Portugal vive "onda sobre onda". Pico é imprevisível
A nova variante Ómicron gerou uma onda epidémica que se está a sobrepor à última onda gerada pela variante Delta, ainda em dezembro. De acordo com as projeções dos especialistas, o pico desta última onda era esperado na semana anterior ou nesta que agora finda, mas a verdade é que a última onda provocada pela Delta não vai atingir um pico. Isto porque "os casos continuam a aumentar, mas já devido à onda gerada pela Ómicron", explica ao DN o professor Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que integra a equipa que faz a modelação da evolução da covid-19 desde o início da pandemia.
Na quarta-feira, o professor tinha afirmado ao DN haver já a suspeita de que o pico da onda da Delta poderia ter sido adiado, mas ontem tal já era um facto confirmado: "O pico foi adiado". E prova disso é o crescimento registado no R (t), que indica o ritmo de crescimento dos casos. "Se está acima de 1 isso quer dizer que os casos vão continuar a subir", explicou o professor.
No entanto, especificou, tal aumento no crescimento ainda não é visível no boletim diário de ontem da Direção-Geral da Saúde (DGS), em que o R(t) vinha a descer nas últimas semanas, tendo atingido 1.10, a nível nacional e no continente. "O crescimento no R (t) vai tornar-se visível já na próxima atualização. Há um atraso de cinco dias na atualização deste indicador".
De acordo com a análise da Faculdade de Ciências, Portugal "está a iniciar uma nova subida e a um ritmo superior. Deixámos de estar estabilizados - a estabilização traduzia a aproximação do pico da onda epidémica ainda gerada pela Delta -, para iniciarmos uma onda em cima de outra. É como se fosse uma réplica. Neste caso, induzida pelo aumento abrupto de contágios dentro da população estudantil, sobretudo nas faixas etárias entre os 0 e os 5 anos e dos 6 aos 11 anos, devido à abertura das escolas, creches e infantários, há duas semanas".
E como explicou Carlos Antunes, a propagação da doença nestas faixas etárias já teve a sua primeira onda de choque na faixa etária dos pais, principalmente nos que estão entre os 30 e os 39 anos, e depois nos que estão entre os 40 e os 49 anos. "Os pais entre os 30 e os 39 registaram um crescimento maior no número de casos, pois são os pais das crianças entre os 0 e os 5 anos e dos 6 aos 11 anos. Na faixa dos pais entre os 40 e os 49, o crescimento foi menor porque são pais das crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos", alertando: "A transmissibilidade verificada nestas faixas etárias vai agora começar a propagar-se para a comunidade e a todas as outras faixas."
Segundo referiu ao DN, de acordo com a análise da sua equipa, "ainda não é visível a transmissibilidade à comunidade. Só deve ser no início da semana que entra, em que se começará também a sentir o impacto da abertura de discotecas e bares e do regresso ao trabalho presencial. Estamos numa nova fase com vários impactos a sobreporem-se". De tal maneira, que "o impacto que poderá ter o dia de eleições e de mais pessoas na rua pode nem ser percetível", argumentou.
O professor admitiu estar a ser difícil fazer projeções. Por exemplo, e relativamente ao período em que se possa atingir o pico desta nova onda, disse mesmo: "É imprevisível, neste momento, não sabemos quando vai ocorrer." O que é previsível é que o número de casos no país vai continuar a crescer, "pelo menos mais sete a dez dias", podendo "atingir-se até ao final da semana que vai entrar 60 mil a 70 mil casos".
Mas, sublinhou, "tudo vai depender também da resposta da população", porque "o que tem sido visível quando há um aumento de casos é que a perceção de risco da própria população faz com que esta se retraia, não indo tanto a espaços públicos, como centros comerciais e outros, que quem pode se mantenha em teletrabalho e que não se ande tanto de transportes públicos, etc. Esta tem sido a reação natural das pessoas, mas não sabemos o que vai acontecer." Uma coisa parece certa "é que vamos assistir a um contínuo aumento no número de casos".
O boletim de ontem da DGS dava ainda conta de mais um aumento das incidências nacional e do continente, estando estas a aproximar-se dos 5000 casos por 100 mil habitantes, respetivamente 4731,3 e 4674,0 por 100 mil habitantes. Quanto ao aumento no número total de internamentos, os dados revelavam haver mais 40 do que nas últimas 24 horas, tendo-se passado de 2004 para 2044, embora quando se olhe para os internamentos graves, em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), esse aumento não seja tão significativo, apenas mais 10, passando o total para 162.
Para o professor Carlos Antunes, tal tem a ver com o facto de "esta variante estar a demonstrar não ter grande impacto na hospitalização. Estamos com uma redução de cerca de 9% a 10% de internamentos comparativamente com o ano passado. O aumento de internamentos que estamos a ter é nas enfermarias, mas nas UCI isso está estável", acrescentando: "Presumimos que os internamentos em UCI ainda possam resultar de infeções da variante Delta, ainda estamos com cerca de 1500 casos diários". Recorde-se que quem está no terreno já afirmou que os doentes em enfermarias covid não estão lá para tratar a doença, mas porque foram aos hospitais para tratar outras patologias e estavam infetados.
No entanto, e como diz o professor, não há dados concretos sobre esta situação. "No Reino Unido as estatísticas revelam que 40% a 50% dos internados em enfermarias é por covid-19, em Portugal essa estatística não é dada. Neste momento, não sabemos qual é a percentagem de pessoas infetada pela variante Delta e já pela Ómicron. Portanto, não sabemos qual é o peso que esta nova variante tem na doença grave, e enquanto não o soubermos é difícil projetar". Mas "provavelmente não chegaremos a ultrapassar as 200 camas ocupadas em UCI e as 2500 em enfermarias".
Em relação aos óbitos a previsão é a de que continuem a aumentar, mantendo-se o número acima dos 40 diários. Portugal registou ontem 58 530 novos casos, somando um total de 2 118 125 de infetados, e 49 mortes, atingindo as 19 496 desde o início da pandemia.