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Direitos reservadosResponsáveis da junta de freguesia denunciaram o alegado esquema de obtenção dos atestados de residência.

Penha de França. Moradores recebiam entre 10 e 60 euros para dar a sua morada a estrangeiros

Iam à junta de freguesia assinar pedidos de atestados de residência para estrangeiros e recebiam por isso. Alegada rede era liderada por um cidadão do Bangladesh com nacionalidade portuguesa.
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Recebiam de 10 a 60 euros para autorizar a utilização da sua morada na Penha de França num atestado de residência. Agora, estes moradores na freguesia lisboeta estão a ser julgados pelos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documento, casamento por conveniência, corrupção ativa e passiva e abuso de poder.

Crimes que o alegado líder da rede de auxílio à imigração ilegal, Ripon Hossain, disse não saber estar a cometer, esta terça-feira na primeira sessão do julgamento.

Ripon, que está a cumprir a medida de coação de prisão domiciliária, é uma das 30 pessoas acusadas em junho do ano passado pelo Ministério Público, sendo que 26 começaram ontem a ser julgadas. Das restantes, três vão ter de ser julgadas em separado pois as autoridades não conseguiram notificá-los da acusação e do início do julgamento, e uma delas já morreu.

Junta de freguesia faz denúncia

A investigação a esta alegada rede começou em 2022 após uma queixa apresentada pela Junta de Freguesia da Penha de França, depois de ter sido, como se pode ler na acusação do MP, detetado que existia "uma repetição constante das moradas indicadas por cidadãos estrangeiros aquando do pedido de atestado de residência, bem como a verificação de que os mesmos indivíduos constam como testemunhas em vários requerimentos de atestados de residência".

Este era um dos documentos de apresentação obrigatória para o pedido de autorização de residência em Portugal.

E é no esquema de conseguir esses documentos que, alegadamente, Ripon Hossain -- que é natural do Bangladesh e obteve a nacionalidade portuguesa em março de 2022 -- viu uma oportunidade de receber uma "contrapartida monetária", lê-se na acusação. Documento onde se explica que Ripon tinha como funções o "estabelecer o preço a pagar pelos serviços prestados e receber o mesmo, o qual variava consoante o caso concreto, sendo que o valor fixado para inscrição na Autoridade Tributária, Segurança Social e SAPA, contrato de trabalho forjado e atestado de residência poderia chegar aos dois mil e quinhentos euros".

Entre outras tarefas angariava testemunhas que iam à junta de freguesia atestar falsamente que os cidadão estrangeiros -- naturais do Bangladesh, Paquistão, Nepal e Índia -- residiam nas moradas indicadas.

Para manter a alegada rede, Ripon Hossain terá, de acordo com a acusação, contado com a colaboração de dois irmãos: Hafiz Sadikur Raham e Foysal Ahmad, também naturais do Bangladesh.

Seria esta dupla que pagaria aos moradores da freguesia quantias entre os 10 e os 60 euros para assinarem os documentos do pedido do atestado de residência.

De acordo com o Ministério Público quando a procura dos serviços deste trio começou a aumentar e muitas das moradas já eram referenciadas pela junta, os mesmos decidiram procurar "cidadãos portugueses, residentes na referida freguesia, que não possuíam grandes rendimentos e passavam muito tempo no café existente nas imediações da junta de freguesia".

Neste caso os pagamentos variavam entre os 5 e os 60 euros para comparecerem na junta assinarem o requerimento dos atestados de residência.

Pagamentos entre os 110 e os 14 mil euros

Ontem, em tribunal, e segundo a Lusa, o luso-bangladeshi contou que, entre 2016 e 2021, explorou um restaurante em Lisboa, e que, depois de este fechar devido à pandemia de covid-19, regressou por seis meses ao país natal, tendo em seguida voltado a Portugal.

Terá sido nessa altura que, por sugestão de um dos arguidos que está por notificar, começou "a trabalhar na Junta, a entregar a sua morada" a "pessoas do Bangladesh", cerca de 1300.

"Havia pessoas que não tinham morada, porque viviam em hostels e pensões", justificou, acrescentando que recebia entre cinco e dez euros de cada vez que fornecia o endereço.

"Se alguma recebesse cartão de residência, então recebia 50 euros ou um pouco mais", admitiu.

Ainda segundo a acusação este esquema para obter atestados de residência contava com a colaboração de um funcionário da Junta de Freguesia, que alertaria um dos intermediários sempre que uma das moradas usadas se tornava suspeita.

O funcionário terá sido o único a não lucrar com o negócio, enquanto os restantes terão obtido, entre janeiro de 2020 e julho de 2023, de 110 a 14 850 euros.

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