Portugal tem de criar casas de transição para reclusos

Associação Reshape dá o exemplo dos Países Baixos onde reclusos nos últimos 12 a 24 meses da pena vivem numa casa, podendo estudar ou trabalhar, apresentando uma taxa de reincidência de 4,6%. Em Portugal, só há acompanhamento para as liberdades condicionais.
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"Infelizmente, em Portugal, as casas de transição (que nós distinguimos das casas de saída, para quem já está em liberdade) ainda não são uma realidade. Acreditamos que o cumprimento de pena numa casa de pequena dimensão facilita o conhecimento individualizado de cada pessoa em reclusão e a concessão de propostas de reinserção à medida de cada um. Outras vantagens da pequena escala consistem na redução da burocracia e uma melhor gestão de medidas de segurança, de forma mais dinâmica", diz ao DN Duarte Fonseca, diretor executivo da Reshape, que hoje organiza em Lisboa, com o Instituto Miguel Galvão Teles, o evento internacional Prison Insights "22 - Please Mind the Gap!.

Estas casas de transição são já uma realidade nos Países Baixos, onde são geridas pela Exodus Foundation, tendo começado por ser casas de saída, para pessoas que quando acabam de cumprir a sua pena não têm onde ficar. Neste modelo de casas, destinadas a reclusos que estão entre 12 a 24 meses da saída, daí o nome de transição, "todos os residentes trabalham ou estudam, sendo contabilizado, no período de saída, o tempo das deslocações necessárias e de eventuais compras diárias de supermercado. Além disso, os custos financeiros de uma casa de transição são significativamente inferiores aos custos de uma prisão, visto que os residentes da casa, auferindo salários nos seus empregos, suportam os custos de alimentação, transportes e de estadia, pagando uma renda simbólica pela sua vaga na casa, readquirindo assim responsabilidades e competências de gestão de um orçamento pessoal", explica Duarte Fonseca, sublinhando que a taxa de reincidência destas casas geridas pela Exodus é de 4,6% para quem termina na totalidade o programa proposto na casa.

Para o diretor executivo da Reshape, transpor esta experiência para Portugal é perfeitamente exequível e já tivemos perto de algo semelhante não há muito tempo. "À imagem do que se passou com a lei do perdão de penas da Covid-19 em 2020, aquilo que imaginamos para Portugal é exatamente que quem esteja a 24 meses da possibilidade de gozar da liberdade condicional possa ser elegível para as casas de transição, para esta preparação para a liberdade. A nossa lei já prevê esta possibilidade em formato de vigilância eletrónica, nós gostávamos que previsse em formato de comunidade, de cumprimento da pena num lugar exterior à prisão, à imagem do que já acontece em França ou na Bélgica, por exemplo. São normalmente pessoas que tiveram um percurso prisional positivo, sem faltas disciplinares, que estão motivados para a mudança e que de forma voluntária (pois é preciso querer aderir a todas estas novas rotinas) se candidatam. Depois teria ainda de existir uma autorização do juiz de Execução de Penas, à imagem do que já acontece com as saídas jurisdicionais, as chamadas precárias, ou a liberdade condicional".

Atualmente, em Portugal, o acompanhamento ao nível da reinserção às pessoas que saem da prisão depende da situação legal em que se encontram. Se ainda está em liberdade condicional tem de ser acompanhado pelas equipas de reinserção social da Direção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Caso se encontre em situação de liberdade sem qualquer restrição não existe acompanhamento. "No primeiro caso, também é importante referir que o número de técnicos de reinserção são muito poucos para a quantidade de casos que acompanham, pelo que o acompanhamento acaba por ser muito reduzido e insuficiente para que uma efetiva reinserção possa acontecer", lamenta o diretor executivo da Reshape, ressalvando a importância de associações sem fins lucrativos como a que dirige para suprir algumas lacunas. "No nosso caso, temos trabalhado muito no apoio através do Gabinete Reshape, que tem um foco muito grande na empregabilidade e na procura ativa de trabalho em conjunto com os nossos técnicos, e que também apoia a outros níveis, como questões de documentação, de bens essenciais, de apoio jurídico, etc.".

Este cenário de carência ao nível da reinserção em Portugal leva Duarte Fonseca a afirmar que "temos ainda muito trabalho a fazer neste sentido", sublinhando que "aquilo que conhecemos das pessoas com quem contactamos diariamente nas prisões é que existe um talento enorme dentro das nossas prisões, de pessoas que querem mudar de vida, mas que muitas vezes nem sabem por onde começar". "Os Países Baixos, por exemplo, contam com uma taxa de ocupação dos seus estabelecimentos prisionais de 54% e uma taxa de reincidência de 40%. No nosso país não existem dados públicos sobre a taxa de reincidência, o que torna difícil corrigir um problema que bem um diagnóstico fiável tem, mas, de acordo com outros países com realidades semelhantes à nossa, estima-se que cada seis em dez pessoas voltem a cometer crimes depois de saírem da prisão em Portugal. São apenas estimativas, pois não há fontes nem dados oficiais em Portugal sobre esta matéria, mas diria à partida que é um dado preocupante".

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