Portugal arrisca uma multa de vários milhões de euros por incumprimento sistemático da diretiva europeia sobre a qualidade do ar, o que está associado a cerca de 6 mil mortes prematuras por ano no território nacional. Em causa estão, sobretudo, Lisboa, Porto e Braga. O país já foi condenado por esta razão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em junho de 2023, por dez anos de desconformidades persistentes, e é recorrente na violação das regras..Com efeito, até há pouco tempo, estavam 12 procedimentos abertos pela Comissão Europeia por incumprimentos de âmbito ambiental. Isso significa que, se não forem tomadas medidas num prazo aceitável, mais tarde ou mais cedo, a fatura chegará com várias coimas de largos milhões de euros. Em 2016, por exemplo, o Estado português foi condenado pelo TJUE a pagar três milhões de euros por incumprimento da diretiva de tratamento de águas residuais urbanas em várias cidades, a que acresciam oito mil euros por cada novo dia de atraso no cumprimento da diretiva. E já em 2012 tinha sido sancionado em 1,9 milhões de euros. Em causa está agora o período entre 2009 a 2018, mas com os incumprimentos a manterem-se até ao presente..Os impactos negativos da negligência com a poluição vão, porém, muito além das multas. A poluição atmosférica é considerada pela Agência Europeia do Ambiente “o maior risco ambiental para a saúde humana”, causando e agravando doença cardíaca, acidentes vasculares cerebrais (AVC), cancro do pulmão e doenças respiratórias agudas e crónicas que originam mais de 6.000 mortes prematuras por ano em Portugal..Para além deste pesado encargo, a Aliança Europeia para a Saúde Pública estimou também os custos para o Sistema Nacional de Saúde, com as admissões hospitalares, e para a produtividade. No caso português, aquela organização concluiu que o custo da má qualidade do ar é, em média, de 1150 euros por habitante/ano em Lisboa e de 950 euros euros por habitante/ano no Porto, representando entre 4% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) das cidades. Outro estudo, da Universidade Nova de Lisboa, também refere uma clara ligação entre a subida dos níveis de dióxido de azoto (NO2) e o aumento do internamento hospitalar infantil, por doenças respiratórias, avaliando o seu impacto em 800 mil euros, em 2018..Governo cria grupo de trabalho.O pior é que, a manter-se esta incapacidade nacional para aplicar as regras ambientais em matérias tão críticas para a saúde pública, “o país enfrentará sérias dificuldades para cumprir as novas metas, revistas este ano, que são bastante mais exigentes e que deverão entrar em vigor já em 2030”, disse o coordenador da ZERO para o Clima, Energia e Mobilidadae, Pedro Nunes, em entrevista ao DN..Correndo contra o tempo e o prejuízo, a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, decidiu criar este mês um grupo de trabalho com a missão de “acelerar a implementação medidas necessárias” e “mitigar os efeitos da exposição da população a altos níveis de dióxido de azoto”, com um prazo de 18 meses para elaborar um plano de ação. "A qualidade do ar é um dos maiores desafios ambientais do nosso tempo e tem um impacto direto na saúde da população", disse a ministra, na apresentação da iniciativa..Em causa estão os níveis máximos de dióxido de azoto (NO2) no ar, fixados em 40 microgramas por metro cúbico que vão passar para metade, já em 2030, de acordo com a diretiva agora revista. As organizações ambientalistas, como a ZERO, consideram que aqueles limites são já demasiado tolerantes, tendo em conta que “constituem o quádruplo dos parâmetros recomendados pela Organização Mundial de Saúde”. Mas, a verdade é que a Avenida da Liberdade, em Lisboa, por exemplo, apresenta níveis de concentração acima do valor limite (46 microgramas), e muito distantes da nova meta a atingir em apenas seis anos (20 microgramas)..Mais zonas de emissão reduzida.O desafio é gigante e passa necessariamente pela redução massiva do uso do transporte individual e/ou sua substituição por veículos elétricos e transportes públicos, pelo menos, nos eixos mais problemáticos das capitais..O executivo camarário de Lisboa quer criar mais zonas de emissões reduzidas (ZER) e anunciou a intenção de introduzir câmaras de videovigilância para fiscalizar a entrada de veículos que não respeitem as regras, a partir de 2025. Essa é justamente uma das críticas apontadas pela ZERO ao executivo anterior. “Criou-se a zona de emissões reduzida na baixa lisboeta, restringindo a circulação a veículos anteriores a 1996 ou 2000, consoante sejam a gasóleo ou gasolina, mas ninguém cumpre e ninguém fiscaliza”, diz. Por outro lado, “a própria ZERO tem critérios obsoletos, na medida em que permite veículos demasiado antigos e poluentes com quase 30 anos, o que faz com que não tenha efeitos práticos”, aponta o responsável..Outra crítica às anteriores equipas à frente do Ministério do Ambiente diz respeito à falta de um programa de execução de medidas. “A Diretiva da Qualidade do Ar estabelece que têm de existir planos para a melhoria da qualidade do ar e um programa de execução dos planos. Ora, a CCDR-LVT (Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) apresentou um plano em 2019, mas cinco anos depois não tem programa de execução”, observa Pedro Nunes..A própria arquitetura do sistema de medição da qualidade do ar também é posta em causa. Em Lisboa existem apenas três estações de medição, Avenida da Liberdade, Entrecampos e Olivais que “são manifestamente poucas e fornecem uma fotografia incompleta da situação, também por deixarem de fora bairros residenciais onde vive a maior parte das pessoas”. Existe uma outra rede informal de 80 sensores espalhados pela cidade, mas de “fiabilidade duvidosa, porque apresenta discrepâncias regulares com os valores apurados pelas estações de referência”, diz aquele especialista..Embora Lisboa seja uma das capitais europeias mais sujeita às partículas finas emitidas pelos navios-cruzeiro, no seu todo, Portugal está entre os cinco países menos poluídos, na companhia de países como a Islandia, Suécia, Irlanda, Noruega ou Dinamarca. Mas de acordo com o novo Relatório Mundial da Qualidade do Ar da IQAir, apenas sete países do mundo atingiram níveis seguros de poluição atmosférica em 2023. Em 134 países, 124 violaram os níveis seguros de PM2,5 (partículas finas), de acordo com as diretrizes da OMS. Estas partículas microscópicas, com menos de 2,5 mícrones de diâmetro, podem ser inaladas para o interior dos pulmões e até chegar à corrente sanguínea. Têm sido associadas a doenças cardíacas e pulmonares, tensão arterial elevada, aumento do risco de asma, depressão, ansiedade e morte prematura.