Perda Gestacional: profissionais de saúde pedem mais acompanhamento
A Organização Mundial de Saúde estima que, anualmente, ocorram 2,6 milhões de perdas gestacionais após as 22 semanas de gestação e 17% a 22% das gravidezes terminam em aborto espontâneo. Em Portugal, em 2022, registaram-se 305 mortes fetais, mais 14 do que em 2021. Contudo, a maior ocorrência de perda gestacional ocorre até às 12 semanas e, nesses casos, não há dados oficiais que quantifiquem a realidade no nosso país.
Os últimos dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, sobre os óbitos fetais, datam de 2022 e indicam comparativamente a 2021. Em 2022, registaram-se 305 óbitos fetais de mães residentes em Portugal, mais 14 do que em 2021 (291 óbitos fetais). “Este valor poderá não corresponder à totalidade dos óbitos fetais ocorridos, uma vez que a obrigatoriedade de registo estabelecida pelo Código do Registo Civil é imposta, com exceções, apenas para fetos-mortos com idade gestacional igual ou superior a 22 semanas completas”, pode ler-se no documento.
Em 2022, houve 193 óbitos fetais com idade gestacional igual ou superior a 28 semanas completas, o que representa um aumento de 4,9% relativamente a 2021. A menor taxa de mortalidade fetal tardia registou-se no Norte (1,3%) e a mais elevada, na Região Autónoma da Madeira (3,4%).
Segundo o site do Serviço Nacional de Saúde (SNS), “muitas famílias sentem que o luto de um filho que morreu durante a gestação não é valorizado”. “As práticas em meio hospitalar não são uniformes. Muitos profissionais de saúde consideram que devia existir um protocolo definido para cumprir nestes casos”, pode ler-se.
É essa indefinição e “falhas” no acompanhamento dos casais que levou a enfermeira Rita Cruz, presidente das I Jornadas sobre a Perda Gestacional, a organizar o evento, que termina hoje, em Moreira da Maia. “É um sonho há muito idealizado pelo meu contacto a nível hospitalar com os meus pacientes no serviço de obstetrícia. Há uma necessidade imensa de dar voz a este sofrimento. É o que tenho feito a título pessoal, dar voz a estes casais, num tema que continua a ser visto como tabu e tem muitos mitos associados. Os pais precisam de acompanhamento não só no momento da perda, mas também após a alta”, avança. Sem um protocolo de atuação para estes casos, Rita Cruz faz o máximo para acompanhar quem sofre com a perda gestacional, mas admite que “nem todas as pessoas podem encontrar um enfermeiro ou médico com essa disponibilidade”. “Ter uma consulta com um psicólogo um mês não é solução. E os casais não podem depender de A ou de B para terem o apoio de que necessitam. A ideia é que a nível hospitalar haja boas práticas de todos os serviços para ajudar os casais. Muitos passam por vários profissionais e sentem que ninguém os compreende ou acolhe. Acontece o mesmo no pós perda e é muito importante manter-se ligado a alguém que possa acompanhar. É preciso um protocolo de atuação. É esse caminho que tem de ser feito”, defende.
Para Rita Cruz, o tabu em torno do tema também precisa de mudar e o sofrimento “deve ser valorizado, independentemente das semanas de gestação no momento da perda”. “As pessoas acham que a perda no início da gestação não é de valorizar. É avassalador lidar com a dor do outro e nós, como profissionais, estamos expostos e temos de levar sementinhas para fazermos diferente e ajudar”, conclui.
O encontro procura respostas para as preocupações da presidente das I Jornadas sobre a Perda Gestacional, intituladas “Reconhecer, Cuidar e Ressignificar”. O objetivo passa por sensibilizar profissionais de saúde e sociedade. Nos dois dias das Jornadas que hoje terminam, estarão presentes médicos, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, terapeutas, coachs, associações e pais que viveram perdas gestacionais. Esta quarta-feira, da parte da manhã, o evento termina com o debate “Reintegrar a perda – um caminho de amor”. Até porque “é no amor que se encontra o caminho para a cura ou para amenizar a dor avassaladora da perda de um filho durante a gestação”.
Já na tarde desta quarta-feira têm lugar dois workshops, “Partilhar o Perder” (para profissionais de saúde) e “Entrega – não é causa é dor” (para famílias que passaram por perda gestacional).
Rita Cruz promete continuar a trabalhar para ajudar casais em sofrimento e está já a preparar as jornadas de 2025. “Já tenho ideias para as próximas e o objetivo é fazer o evento uma vez por ano”, garante.
Amor para além da Lua
As responsáveis do projeto “Amor para além da Lua” vão marcar presença nas I Jornadas sobre a Perda Gestacional. “Procuramos colmatar um problema que encontramos no nosso país: poucas são as respostas para quem pesquisa no Google por perda gestacional ou neonatal ou temáticas relacionadas. Partilhamos informação sobre perda gestacional e neonatal e procuramos dar apoio a quem passa por esta perda. Recebemos e partilhamos testemunhos de mães que perderam os seus bebés e que, desta forma, para além de os homenagearem, podem também ser apoio para outras mamãs de colo vazio”, pode ler-se no site do “Amor para além da Lua”.
O projeto auxilia ainda os pais na criação de uma “caixa de memórias”, fornecendo alguns materiais para esse efeitos. “Esta iniciativa destina-se aos casais que passaram por uma perda gestacional ou neonatal para que possam recolher e guardar memórias dos seus bebés sobretudo no hospital. Poder guardar memórias é uma forma de ajudar pais e mães a fazerem o seu luto e terem um espaço de homenagem e onde podem recordar o seu filho(a)”, explica a “Amor para além da Lua”no site.
dnot@dn.pt