"Preocupa-nos que a Europa, em nome da paz, aceite o jogo de Putin"

O principal objetivo do presidente da Associação de Ucranianos em Portugal, Pavlo Sodokha, é trazer os pais, as crianças, e todos os que não se podem defender da guerra. Mas quem pode vai lutar, não se querem render. Teme que a Ucrânia seja a moeda de troca com interesses russos.
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Como é que os imigrantes ucranianos podem ajudar quem vive num país que acordou em guerra?
Todos os ucranianos têm familiares diretos na Ucrânia. Estão a contactar esses familiares para perceber como podem salvar a vida das pessoas. Falei hoje com a minha irmã, que vive em Lviv, que fica perto da Polónia, e ela disse-me que já têm muitos refugiados das cidades do leste da Ucrânia ( Kiev e Kharkiv) e há dificuldade em atravessar a fronteira, está tudo parado. Uma das informações que têm e, isso preocupa-nos muito, é que a Rússia tem uma operação montada na cidade de Lviv para intervir. Sabem que todos os corpos diplomáticos foram evacuados para esta cidade e que pode haver um ataque terrorista.


É uma informação oficial?
Não, mas estas informações geram uma onda de pânico e acreditamos que isso é possível. Putin já mostrou que é um mestre em atacar pessoas, em ter este tipo de ações..


Lviv que é a cidade originária da maioria dos ucranianos que vivem em Portugal.
Sim, a maioria das nossas famílias estão lá, e tem sido divulgado que há grupos apoiados pela Rússia que podem iniciar um ataque em Lviv com o apoio de paraquedistas russos. Parece um cenário impossível mas eu acredito. Tudo é possível.

Destaquedestaque27 195 ucranianos com autorização de residência em Portugal


Quantos pessoas poderão querer vir para Portugal?
Não temos essa estimativa, mas imaginemos que vivem 40 mil ucranianos em Portugal, todos têm lá família e cada um quer salvar a vida dos seus pais, das crianças, daquelas pessoas que não se podem defender com armas, que são vítimas fáceis para as tropas russas.


Tinham esperança que o conflito com a Rússia fosse resolvido pela via diplomática?
Até ao último minuto, uma pessoa não acredita que possa ser atacada por outro ser humano, não faz nenhum sentido. Qual é a culpa dos ucranianos? Acreditam no que Putin disse, que a Ucrânia queria fazer genocídio no Leste do país? Isso é um absurdo, ninguém acredita, nem o próprio Putin.

Todos estes meses foi para ganhar tempo?
Desde 2014, aquando da anexação da Crimeia, muitos especialistas, políticos, avisaram e previram o que ia acontecer. Nessa altura, dissemos que o objetivo era invadir toda a Ucrânia. Pedimos apoio internacional para travar os planos da Rússia. Putin é mestre em negociar, na compra de empresas, venda do gás, em influenciar os partidos, muitos de extrema direita e até comunistas, que são defensores da política de Putin. Durante todo este tempo, mexeu as peças do seu xadrez e todos acreditavam que a situação iria acalmar. Não acalmou, Putin venceu.


Esperavam um ataque com esta dimensão e em várias cidades, incluindo Kiev, a capital do país?
Havia a esperança de que não acontecesse uma guerra , mas também não nos surpreende o que está a acontecer. A Ucrânia cercada, as fronteiras deslocadas com o sistema de lançamento de mísseis, tudo o que foram fazendo não foi só para ameaçar o governo ucraniano e ganhar alguns pontos na posição internacional. Foi mesmo para invadir a Ucrânia.


Dos 300 portugueses que vivem na Ucrânia, 260 têm dupla nacionalidade, são cidadãos ucranianos que regressaram à Ucrânia ou mantém uma vida em Portugal?
São pessoas que vão e vêm. Com a facilidade de ligações aéreas entre a Ucrânia e Portugal, há sempre ucranianos a visitar o país, todos temos familiares diretos na Ucrânia. Todos os anos, eu ia duas/três vezes visitar a família.

O anúncio do primeiro-ministro português em garantir o acolhimento de refugiados tranquilizou-vos?
O primeiro-ministro António Costa disse que Portugal está preparado para acolher os refugiados da Ucrânia, e isso é muito bom sinal, o problema é atravessar a fronteira com a Polónia, com a Roménia, e depois chegar a Portugal. Mas nós não nos queremos render, não nos vamos render. Preocupa-nos muito que a Europa, em nome da paz, aceite o jogo de Putin e entregue a Ucrânia para manter a paz no resto da Europa. Parece que os ucranianos são uma moeda de troca com Putin. Temos de juntar esforços, dos políticos e de todos os cidadãos para acabar com esta situação.


Preferem lutar?
Entrou o bandido no nosso país, nas nossas casas, que nos vai matar, temos de salvar a nossa vida. Vamos sair da Ucrânia, toda a população porque um idiota resolveu assassinar pessoas? Estamos a assistir a uma catástrofe humanitária, o trânsito está parado junto às fronteiras, ainda não sei como poderemos resolver a situação. Estamos em contacto com as associações da comunidade ucraniana na Polónia, Roménia e na República Checa, para resolver a situação, em coordenação com os governos destes países e da Ucrânia.

Destaquedestaque11 270 ucranianos, desde 2015. obtiveram a nacionalidade portuguesa


O que que precisam de Portugal?
Em primeiro lugar, precisamos que aceite os refugiados e esse compromisso já foi assumido por António Costa, mas há outros passos importantes. Portugal, como membro da NATO, pode ajudar no fornecimentos de armas à Ucrânia para esta se defender. Precisamos de apoio financeiro, a economia ucraniana não está bem, não é tão forte que possa aguentar este embate. E, sobretudo, precisamos que todos os países bloqueiem a Rússia, que fechem todos os negócios, que isolem a Rússia, para que os próprios russos consigam sentir o que está a fazer o líder do país deles e, assim, talvez possam fazer alguma coisa para mudar a situação.


Qual tem sido a reação dos partidos portugueses?
Temos recebido muitas mensagens de todos os partidos, incluindo de deputados comunistas, que disponibilizam todo o apoio que possam dar. Temos um apoio muito forte de Portugal, o que esperávamos. Desde a nossa chegada a Portugal [finais do século passado, início deste] que os portugueses mostraram ser um povo muito solidário, sentimos isso desde o início. Não temos dúvidas que Portugal iria reagir desta maneira.

ceuneves@dn.pt

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