Portugal tem 19,1% das áreas marinhas protegidas, mas faltam planos de gestão
A cinco anos do prazo fixado pela Estratégia de Biodiversidade da União Europeia (UE) para proteger pelo menos 30% da sua área marinha — com 10% sob proteção estrita — um novo relatório do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla inglesa) traça um cenário preocupante e revela que os Estados-membros estão dramaticamente atrasados: apenas 2,04% dos mares da União Europeia se encontram efetivamente protegidos, com planos de gestão ativos. “Uma gota no oceano”. E Portugal, apesar de avanços recentes, não escapa aos reparos.
Segundo o relatório “Protecting and restoring our seas: Europe’s challenge to meet the 2030 targets”, a maioria das Áreas Marinhas Protegidas (AMP) na UE são “protegidas apenas no papel”, permitindo a continuação de atividades nocivas como pesca industrial ou extração de recursos, muitas vezes sem fiscalização adequada, devido à falta de planos de gestão ativos nessas áreas.
No caso português, o WWF evidencia um paradoxo. Oficialmente, a cobertura de áreas marinhas protegidas em Portugal está hoje nos 19,1% — um valor alavancado pela criação, no final de 2024, da maior rede de áreas marinhas protegidas da Europa, nos Açores. A isso somam-se a expansão da reserva das Selvagens e a designação da Área Marinha Protegida da Pedra do Valado, na costa algarvia, um parque natural de cerca de 156 km2 reconhecido pela sua elevada biodiversidade e com cerca de 900 espécies identificadas. No entanto, quase todas estas novas áreas ainda carecem de planos de gestão efetivos, o que compromete a sua função real na proteção da biodiversidade marinha, aponta o WWF Portugal.
“Portugal alberga ecossistemas marinhos de enorme valor, essenciais para a biodiversidade e a resiliência climática”, afirma Rita Sá, coordenadora de Oceanos e Pescas do WWF Portugal. “Investir em AMP bem geridas e numa rede ecológica coerente é crucial para garantir um oceano saudável e o futuro das comunidades costeiras”, acrescenta, citada em comunicado.
A análise salienta ainda problemas estruturais na forma como os dados são recolhidos e apresentados. Em Portugal, por exemplo, a incompatibilidade entre bases de dados levou à omissão de várias AMP nos Açores e na Madeira, que já constam de fontes nacionais e internacionais. Mesmo considerando a estimativa mais generosa — 4,5% de áreas com gestão em vigor — Portugal continua aquém dos requisitos mínimos.
O relatório destaca duas outras falhas graves nas Áreas Marinhas Protegidas atuais, além da ausência de planos de gestão. “Em primeiro lugar, há uma diferença marcante nas ambições dos Estados-membros: apenas oito apresentaram formalmente compromissos de biodiversidade relacionados com áreas protegidas – e Portugal continua fora desta lista”, constata o WWF. “Em segundo lugar, os dados fornecidos pelos Estados-membros da UE são frequentemente inconsistentes, atrasados e incompletos, resultando numa visão fragmentada dos esforços de proteção marinha”, acrescenta. “Esta constatação levanta sérias preocupações sobre como se podem definir e implementar políticas marinhas eficazes na ausência de dados fiáveis.”
O WWF nota que a proporção de áreas marinhas da UE designadas como AMP com planos de gestão varia amplamente entre países, com a França nos 3,14%, Espanha ainda mais abaixo com 0,85%, e a Alemanha com 16,89%. A Bélgica lidera o ranking com 35,04%, enquanto a Grécia, Croácia e Irlanda, entre outros, apresentam rotundos 0%. Mais, lembra o Fundo Mundial para a Natureza: “importa referir que esta análise não avalia a eficácia desses planos de gestão”. Ou seja, em alguns casos, os planos podem simplesmente refletir “mais do mesmo”, sem quaisquer esforços de conservação desde a designação das AMP.
Jacob Armstrong, gestor de Oceanos do WWF na Europa, é claro: “Designar uma área não basta. Sem medidas concretas de gestão, fiscalização e restauro, os mares europeus continuam desprotegidos.”
A publicação do relatório antecede dois momentos cruciais: o lançamento do Ocean Pact pela Comissão Europeia e a Conferência dos Oceanos da ONU (UNOC 3), em Nice. O WWF apela a à Comissão Europeia e aos Estados-membros para que “intensifiquem os esforços de proteção e restauro da biodiversidade marinha em todos os mares da UE, e para que garantam que todas as Áreas Marinhas Protegidas sejam rigorosamente fiscalizadas; eliminem gradualmente práticas de pesca prejudiciais que colocam em risco espécies e habitats sensíveis; priorizem a coerência ecológica; sejam geridas de forma a assegurar coerência entre políticas oceânicas como a Lei de Restauro da Natureza, a Diretiva Quadro da Estratégia Marinha e a Diretiva de Ordenamento do Espaço Marinho; e promovam a cooperação através das fronteiras marinhas nacionais.”
Com apenas cinco anos pela frente, o tempo está a esgotar-se.