Poças Martins: "Há uma ilusão de abundância de água numa realidade de escassez"
A propósito do Dia Mundial da Água, assinalado hoje, o professor universitário defende ser preciso rever a gestão dos recursos hídricos no país e aponta soluções de futuro. Em média, cada português gasta 184 litros por dia.
Em tempo de seca, soam os alarmes e a escassez de água ocupa a ordem do dia. Porém, passado o período de crise, mais ou menos prolongado, o tema volta a cair no esquecimento. Para Joaquim Poças Martins, a gestão inadequada e ineficiente dos recursos hídricos no país deve-se a "uma ilusão". "Há uma ilusão de abundância de água numa realidade de escassez. Como temos essa ilusão, não gerimos e, como não gerimos, depois falta água", diz o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Em entrevista ao DN a propósito do Dia Mundial da Água, assinalado hoje identifica duas áreas em que é preciso refletir: a distribuição pelas entidades gestoras e o consumo através da agricultura.
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A primeira questão tem sido motivo de preocupação para a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), que procura alertar, regularmente, para a importância dos investimentos na manutenção da infraestrutura de abastecimento. A falta de monitorização das redes, a sua fraca conservação e o roubo de água por via da violação de contadores levam a que, segundo a ERSAR, cerca de 30% da água canalizada seja desperdiçada.
"As perdas no abastecimento e a necessidade de manutenção são temas importantes", refere o presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH), que defende mais investimento nesta área. "É preciso perceber onde acontecem as perdas e tentar minimizá-las. A tecnologia pode ajudar nesse trabalho", acredita Carlos Coelho.
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O regulador -- que, ao contrário de outras áreas, não tem poder sancionatório -- estima ser necessário investir pelo menos 2500 milhões de euros na conservação das redes até ao final da década. Para fazer face às despesas, Poças Martins defende a criação de "um porquinho-mealheiro" pelas entidades gestoras -- em Portugal são 354 operadores --, onde estas devem colocar os ganhos de eficiência potenciais.
"Dos 1500 milhões de euros que vale o setor, é possível ter ganhos de eficiência de cerca de 20% ou 300 milhões por ano", contabiliza o também antigo secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor do primeiro governo de Cavaco Silva. Sem gerir de forma eficiente o abastecimento de água e sem a acumulação de dinheiro que permita a substituição das condutas quando for necessário, o país arrisca-se a ter "uma bomba-relógio que vai explodir dentro de 10 ou 20 anos". Quando a infraestrutura estiver degradada em todo o território, os custos serão mais avultados. "Esta é uma sugestão concreta. O primeiro passo é gerir bem", reforça.
Agricultura mais eficiente
Para o presidente da APRH, o setor agrícola tem feito um caminho relevante no que diz respeito à utilização mais ponderada dos recursos hídricos na produção de alimentos. Aliás, Carlos Coelho, que falou com o DN à margem do 16.º Congresso da Água que se realiza até sexta-feira em Lisboa, refere que este é um dos temas que gera maior atividade de reflexão e debate na associação. "Temos a agricultura recorrentemente nas nossas mesas-redondas. Creio que o papel da APRH tem sido bastante influente", considera.
Poças Martins, por sua vez, embora reconheça que "já se gastou mais água em Portugal", vê espaço para melhorias na agricultura. "A agricultura é essencial à vida, dá-nos o alimento e sem ele não há vida. Mas os alimentos gastam muita água", aponta.
O professor universitário diz que cada pessoa gasta, em média, o equivalente ao seu peso em alimentos todos os meses e que é preciso ter em conta a quantidade de água necessária para gerar produtos como a carne, a fruta ou o arroz.
"Um quilo de carne de vaca gasta 15 mil litros de água, enquanto um quilo de arroz gasta três mil litros", contabiliza. "Isto significa que, tendo em conta que um quilo de alimento pode gastar entre mil e 15 mil litros de água, nós gastamos o nosso peso vezes mil em água", afirma. Estes valores que Poças Martins refere somam-se ao consumo médio por habitante em Portugal, que, de acordo com a ERSAR, é de 184 litros por dia.
A solução passa, defende, pela aposta na eficiência hídrica na atividade agrícola. Em vez dos agricultores optarem por rega por aspersão e em horários de maior calor, devem preferir a rega com sistema gota a gota.
Para o professor, não se trata de diabolizar os agricultores, mas antes de criar mecanismos objetivos para a medição da água utilizada por quilo de alimento produzido para assegurar sustentabilidade da produção. Recorde-se que o setor é responsável por cerca de 80% do consumo dos recursos hídricos em Portugal.
dnot@dn.pt