Os pedidos para obter nacionalidade portuguesa estão a avolumar-se nos balcões do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) à boleia do aumento continuado da imigração ao longo da última década. Até Janeiro estavam pendentes para apreciação cerca de 230 mil (229.885) requerimentos de nacionalidade, avançou ao DN aquele organismo sob tutela do Ministério da Justiça.De entre todos os que possuem a cidadania portuguesa, a percentagem dos que nasceram fora do país já rondará os 16%, sobretudo de países exteriores à União Europeia, disse ao DN o diretor do Observatório das Migrações. “A percentagem não estará muito distante de outros países europeus, mas a particularidade de Portugal é o crescimento muito grande e rápido num curto espaço de tempo”, explicou Pedro Góis.“A maioria dos pedidos de nacionalidade são oriundos de cidadãos brasileiros”, seja por via dos direitos previstos por ancestralidade, casamento ou ao fim de cinco anos de permanência em território nacional, indicou o IRN. Embora aquele instituto não tenha facultado as restantes nacionalidades que mais pesam neste tipo de processos, é expectável que correspondam às maiores comunidades de estrangeiros em Portugal, que são, depois dos brasileiros, os angolanos, caboverdianos, britânicos e indianos.Só entre 2015 e 2023, o Estado português tinha concedido um total superior a 250 mil atestados de nacionalidade, mais concretamente 250.744. O IRN nota, no entanto que “este número não reflete a totalidade de pessoas que possuem o passaporte português”. Estas serão muitas mais, tendo em conta a existência de várias comunidades radicadas em Portugal há muito mais tempo do que a vaga migratória mais recente com origem nos países indostânicos e que se intensificou nos últimos cinco a dez anos. Mas também os filhos de emigrantes portugueses nascidos no estrangeiro que têm direito à nacionalidade e integram igualmente estas estatíticas, lembra Pedro Góis.Os dados indicam uma média de 30 mil concessões de nacionalidade por ano, sem que se possa antecipar para breve um abrandamento desta tendência. Pelo contrário, “a elevada demora no tratamento dos pedidos que, dependendo dos casos, pode levar mais de dois anos, estará até a retardar a entrada dos processos por parte de alguns estrangeiros residentes”, considera aquele especialista.Nos últimos oito anos este quarto de milhão de pessoas que obtiveram a nacionalidade, deixaram de constar nas estatísticas de imigrantes, bem como todos os outros que a obtiveram ao longo do tempo nas grandes vagas migratórias que Portugal recebeu, as maiores oriundas das ex-colónias africanas, depois o Brasil, e também a pimeira leva vinda dos países do leste europeu, com predominância da Ucrânia, e depois novamente os fluxos facilitados pela via verde com os países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).De acordo com a legislação em vigor, assim que um estrangeiro adquire a nacionalidade não mais é incluído nas cifras da imigração e nos relatórios da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que contabiliza os estrangeiros com título de residência e que, em 2023, dava conta de um total superior a 1 milhão de pessoas nessa circunstância. Passam a ser nacionais e assim considerados para todas as estatísticas oficiais, da Saúde, da Segurança Social ou da criminalidade, só para falar das três áreas que têm estado envolvidas em maior polémica. Ainda na semana passada o Parlamento aprovou uma lei que passa a permitir a inclusão da nacionalidade dos autores de crimes no Relatório Anual de Segurança Interna, gerando uma clara divisão entre a direita e a esquerda.Os dados da AIMA são, de resto, os que têm servido de base ao intenso debate sobre o tema e que, fruto do contínuo dinamismo do fenómeno migratório, estão já desatualizados e subestimados. Há uma semana o ministro da Presidência, António Leitão Amaro admitia que, com o tratamento de parte dos 440 mil processos que se encontravam pendentes, as novas estatísticas iriam refletir um aumento muito significativo do número de imigrantes em Portugal. Mais de 150 mil processos pendentes já terão sido tratados nos últimos meses.Residentes ou nacionais?Quantos são afinal os naturais de países estrangeiros residentes em Portugal, com ou sem nacionalidade portuguesa? De acordo com as projeções do diretor do Observatório das Migrações, “a percentagem de nacionais naturais de outros países deverá rondar atualmente os 16%, tendo em conta a grande evolução dos últimos anos”. Os últimos dados consolidados do Eurostat indicavam para 2020 uma percentagem em torno dos 12,7% deste grupo da população face ao total. Daquele universo, a esmagadora maioria, 8,7%, dizia respeito a cidadãos oriundos de países terceiros e 4% a nascidos no espaço europeu. Sabe-se que esta realidade se alterou para cima, mas os dados oficiais não são ainda conhecidos, esperando-se para breve a sua divulgação.O Estado só consegue obter informação distintiva entre os nacionais através dos dados sobre a naturalidade. “É aliás a terminologia que é adotada a nível europeu, não se fala em nacionalidade para rastrear a imigração”, resume Pedro Góis. Até porque uma parte destes ‘nacionais’ aparece depois nas estatísticas como portugueses em países como a Holanda ou na Bélgica. “Muitos dos imigrantes só ficam em território português até obterem a nacionalidade e depois seguem para países europeus com melhores salários”. Por outro lado, é certo também que uma boa parte dos imigrantes que estão a chegar a Portugal do Indostão não vêm diretamente desses países, mas de estados europeus que têm estado a endurecer as condições para os migrantes, como é o caso da Itália ou a Alemanha, apurou o DN.Perceções ou realidade?Até que ponto esta distinção formal entre ‘estrangeiros com títulos de residência’ e ‘nacionais não nascidos’ em Portugal – que escapa ao conhecimento de uma grande parte da população que os entende a todos como estrangeiros - pode estar a contribuir para a percepção sobrestimada sobre o real número de imigrantes? Um estudo recente sobre as perceções dos portugueses face à imigração, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, indicava que 42% dos portugueses sobrestima o peso dos imigrantes, estimando-o como superior a 20% da população, quando, com base nos dados de 2023, eles não chegavam aos 11%, embora em crescendo acelerado.Rui Costa Lopes, coordenador daquele estudo ‘Barómetro da Imigração: A perspetiva dos portugueses’, admite em declaraçoes ao DN que é possível que os portugueses estejam a misturar os dois conceitos. “A pergunta do inquérito usava literalmente o termo “imigrantes” exatamente porque era nosso objetivo que a perceção fosse em relação a isso. Mas admito que a perceção das pessoas englobe também os que já têm cidadania portuguesa”, disse o psicólogo social. Embora, em teoria, admita que a percepção até possa estar correta – sem conhecer o número real de estrangeiros -, Rui Costa Lopes lembra, contudo, que o estudo demonstrou uma série de perceções factualmente erradas, como as relativas às contribuições para a Segurança Social, que são favoráveis ao sistema, ao contrário do que é percebido. “Eu diria que esta sobrestimação do número de imigrantes se deve menos a um entendimento diferenciado sobre que população nos estávamos a referir e mais a outras razões, que são uma mistura de circunstâncias que inclui realidade, mediatização e instrumentalização política”, conclui Rui Costa Lopes. À margem das perceções, os factos: o número de imigrantes subiu 60% entre 2020 e 2023 e 33,6% entre 2022 e 2023.