"Adequada, necessária e proporcional" foi o veredicto da investigação da Polícia Judiciária (PJ) quanto à controversa intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na apreensão do computador portátil ao adjunto do ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, de acordo com o relatório final desta polícia que faz parte do processo consultado pelo DN. A conclusão esteve na base do recente arquivamento, pelo Ministério Público (MP) do inquérito que investigou suspeitas de abuso de poder e coação do SIS sobre Frederico Pinheiro, factos ocorridos a 26 de abril de 2023. O caso, que chegou a ser discutido no âmbito da Comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP, marcou a agenda política e mediática, provocando um aceso debate sobre os limites de ação das “secretas” e muitas críticas ao seu desempenho nesta situação em concreto. A PJ conclui assim que «a conduta dos funcionários do SIS esteve devidamente salvaguardada pelas competências previstas no seu conteúdo funcional, sendo adequada, necessária e proporcional, não tendo sido utilizados nos contactos com Frederico Pinheiro quaisquer meios abusivos, coercivos ou enganosos, que pudessem ter acarretado qualquer tipo de prejuízo pessoal ou patrimonial». Neste relatório final, a investigação considera também que que o SIS não «exerceu poderes, nem praticou atos de estrita competência judicial ou policial (…) não tendo existido qualquer extravasar de competências legalmente atribuídas aquele serviço público»."O Frederico está a escalar e não pode ser"O caso começou com a demissão conflituosa de Pinheiro e com a sua deslocação ao ministério para ir buscar o computador de serviço, tendo entrado em confrontos físicos com elementos do gabinete. A polémica aumentou quando foi noticiada a intervenção do SIS na recuperação desse computador (ver linha de tempo em baixo), sob a justificação - confirmada nesta investigação, de que o computador continha informações classificadas e suscetíveis de causarem danos aos interesses do Estado. Frederico Pinheiro foi constituído arguido a 16 de julho passado, entre outros crimes, por suspeitas de acesso ilegítimo a documentos classificados, e alvo de buscas domiciliárias. Segundo a CNN, as perícias da PJ concluíram que Frederico Pinheiro fez uma cópia integral ao aparelho antes de entregá-lo ao SIS .Nas declarações à PJ, o ex-adjunto de Galamba, questionado por esta sobre «o que sentiu acerca das várias chamadas por parte do SIS, diz que ficou com receio, sentiu-se intimidado e até ameaçado», mas também reconhece que «a postura do agente do SIS que se encontrou consigo foi tranquilizadora, tendo concordado em entregar o computador naqueles moldes por não querer problemas, achando que iria continuar a ser pressionado se não o tivesse entregue». Segundo o relatório final da investigação da PJ, Pinheiro revelou que as expressões usadas pelo agente das secretas que usou o nome “Dário”, foram: «Isto está a escalar, o Frederico está a escalar e não pode ser. Se não entregar vai ter problemas, nós não queremos que isto tenha problemas, vão ser problemas para o Frederico e problemas para mim, eu estou a ser muito pressionado, o Frederico não imagina o que é que está aqui».«O SIS não fez nada que não pudesse ter sido feito pela PJ»Segundo o despacho de arquivamento do MP, não se pode «concluir que a expressão “escalar” tenha sido utilizada com a intenção de ser entendida pelo seu destinatário no sentido de o constranger àquela ação» considerando que para esse efeito nem sequer era «adequada».Apesar de essa ação ter sido validada pelo Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), presidido pela ex-ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, não deixou de ser uma das operações do SIS mais contestadas de sempre. Uma das opiniões mais veementemente crítica na altura, veio do próprio antigo presidente do CFSIRP, Abílio Morgado, que quebrou o silêncio num artigo de opinião no DN. “Reconhecer esse erro macula o ato concreto praticado pelo SIS, mas preserva o interesse superior da integridade do Serviço”, declarou. Apesar de os seus sucessores do CFSIRP garantirem que o SIS tinha atuado num quadro de “urgência” e “numa lógica de prevenção de riscos”, Abílio Morgado refutou essa argumentação: “Onde quer que o direito o acolha, o “estado de necessidade” (tal como a “ação direta”) implica uma impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios de atuação normais, sendo que o SIS nada fez que não pudesse ter sido feito pela Polícia Judiciária, enquanto órgão de polícia criminal, com o mesmíssimo sentido de urgência e certamente com muito mais propriedade e solidez jurídica”. Concluía que “reconhecer tal erro - nalguma medida até desculpável, face ao inusitado da situação com que o SIS se viu confrontado e à precipitação por ela induzida - é, não só uma atitude nobre e eticamente fundada, como, acima de tudo, nos tempos conturbados que correm na vida pública nacional, uma postura de franqueza, honestidade e transparência, capaz de consolidar a demonstração de que o que ocorreu é um caso absolutamente isolado e irrepetível e, assim mesmo, contribuindo para repor a confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade e autoridade do SIS”.Abílio Morgado foi um dos convidados do Podcast Soberania do DN, realizado cerca de quatro semanas depois do caso. Nesse programa a atual ministra da Administração Interna, enquanto ex-diretora do SIS, tinha dado o benefício da dúvida à legitimidade da intervenção, mas admitiu que tinha sido «um episódio infeliz».A PJ investigou a “conduta e legalidade da intervenção de funcionários do SIS na recuperação do computador portátil” que estava na posse de Frederico Pinheiro. «Interpretação demasiado restritiva das leis»Segundo a Judiciária, essa investigação foi feita em duas vertentes: “eventuais abusos de poderes ou violação de deveres inerentes às funções, na fase de decisão de ativação operacional e subsequente realização de diligências” e uma segunda de “eventual ameaça ou coação” contra Frederico Pinheiro, na fase de posteriores contactos telefónicos e pessoais que foram estabelecidos com o mesmo.Para a PJ o género de intervenção em causa tem toda a legitimidade, e no seu relatório usa até um tom irónico: «No âmbito das suas competências legalmente atribuídas, de sublinhar que caso os funcionários do SIS estivessem impossibilitados de em quaisquer circunstâncias, estabelecerem contactos diretos e pessoais com cidadãos em ações operacionais, fosse com recurso a “histórias de cobertura” ou mesmo identificando a sua qualidade (…), seguramente o cumprimento eficaz da sua missão ficaria seriamente comprometido, ou seria mesmo de todo inviável».Recordando que esta “ideia genericamente debatida na comunicação social no âmbito destes factos, de que, em caso algum o SIS poderia contactar diretamente esse cidadão, sendo essa uma competência única e exclusiva das forças de segurança no âmbito de medidas de polícia», a PJ considera essa «uma interpretação demasiado restritiva das leis que delimitam a atuação daqueles serviços, acrescendo que no momento dessa atuação não era do conhecimento dos funcionários do SIS a existência de processos crime pela prática dos factos denunciados», os quais só foram instaurados posteriormente.Para a PJ, perante a informação que recebeu, «estando em causa o eventual comprometimento de informação classificada, suscetível de lesar o Estado Português no plano económico» o diretor do SIS «autorizou e determinou uma urgente “produção de informações” de caráter operacional, atuação onde estava legalmente previsto o contacto com pessoas».Sobre a perceção de intimidação que Pinheiro disse ter sentido na abordagem do agente do SIS, a PJ lembra que «em inúmeras situações que não chegam ao crivo da comunicação social, é apenas devido à elevada capacidade de comunicação verbal, firmeza e persuasão por parte dos agentes das forças e serviços de segurança, o que acaba por permitir alertar e convencer o cidadão comum no momento dessa comunicação, para a necessidade premente do cumprimento voluntário da lei, evitando problemas de futuro, mormente que se recorra ao poder coercivo das entidades públicas competentes, após esgotadas as alternativas menos lesivas para o cidadão».A PJ conclui assim que «a conduta dos funcionários do SIS esteve devidamente salvaguardada pelas competências previstas no seu conteúdo funcional, sendo adequada, necessária e proporcional, não tendo sido utilizados nos contactos com Frederico Pinheiro quaisquer meios abusivos, coercivos ou enganosos, que pudessem ter acarretado qualquer tipo de prejuízo pessoal ou patrimonial». Neste relatório final, a investigação considera também que que o SIS não «exerceu poderes, nem praticou atos de estrita competência judicial ou policial (…) não tendo existido qualquer extravasar de competências legalmente atribuídas aquele serviço público».A investigação judicial veio confirmar o que o DN tinha noticiado quanto ao facto de ter sido a ex-secretária-geral do SIRP, Graça Mira Gomes a pedir a intervenção do SIS, depois de ter sido contactada pelo gabinete de Galamba.