PJ e a operação na Madeira: “Nós é que sabemos como, onde e quando”
Numa reação a algumas críticas e dúvidas que, nos últimos dias, têm vindo a público em relação à operação judicial que levou à demissão do Presidente do Governo Regional da Madeira, o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) deu a cara esta terça-feira, em conferência de imprensa, para defender a honra da sua casa.
Antigos procuradores-gerais da República e comentadores políticos tinham pedido explicações sobre a dimensão desta ação policial, com o facto de quase três centenas de inspetores da PJ terem sido transportados de Lisboa para o Funchal num avião da Força Aérea Portuguesa (FAP) e criticaram as fugas de informação para “certos jornalistas” que já estariam de véspera na ilha para acompanhar as buscas.
Firme e tranquilo, Luís Neves desmontou ponto por ponto, para que “a verdade não estrague uma boa história”. Revelou que “uma operação desta envergadura requer muito tempo de preparação, há dezenas de locais a verificar, é preciso verificar as rotinas dos alvos. Leva meses. Esta operação foi planeada em final de setembro e emitidos 107 mandados a cumprir na Madeira”.
Quanto à inédita logística envolvida, assegurou ser da “responsabilidade da PJ” e “deve ser explicada à luz de princípios de proporcionalidade de adequação para executar diversas buscas em simultâneo”.
Parte desta intervenção policial e projeção de meios humanos e técnicos foi preparada entre a PJ e o Estado-Maior da FAP. Segundo Luís Neves “no âmbito de um protocolo de cooperação entre as forças e serviços de segurança e as Forças Armadas, a PJ decidiu deslocar 140 inspetores e 10 especialistas – não 300 como erradamente se tem dito - no mais completo sigilo e com total respeito pelo segredo de justiça", garantiu Luís Neves.
“Mas até podiam ter sido 300 ou mais. A PJ é que sabe onde, como e quando se fazem as operações. Ainda há pouco tempo fizemos uma operação no Alentejo para libertar dezenas de imigrantes vítimas de tráfico de seres humanos e foram empenhados mais de 300 inspetores…”, salientou.
Além de ser mais prático e sigiloso juntar os inspetores nas duas aeronaves da FAP, Luís Neves também revelou que esta opção também se deveu à necessidade de “transportar toda a prova recolhida para a sede, em Lisboa, como a maior celeridade possível, para ser analisada pelo MP, Só equipamentos digitais transportámos mais de uma tonelada”.
Questionado sobre se o envolvimento da FAP não deixa implícito que o governo teria sido informado, Luís Neves assumiu que foi ele “a fazer o contacto com a Força Aérea e ninguém sequer perguntou o que pretendíamos fazer. Temos esta relação de confiança há décadas”.
Quanto às alegadas fugas de informação, o diretor nacional da PJ garantiu que “a operação nunca foi comprometida” e que a “eficácia foi de 100%”, uma vez que nenhum dos alvos “foi antecipadamente alertado”. E completou: “ a PJ nunca se reviu, nem revê em fugas de informação e procura evitar que aconteça”.
Recordou que a primeira notícia vinda de um local de busca, na câmara municipal do Funchal, foi divulgada por um repórter local através de um vídeo whatsapp , mais de duas horas depois de as buscas terem começado às sete da manhã. “A comunicação social não teve antecipadamente conhecimento da operação e não acompanhou nenhuma das buscas às sete da manhã”, frisou.
Ex-procuradores pedem explicações
Primeiro o ex-procurador-geral Cunha Rodrigues, logo na sexta-feira, em entrevista à Rádio Renascença (RR), considerou que “envio simultâneo para uma Região Autónoma de centenas de inspetores da Polícia Judiciária, em aviões militares, para a realização de buscas e a deslocação prévia de órgãos de comunicação social não podem ser justificados por motivos comuns de natureza processual e transparência, e exigem uma explicação pública, cabal e urgente”, salientando que, se fosse procurador-geral não “permitiria se tal acontecesse.
Depois, o ex-PGR Souto Moura, também à RR, lamentou que tivesse havido “órgãos de comunicação social que foram avisados da operação” e que “o facto de estarem lá jornalistas do continente significa que houve uma violação do segredo de justiça”.
O ex-diretor nacional da PJ, Santos Cabral, igualmente à Renascença, classificou de “extrema gravidade” caso se confirme “que estavam no local jornalistas previamente avisados e com antecedência, para se deslocarem à Madeira”.
Por seu lado, nos seus comentários semanais, Marques Mendes, na SIC, e Paulo Portas na TVI, também entenderam que devia haver explicações sobre as medidas inéditas que foram tomadas para a referida operação. Citando Cunha Rodrigues concorda que “é preciso uma explicação pública, cabal e urgente”, sobre o “envio simultâneo de mais de uma centena de inspetores da PJ em aviões militares para a Madeira e ao mesmo tempo o aviso a determinados jornalistas para que estivessem prontos na madeira de véspera para poder transmitir o espetáculo em direto”. No seu entender, Cunha Rodrigues “diz que estas duas ações parecem um bocadinho uma espécie de justiça “manu militari” (com mão militar).
Marques Mendes também questionou: “Investigar, muito bem. Investigar suspeitas de corrupção, sem dúvida. Investigar todos, naturalmente. Ninguém está acima da lei. Mas há duas questões a esclarecer: porque é que houve tanto aparato, até com o envolvimento da Força Aérea? Porque é que houve jornalistas avisados previamente das investigações?”, questiona o ex-presidente do PSD. “Dois ex-PGR, Cunha Rodrigues e Souto Moura, pediram explicações. O que não é habitual. Alguém tem de esclarecer.”