Como se explica que a nova Lei dos Solos não tenha previsto o risco de incêndio rural como fator de exclusão da reclassificação dos solos urbanos?A revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJJIGT) não atende ao risco de incêndio rural porque conta remeter para terceiros - os contribuintes e os proprietários dos solos urbanos adjacentes aos novos solos urbanos - os encargos desta escolha. Se a prevenção e combate a incêndios não estivesse sobretudo a cargo do erário, haveria menos pessoas interessadas em construir edifícios isolados no solo rústico. E como é que esta situação se alinha com uma estratégia de reordenamento da floresta, do ponto de vista da valorização dos produtos florestais e da prevenção dos incêndios?Esta lei não se alinha de todo com o reordenamento da floresta; antes pelo contrário, desclassifica o aproveitamento silvícola do território, ao tornar todo o solo rústico em terrenos putativamente urbanizáveis, sujeitos a pressões especulativas contra as quais os investidores agro-florestais nada podem fazer.Tem conhecimento de que cerca de 80% dos cerca de 138 mil hectares ardidos em 2024 estava classificada com perigosidade alta e muito alta e que a reconstrução de edifícios ardidos é, em boa parte, feita, nos mesmos locais, como demonstra a localização das casas reconstruídas depois dos fogos de 2017? O que de conclui daqui e o que está a falhar?Está a falhar a tributação do imobiliário como instrumento disciplinador dos usos do solo. Uma casa isolada em espaço rústico onera duas a seis vezes mais o erário para despesas de infraestruturas públicas do que uma casa agrupada em espaço urbano. Se as casas isoladas fossem tributadas na direta proporção da despesa que impõem às finanças públicas não haveria tanto interesse em manter casas no campo cujos encargos extraordinários de saneamento, rede viária, energia e defesa contra incêndios correm por conta de todos. As associações ambientalistas deviam ter sido ouvidas neste processo legislativo? Que alertas teriam dado?As associações ambientalistas deveriam ter sido ouvidas - de facto, solicitaram audiência ao sr. Presidente da República, mas não obtiveram resposta. O Conselho Nacional para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), órgão consultivo que por Lei deveria ter sido auscultado, emitiu o seu parecer sem que tivesse sido sequer considerado pelo Governo ou pela Assembleia da República, apesar de a isso serem obrigados. Não houve diálogo nem o legislador mostrou qualquer consideração pela sociedade civil neste processo.O que ainda pode ser feito?O sr. Presidente da República poderia - e deveria - remeter para tribunal constitucional tanto o Decreto-Lei n.º 177/2024 como o “Simplex Urbanístico” de janeiro de 2024. De qualquer forma, a melhor e mais eficaz medida que poderia ser feita seria a revogação liminar da figura dos loteamentos privados criada pelo Decreto-Lei n.º 46673, de 29 de novembro de 1965, que ainda hoje vigora sob outro diploma, e que causou o caos urbanístico dos últimos sessenta anos. .849 casas ardidas em 2017 reconstruídas em zonas de alto perigo de incêndio. Lei dos solos ignora risco