É sob a ameaça séria de uma sanção pela Comissão Europeia que Portugal parte para a conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, a COP 16, que se realiza a partir desta segunda-feira, em Cali, na Colômbia. Após um primeiro processo de infração, sem consequências, e de Bruxelas ter avançado, pela segunda vez, com uma ação junto do Tribunal de Justiça Europeu, Portugal continua com a larga maioria dos parques da Rede Natura 2000 sem planos de gestão há mais de 20 anos. Uma multa pesada pode estar a caminho. Mais, o país não tinha, à data da ação, ainda identificado e classificado nenhuma nova área marinha, ao arrepio do acordado há dois anos como uma das 23 metas do Quadro Global para a Biodiversidade, aprovado na COP 15 no Canadá..A ministra do Ambiente e da Energia, Graça Carvalho, há seis meses no cargo, corre atrás do prejuízo numa luta contra o tempo. Ciente da ameaça de multa que pende sobre Portugal, anunciou na proposta de Orçamento do Estado para 2025, entregue a semana passada no Parlamento, que em cinco áreas protegidas terrestres continentais passará a haver uma gestão concreta já no próximo ano. "Voltarão a existir diretores, equipas técnicas e vigilantes alocados à sua gestão efetiva", já em 2025, garante a proposta de OE, assumindo-se implícitamente a falha na conservação da natureza de uma vasta área do território nacional ao longo de duas décadas. Essa possibilidade já estava legalmente prevista pelo executivo anterior, mas é este Governo que vai avançar com um piloto em cinco sítios da rede Natura, em cinco regiões distintas, cuja localização exata nem o ICNF nem o gabinete da ministra quiseram esclarecer..No entender do Governo, "com esta mudança, as reservas e parques naturais deixam de ser geridos à distância por departamentos regionais e passam a ter equipas permanentemente no terreno e em proximidade aos problemas locais de conservação da natureza". Promete-se ainda "aprofundar" o modelo de cogestão de áreas protegidas, "garantindo o envolvimento dos agentes locais"..Do mesmo modo, e segundo informação avançada muito recentemente pelo executivo às organizações ambientalistas, com quem reuniu a semana passada, o gabinete da ministra já terá propostas de planos de gestão prontas para os 28 sítios da Rede Natura, em falta, mas “ainda não se encontram aprovados”, diz a Zero..Segundo o DN apurou, deverá ser criada brevemente a área marinha do Sítio da Costa de Setúbal (que abrange a Comporta e a Galé) e o alargamento do Sítio do Estuário do Tejo. A nova proposta é do Instituto Nacional de Conservação da Natureza (ICNF) num processo que já esteve em consulta pública em 2019, depois de a área ter sido considerada como de interesse comunitário, mas que ficou bloqueado. Agora, segundo o DN apurou, o diploma de classificação da área a criar está praticamente pronto..Mais duas áreas marinhas.Quanto às críticas áreas marinhas _ setor em que “o país está a marcar passo” na definição da Zero_, o gabinete da ministra revelou numa declaração ao DN que “ sob a gestão do atual Governo foi já instituído o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado ”, com a correspondente “criação de um mecanismo de compensação financeira destinado aos pescadores das comunidades de Albufeira, Lagoa e Silves”. “Esse é um exemplo da conjugação de proteção da natureza marinha com a valorização da economia local que irá estender-se aos Açores”, ressalvou a ministra. O Governo irá apoiar a decisão da região autónoma, aprovada esta sexta-feira, de constituição de novas áreas marinhas protegidas, permitindo salvaguardar 30% do mar dos Açores e aumentar, assim, significativamente a área protegida nacional, indicou ainda o gabinete da ministra, com o objetivo assumido de classificação de novas áreas também na Madeira. Atualmente, só 4% do total de área marinha sob jurisdição nacional está sob proteção..Este tema é particularmente crítico para Portugal, tendo em conta que a sua Zona Económica Exclusiva tem uma área 18 vezes superior ao território continental e se o país conseguir levar avante a sua pretensão de a aumentar, passará a representar cerca de 40 vezes o tamanho de Portugal. A complexidade de gestão, que já é assinalável, tornar-se-á ainda maior, pois “o oceano não só é difícil de estudar como os mecanismos de controlo para a sua conservação também são muito dispendiosos”, lembra a diretora para a Conservação da WWF Portugal, em declarações ao DN. Para Catarina Grilo, “mais do que alargar a rede nacional de áreas marinhas, em que Portugal está muito atrasado, é preciso garantir uma conetividade e coerência ecológica entre elas, que tenha, por exemplo, em conta as migrações, o que não existe porque foram criadas um pouco avulso”..A expansão das áreas marinhas protegidas insere-se, aliás, nas 23 metas fixadas no Acordo de Biodiversidade Kunming-Montreal a alcançar até 2030 e com as quais Portugal se comprometeu. Resumindo, “o restauro de 30% dos ecossistemas degradados, a conservação de 30% de áreas terrestres e de águas interiores, costeiras e marinhas, a adoção de soluções baseadas na natureza para enfrentar as alterações climáticas e a redução em cerca de 50% da taxa de introdução de espécies exóticas invasoras” são alguma dessas metas..Progressos não consensuais.Dependendo de quem avalia o grau de cumprimento, o copo está meio cheio ou meio vazio. Se para o ministério, já se encontra até ultrapassada a meta de 30% de áreas terrestres conservadas – com um cálculo de 34,8% - para as organizações ambientalistas está aquém, não chegando sequer aos 23%. Porquê? O Ambiente tem contabilizado as áreas dos geoparques e as reservas da biosfera da UNESCO, o que “não é aceitável, porque estas não possuem um quadro legal associado que seja suficientemente restritivo para se aceitar como válido o seu contributo para a conservação dos valores naturais em presença”, sustentam a Zero e também a WWF, em declarações ao DN..A ministra do Ambiente diz estarem a ser feitos progressos também ao nível das metas relativas ao restauro das áreas degradadas, nomeadamente com a renaturalização dos rios (e eliminação de barreiras), que “foi assumida como um dos principais objetivos da atual tutela na área da biodiversidade, antes mesmo da aprovação da lei europeia do restauro”. E ,“em poucas semanas, o Ministério do Ambiente deu luz verde ao financiamento de intervenções em mais 12 rios, entre os quais o Sado, o Mondego e o Homem, totalizando agora quase 342 quilómetros”, indicou o gabinete de Graça Carvalho, sinalizando o alcance desta prioridade. “É intenção deste Governo devolver os rios à natureza e às pessoas, renaturizando pelo menos 500 quilómetros de rios, até 2030”, assume a ministra do Ambiente e Energia..Só 7 países da UE reviram as suas estratégias para a biodiversidade.Portugal e a larga maioria dos países têm os planos de ação atrasados quando 40% da superfície terrestre está degradada..Portugal está entre a larga maioria de 170 países que ainda não reviram as suas estratégias nacionais para a biodiversidade e conservação da natureza nem definiram planos de açao, em linha com as metas fixadas na COP 15, realizada no Canadá em 2022. Aquele acordo global foi o reconhecimento da urgência de agir até 2030 para lidar com uma das maiores crises planetárias, a da perda de biodiversidade, a par das crises climática e de recursos/poluição, sendo este o tempo de apresentar os planos. Mas só 25 países, a nível global, reviram a estratégia a tempo de a partilharem nesta convenção e só sete países o fizeram na União Europeia..É neste cenário de alguma lassidão que se inicia esta segunda-feira a Cop 16 Biodiversidade, sob o lema ‘Paz com a Natureza’, mesmo que o diagnóstico seja pouco pacífico: “Até 40% da superfície terrestre no mundo está degradada. Isso significa que o solo está a perder a sua capacidade de sustentar a vida, as florestas e os ecossistemas naturais, com dificuldades para assegurar o ciclo da água e atuar como o segundo maior meio de retenção de carbono do planeta, depois do oceano. A última década foi a mais quente já registada. Estima-se que três em cada quatro pessoas no mundo serão afetadas por secas até 2050. Os polinizadores, dos quais depende um terço das plantações do mundo, estão a diminuir a uma taxa alarmante”, relembra a Zero em comunicado..A ministra do Ambiente assegura que “a revisão da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade está a ser dinamizada, acolhendo os compromissos internacionais assumidos” e será feita em articulação com todas as partes dentro do prazo. Mas uma das obrigações de Portugal é a submissão à Convenção até 2025 da sua Estratégia e Plano de Ação Nacional de Biodiversidade. Por isso, Francisco Ferreira diz que o assunto “é urgente”..Na COP16 – onde a ministra do Ambiente não estará, por coincidir com a discussão do Orçamento de Estado , os governos deverão avaliar a implementação do Acordo para a Biodiversidade, alinhando as suas estratégias e planos de ação com os objetivos globais e urgentes. Espera-se, agora, um detalhe para o quadro de monitorização e mobilização de recursos. Pretende-se também avançar no mecanismo multilateral sobre o compartilhamento justo e equitativo de benefícios do uso de informações de sequência digital sobre recursos genéticos..Com a população mundial a caminho dos 10 mil milhões até 2050 e os sistemas planetários que sustentam a vida na Terra, no limite, a ameaçarem a nossa capacidade de fornecer alimentos e água e de evitar migrações em larga escala, choques económicos e conflitos, a Zero considera que “2024 é uma oportunidade fundamental para mudar”. Até ao fim do ano realizam-se as três Conferências das Partes - a Convenção sobre Diversidade Biológica, agora na Colômbia, a Convenção sobre Alterações Climáticas em novembro em Baku, e a Convenção de Combate à Desertificação em dezembro na Arábia Saudita. Que a oportunidade não seja desperdiçada é que o Planeta nos pede.