O OE 2025 para a Saúde é o mais elevado de sempre, quase 17 mil milhões de euros. São mais 9% do que em 2024, como economista especialista nesta área como classifica este OE? Pode fazer a diferença em relação aos passados? Em que aspetos?Posso dizer que, em linha com os últimos anos, continua a haver um reforço substancial do orçamento inicial para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). É por isso um orçamento generoso no crescimento. Contudo, a ausência de detalhe sobre onde será utilizada a verba (porque não há um orçamento detalhado para o SNS) impede uma apreciação mais concreta sobre a sua adequação ou não. Nos últimos dois anos era de esperar que ocorresse uma melhoria dos serviços prestados pelo SNS, e a eliminação do problema dos pagamentos em atraso aos fornecedores, que se arrastam no tempo. Mas não há um abrandar dos problemas mais visíveis do SNS. Apesar de terem sido registados alguns sinais positivos quanto aos pagamentos a fornecedores nos primeiros nove meses de 2024, onde o crescimento dos pagamentos em atraso foi menor, face aos mesmos meses do ano anterior. Por isto, não é claro se as dificuldades existentes no SNS decorrem do aumento da procura dos seus serviços, ou se decorrem de menor eficiência na despesa realizada. Na minha opinião, mais importante do que o valor da verba para o SNS será o estabilizar-se o funcionamento das novas Unidades Locais de Saúde (ULS) que entraram em funcionamento no início de 2024..O grosso do OE para a Saúde sai dos impostos dos portugueses, como especialista considera que há outras fontes de receitas onde o Estado poderia ir buscar dinheiro para financiar o setor?O financiamento do SNS, para ser realizado de forma solidária e com equidade no financiamento - ou seja, quem tem maior capacidade de pagamento contribui proporcionalmente mais, tem nos impostos a melhor fonte de financiamento. A contribuição de acordo com o risco penalizaria as pessoas mais vulneráveis. E uma contribuição segundo o rendimento seria uma duplicação e fragmentação de fontes de rendimento. No caso do financiamento do SNS, não há motivo para haver fragmentação de fontes de financiamento..A eficiência do SNS depende só das verbas que pode gerir?A falta de dinheiro, no sentido em que as verbas atribuídas a cada ano às instituições do SNS são insuficientes para darem resposta ao movimento assistencial que delas se espera, é geradora de ineficiência e de disfuncionalidades, que acabam por se transformar em mais despesa, depois paga com transferências extraordinárias. Dou-lhe dois exemplos concretos de como a falta de dinheiro atribuída inicialmente se pode transformar em mais despesa por ineficiência. Primeiro, sabendo que as verbas atribuídas não serão suficientes para assegurar o funcionamento nos 12 meses do ano, a gestão da instituição irá preocupar-se com uma gestão que lhe permita conseguir verba adicional, e isso tira-lhe tempo e atenção à gestão propriamente dita. Segundo, as entidades (fornecedores) que esperam receber tardiamente, naturalmente, pedem preços superiores para os seus produtos e serviços do que se recebessem dentro dos prazos estabelecidos, gerando dessa forma despesa superior..A despesa com pessoal no SNS é das maiores de sempre também (7,09 mil milhões de euros, 41,8% do total, com um aumento de 425 milhões de euros em relação a 2024), sendo que uma boa parte destina-se ao pagamento de horas extras dos profissionais, como médicos e enfermeiros, ou horas pagas por prestação de serviço. O Estado ganhava mais em satisfazer as reivindicações dos profissionais para os fixar no SNS em vez de apostar nestas medidas?O pagamento de horas extra é certamente pior do que fixar os profissionais de saúde, sobretudo quando essas horas extra são usadas para necessidades permanentes de tempo de trabalho desses profissionais. O SNS terá certamente a ganhar por reduzir essa dependência do trabalho extra. Mas, provavelmente, satisfazer todas as reivindicações dos profissionais, tal como normalmente transmitidas pelos sindicatos, acabaria por levar a maior despesa global. Contudo, estou convicto que é adequado e possível reduzir a dependência das horas extra no SNS com vantagem para todas as partes, com uma solução que passe pela remuneração, condições de trabalho, flexibilidade de envolvimento e perspetivas de futuro oferecidas aos profissionais..Outra fatia grande do OE é a que se destina à aquisição de bens, como medicamentos, para poder dar aos utentes as terapêuticas mais inovadoras. Há alguma forma de o Estado poder controlar estes custos?Atualmente, já existem mecanismos que procuram limitar o crescimento desses custos na adoção de medicamentos inovadores com pedidos de preços elevados. A revisão destes processos, de forma a aumentar a capacidade de controlar custos, deve basear-se em ações coordenadas entre os vários países, dado o contexto internacional da inovação terapêutica. Mas, além de se controlar os preços de novos produtos, deve haver um trabalho de avaliação às terapêuticas para se saber se trazem pouco valor terapêutico acrescentado, se trazem devem ser retiradas do financiamento público, sendo preciso definir adequadamente as condições de uso dos novos medicamentos. Ou seja, além da inovação terapêutica é necessário alguma inovação nos mecanismos de determinação de preços e de acesso dos doentes, para que seja possível satisfazer o difícil balanço de três elementos: acesso dos doentes às terapêuticas mais inovadoras (as que trazem maior capacidade terapêutica adicional face ao que existe), capacidade de pagamento dos sistemas de saúde, e inovação dirigida para onde há mais necessidade..O SNS vive uma crise de renovação de quadros. Os profissionais sentem-se cada vez mais insatisfeitos. Como economista considera que este problema só afeta Portugal ou também sistemas públicos de outros países? A razão terá a ver com a mudança da sociedade, com as novas gerações de profissionais?Há várias estimativas, incluindo da Organização Mundial de Saúde / Europa (OMS), que apontam para a falta de profissionais de saúde no espaço europeu e no espaço mundial. Para a Europa, esses valores apontam para que, em 2030, faltem cerca de um milhão de profissionais de saúde, incluindo médicos e enfermeiros. Portugal, apesar de todos os problemas que atualmente são sentidos no SNS, não é dos países com menor densidade de profissionais de saúde por habitante. Assim, é de esperar, e em termos de mobilidade internacional, que Portugal venha a ser um país de emigração de profissionais para outros países europeus (o que tem vindo a acontecer). O problema não tem só a ver com as novas gerações de profissionais de saúde (embora seja claro que estas pretendam um equilíbrio de vida profissional e pessoal diferente do das gerações passadas), mas também com as saídas por reforma de muitos profissionais de saúde. E, mais uma vez, Portugal não está pior que muitos outros países europeus, segundo os dados da OMS/Europa). Contudo, em Portugal, temos de ter em conta que o SNS não tem conseguido recrutar por forma a conseguir ter a capacidade assistencial que a procura dos seus serviços requer. Além das dinâmicas de entrada (formação) e saída (reformas, emigração) de profissionais de saúde há também a necessidade de uma gestão e de um relacionamento diferentes do SNS com os profissionais de saúde..Refere as Unidades Locais de Saúde, considera que esta organização é melhor para o sistema e para os utentes?Só o futuro o dirá. Do que sabemos da existência das ULS em Portugal (e é de referir que a primeira ULS criada no país completa este ano 25 anos), é que ser apenas ULS na forma jurídica não é suficiente para dizer se compensa, ou não, ao Estado e aos utentes. É um modo de organização que tem potencialidades de funcionar melhor. Além disso, houve simultaneamente uma passagem generalizada para o chamado modelo B das Unidades de Saúde Familiar. Portanto, cabe a quem está à frente destas unidades, a quem coordena a relação entre estas, a quem define os pagamentos e enquadramentos económico-financeiros e a quem deve assegurar o equilíbrio geral do sistema de saúde conseguir fazer com que compense. Quando houver informação mais detalhada sobre o primeiro ano de funcionamento do SNS em formato em ULS, com os cuidados de saúde primários maioritariamente organizados em unidades de saúde familiar modelo B, já poderemos ter uma visão mais correta sobre os efeitos desta transformação..anamafaldainacio@dn.pt