente preocupam os professores. E não é apenas o novo modelo, que já foi desmentido pelo ministro da Educação", conclui..Paulo Guinote, professor de História do 2º ciclo, subscreve a posição de Filinto Lima no que se refere ao tema ou temas que o ministro da Educação deve colocar em cima da mesa para resolver a crise no setor da Educação. "Um bom acordo passa por negociar a revisão do sistema de avaliação de desempenho, retirando o estrangulamento da progressão da carreira; a recuperação faseada do tempo de serviço; melhorar as condições dos professores contratados e abrir o modelo de gestão escolar, permitindo que em vez de haver apenas um diretor houvesse uma equipa diretiva", explica..O docente acredita que "se apenas for tratada a questão do novo modelo de concurso e, se não for agendado explicitamente a discussão sobre os outros problemas, as coisas não vão mudar muito". Para Paulo Guinote, a gestão da crise por parte de João Costa foi "péssima" e "os professores perderam confiança nas suas palavras". "Sempre que aparece na televisão, mais pessoas ficam insatisfeitas. Cada vez que fala e que algumas das suas posições são conhecidas, os docentes ainda ficam mais irritados e querem ainda mais protestar", justifica. Paulo Guinote acredita que João Costa só terá condições para se manter no ME, "se quiser fazer parte da solução e se alterar as políticas"..dnot@dn.pt