As 3,5 toneladas de cocaína que a Polícia Judiciária (PJ) anunciou nesta segunda-feira ter localizado no Porto de Setúbal, dissimulada em paletes de bananas provenientes da Colômbia, somaram-se às 19 toneladas confiscadas até à data - o total, ainda provisório, de 22,5 toneladas desta droga, faz de 2024 um novo ano recorde de quantidade apreendida, superando os valores máximos da última década e meia, segundo dados oficiais desta Polícia. No ano passado foram apreendidas 21,7 toneladas e, em 2022, 16,5..O diretor da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da (UNCTE) da PJ, Artur Vaz, não está surpreendido: “Nos últimos anos tem estado sempre em crescendo, tal como noutros países europeus. Continua a haver uma explosão na produção na América Latina e o mercado europeu continua muito atrativo”, assinala ao DN..Pouco se alterou em termos de rotas, origens e modus operandi das organizações criminosas, embora este dirigente, na liderança da UNCTE há seis anos, note que “os grupos são cada vez mais diversos e múltiplos, sendo que o narcotráfico é cada vez mais um íman para as organizações criminosas pelo lucro que proporciona”..Por isso, sublinha que em Portugal - cujo território e águas sob jurisdição nacional têm sido utilizados ao longo dos anos como pontos de passagem de consideráveis quantidades de cocaína -, “apesar de ser um dos países mais seguros do mundo, o tráfico de droga e toda a criminalidade associada constituem uma ameaça muito significativa à segurança interna”..Artur Vaz elenca quatro tipos de tendências identificadas no âmbito da atividade da UNCTE: “Um grande aumento das remessas de cocaína da América Latina; utilização muito frequente (e previsivelmente crescente) de lanchas rápidas para a recolha de cocaína de outras embarcações no oceano Atlântico, por vezes a centenas de milhas da costa; instalação em território nacional de laboratórios de transformação de pasta de coca em cocaína (no início deste mês a PJ desmantelou um dos maiores na Europa, na zona da Lourinhã e deteve sete homens, quatro portugueses, dois colombianos e um marroquino); aumento do número de crimes violentos e de corrupção.”.A investigadora académica de crime organizado Sylvie Figueiredo, afiança que “as ligeiras alterações que se verificam nas rotas estão normalmente associadas às capacidades operacionais dos grupos quanto ao acesso aos contentores/empresas através dos quais o produto é transportado”. Destaca, em 2024, duas ações em particular: “A apreensão recorde de 6,5 toneladas de cocaína numa operação em duas fases (Operação Tártaro) e o desmantelamento do maior laboratório de produção industrial de cocaína descoberto em Portugal (o já referido na Lourinhã).” .Para Sylvie Figueiredo, que foi 15 anos analista do Serviço de Informações de Segurança (SIS), “esta última ação veio confirmar uma alteração do papel de Portugal e de Espanha, com a transposição para a Península Ibérica da fase final da produção de cocaína”, que estima ser “uma aposta estratégica dos traficantes sul-americanos nos próximos tempos, uma vez que isso implica que a substância seja transportada em estado líquido, dificultando substancialmente a sua capacidade de deteção pelas autoridades”..Impacto nas comunidades.Esta especialista considera que, apesar de a maior parte da cocaína, tal como do haxixe, que entra em Portugal, ter como destino outros mercados de consumo europeu, em 2024 “assistimos também ao aumento do consumo de estupefacientes no território e ao redimensionamento dos mercados de retalho nacionais, como são os casos do Bairro da Pasteleira, no Porto, e do Vale de Alcântara, em Lisboa”..Na sua opinião “este crescimento do ecossistema criminoso do narcotráfico tem impactos significativos sobre as comunidades que aí residem e que se sentem ameaçadas e desprotegidas nas suas próprias casas”..Por outro lado, acrescenta, “tem também um efeito no maior número de casos de ajustes de contas supostamente relacionados com o mercado de estupefacientes e que têm provocado alguns mortos no nosso país, mostrando que a tendência de violência que se verifica em outros países europeus (França, Suécia, Espanha, Países Baixos e Bélgica) também já chegou a Portugal”..O presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), coronel, na reforma, Francisco Rodrigues, discorda: “Por mais que alguns queiram comparar a realidade da segurança em Portugal com a de outros países europeus, estamos muito longe de atingir os níveis de crime associado às drogas de alguns dos nossos parceiros europeus.” .Mais otimista, este antigo oficial da GNR olha para o crescimento do fenómeno, numa contabilidade de “deve e haver”- o combate tem sido bastante revelador do empenho das autoridades portuguesas, fundamentalmente, da PJ, que este ano voltou a bater o recorde de apreensão de cocaína”..E qual a antevisão para 2025? “Não se conseguindo fazer futurologia, podemos arriscar dizer que não se conseguirá impedir tudo o que se prende com as atividades ilícitas relacionadas com o consumo e tráfico de estupefacientes, mas é certo que, do que depender das autoridades nacionais, não haverá incremento dos valores relacionados com este fenómeno”, afiança.