Primeira missão privada 100% europeia vai “marcar uma nova era de exploração espacial”
"Ansioso, fascinado e grato por fazer parte do começo de uma nova era de exploração espacial”. Assim se confessou ao DN Emiliano Ventura, o fisiologista português envolvido na primeira missão privada 100% europeia à Estação Espacial Internacional, a Axiom Mission 3, que vai hoje para o espaço a bordo de um Crew Dragon impulsionado por um SpaceX Falcon 9.
Emiliano está desde o dia 3 de dezembro em quarentena com o comandante da missão, o astronauta hispano-americano Michael López-Alegría, o coronel do Exército italiano Walter Villadei, o especialista turco Alper Gezeravci e o astronauta sueco Marcus Wandt no Centro Espacial John F. Kennedy, o centro de lançamento de foguetões da NASA.
“Tive a possibilidade de os ajudar na preparação física, mental e emocional, assim como na sua adaptação fisiológica, fazendo parte de uma equipa médica da Axiom Space, NASA e ESA, profissionais de enorme impacto em conhecimento e desenvolvimento, que continua a ser fundamental para o futuro da performance e longevidade humana”, contou ao DN a partir do Cabo Canave- ral, na Ilha Merritt (EUA).
Estar envolvido em missões que procuram novas formas de habitar o espaço e explorar a gravidade é algo que o “fascina imenso”, até pelo que pode ajudar a evoluir no treino de atletas de alto-rendimento”. Emiliano acredita que “a a exploração espacial comercial exigirá novas abordagens, entre as quais o Homem poder viver e executar tarefas em ambientes de microgravidade”. Daí que considere “gratificante e inspirador”, poder contribuir para momentos que influenciarão gerações futuras: “É uma honra e um grande privilégio poder assistir de perto à concretização de um sonho maior do que o próprio ser humano.”
A ligação do português à Axiom Space começou em plena pandemia de covid-19. Na condição de diretor do Centro de Bioperformance do Motor & Sport Institute (MSI), um centro de alto-rendimento equipado com tecnologia de ponta única no mundo, sediado em Madrid, foi convidado a dar uma palestra sobre o efeito do jet-lag na performance de pilotos de F1, um evento onde também estava o médico responsável pela saúde dos astronautas da NASA na altura, Smith Johnston, que o convidou a ir até ao Centro Kennedy falar com os astronautas sobre isso. Alguns meses depois estava a ser convidado para ser o fisiologista das missões da Axiom e para ajudar na construção de um centro de treino na nova estação espacial.
Em maio de 2023, o português estreou-se em missões espaciais, com o lançamento da Axiom 2. E começou mal (ou bem, dependendo do ponto de vista). “Um dos astronautas tinha fraturado um pé e não era capaz de entrar dentro do fato. A NASA não quis assumir a responsabilidade de o autorizar a voar para o espaço e delegou ao centro a responsabilidade da recuperação desse astronauta. Correu muito bem, foi operado e recuperou em 20 dias. A partir daí, o Bioperformance MSI passou a ser o centro europeu para trabalhar com os astronautas da Axiom Space.”
Habituado a treinar atletas de topo, o fisiologista vê “similaridades” entre o treino cognitivo dos atletas e o treino para obter um bom desempenho físico em slow motion dos astronautas: “No Espaço perde-se massa muscular e massa óssea de forma muito significativa. A ausência da gravidade afeta imenso o corpo e a capacidade cognitiva.”
E quanto maior for o tempo de duração da missão, mais esta afetação pode acontecer, uma vez que a ausência de gravidade atinge também o sistema cardiovascular e o sistema nervoso. “Os astronautas têm de estar sempre operacionais apesar de não terem dia e noite e posição para dormir. Eles perdem a perceção do que é cima e baixo, o coração perde a perceção do que é acelerar o batimento cardíaco, há uma série de nuances fisiológicas que uma boa capacidade física ajuda a combater ou a dissipar os efeitos dessa falta de gravidade, impedir também atrofias.”
É esse o trabalho prévio de Emiliano, antigo Campeão Nacional dos 400 metros barreiras, formado em Ciências de Desporto e Educação Física e mestre em Recuperação Funcional, área que utiliza instrumentos da medicina para otimizar o corpo humano. Antes de se fixar no MSI em Madrid e de criar de raiz centros de alto-rendimento em Marrocos e no Japão, o fisiologista trabalhou na Hintsa Performance e treinou o medalhado Olímpico Francis Obikwelu, assim como Carlos Sainz Jr., piloto de Fórmula 1.
Explorar: do turismo à saúde
A Axiom 3 é a terceira missão privada da Axiom Space em colaboração com a SpaceX de Elon Musk. A primeira foi lançada em abril de 2022 e a segunda em maio do ano passado. Agora segue-se a Axiom 3, liderada pelo astronauta Michael López-Alegría, que soma quatro missões NASA e é desde 2017 diretor de Negócios da Axiom Space. Ele acredita que serão pioneiros na exploração comercial do Espaço. Apesar de Axiom e ESA terem sido pouco específicas sobre os objetivos da missão, “a habitação e exploração espacial a longo prazo” é um deles, assim como “a investigação em microgravidade”.
Individualmente cada um tem objetivos definidos. Os italianos, por exemplo, querem investigar como se mitigam os efeitos fisiológicos dos voos espaciais em humanos e como a microgravidade pode compreender as mudanças biológicas e relacioná-las com a cura para algumas doenças. Nesse sentido, a Força Aérea Italiana e a Agência Espacial Italiana envolveram universidades daquele país, centros de pesquisa e empresas que desejam aproveitar a microgravidade para testes e desenvolvimento biológico e tecnológico.
Já os turcos estão concentrados no desenvolvimento de hardware que possa servir os objetivos da Turquia como uma nação espacial e aproveitar isso para o desenvolvimento de satélites. Experiências lideradas pelo Conselho de Investigação Científica e Técnica da Turquia, que espera adotar técnicas científicas avançadas como a edição genética e metabolómica para compreender o impacto dos voos espaciais nas plantas e nos humanos.
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