Patrões com mais rapidez para contratar imigrantes, mas alertam: Governo não pode usar “desculpas” e falhar
Esperança no futuro, rejeitar um regresso ao passado e um recado muito claro e direto ao Governo marcaram a assinatura do acordo entre patrões e o Estado para a contratação mais rápida de imigrantes. “Não poderá haver desculpas para o seu incumprimento, nem mesmo a da falta de trabalhadores da Administração Pública, que terá estado instada já nesta data para dar resposta àquilo que o texto prevê”, alertou Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), no discurso que fez em representação de todas as confederações patronais no evento, que contou com a presença do primeiro-ministro Luís Montenegro e vários ministros.
Na mesma mensagem, o presidente da CAP fez um resumo do que foi Portugal num passado de pouco mais de dez anos nesta matéria. “A partir de 2014, os trabalhadores estrangeiros foram confrontados com limitações da Administração Pública para lidar com questões funcionais, burocráticas e legais que permitissem a esta categoria de trabalhadores exercer a sua atividade laboral e residir em Portugal”, disse Mendonça e Moura. “O Estado, como todos sabemos, tem explicado a situação com a falta de recursos humanos, nomeadamente os afetos aos postos consulares. Sabemos bem que, em muitos casos, tal corresponde à realidade. Sabemos também, porém, que não foi por falta de aviso que tal sucedeu”, alertou o presidente da CAP.
Manoel Reis, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), em declarações ao DN, concorda e diz que desculpas não serão aceites. “A parte do Estado, naturalmente, têm de fazer o seu trabalho e eu acho que é fundamental a exigência de que isso funcione”, afirma.
E como será na prática?
O DN teve acesso ao protocolo e conversou com fontes envolvidas no processo, que garantem que o acordo vai funcionar. Peça fundamental é a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP), dirigida pelo embaixador Luís Almeida Ferraz, no cargo desde 2021. Será a DGACCP a receber os pedidos das empresas e a enviá-los, no prazo de dois dias úteis, ao posto consular correspondente.
A mesma entidade possui a obrigação de “garantir que os postos consulares procedem ao agendamento prioritário dos requerentes de visto ao abrigo do presente Protocolo”, ou seja, estes cidadãos terão prioridade em relação aos demais requerentes de visto. É também a direção-geral que precisa “diligenciar pela celeridade da decisão final”, num prazo máximo de 20 dias, a contar do dia em que o cidadão esteve no posto para atendimento e que disponibiliza “os meios humanos necessários”.
O DN sabe que os 50 técnicos recém-contratados terão como prioridade o atendimento a estes casos, inclusive, com a possibilidade de viajar até aos postos consulares por todo o mundo, em que exista uma alta procura. Fonte ligada ao processo também garante que os vistos já vão chegar com um agendamento apontado na Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) - algo previsto há anos, mas que não funciona na prática.
Atualmente, esta é uma dificuldade geral enfrentada por qualquer pessoa que chega a Portugal com um visto e precisa de ir à AIMA para trocar o carimbo no passaporte pelo documento. Existem diversos processos judiciais contra a agência para conseguir o agendamento, ou seja um gasto-extra com advogado além do investimento no visto. A mesma fonte garante que “em meados de junho” a sobrecarga na agência será menor, o que permitirá mais horários de atendimentos para quem chega com visto.
Em resposta ao DN, o gabinete do ministro da Presidência António Leitão Amaro refere que “em simultâneo, a AIMA está também a ser restruturada. A resolução de pendências enquadra-se no plano de “aliviar” a agência de uma pressão que foi criada pelo acumular de processos decorrentes de um regime extinto por este Governo no ano passado: a Manifestação de interesse. Estando esse processo a acabar, a AIMA está hoje incomparavelmente mais capaz do que há um ano e poderá, assim, responder mais rapidamente à concessão de autorizações de residência decorrentes dos vistos emitidos ao abrigo deste Protocolo”.
Atrasos são a regra em alguns postos
No Brasil, os requerentes de visto fora deste acordo, como o de procura de trabalho e reagrupamento familiar, temem que o processo fique ainda mais lento. Há casos em que o pedido de visto de procura de trabalho está parado há nove meses. A demora causa prejuízos financeiros e logísticos aos cidadãos, porque alguns dos documentos obrigatórios têm data de validade, além da necessidade de remarcar constantemente passagens aéreas e hospedagem, obrigatória para aprovação do visto.
Desde o fim das Manifestações de Interesse, em junho do ano passado, os postos consulares ficaram ainda mais sobrecarregados. A situação ficou agravada este ano, com protestos dos requerentes em diversos postos e uma greve de funcionários generalizada durante praticamente todo o mês de março. Uma nova reunião com o Sindicato dos Trabalhadores Consulares, Missões Diplomáticas e Serviços Centrais (STCDE) está marcada para esta quarta-feira.
Responsabilidades dos patrões
Se os patrões foram claros ao lembrar ao Governo que tem de cumprir a parte do acordo, as confederações também precisam assegurar uma série de requisitos: contrato de trabalho, seguro de viagem e de saúde, formação profissional, ensino da língua portuguesa e “alojamento adequado”, sem especificar detalhes. Segundo Manoel Reis, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), o tópico de alojamento “naturalmente não é um problema no setor da construção civil”.
Do lado dos futuros funcionários, existe a obrigação de respeitar o acordo e trabalhar no território nacional, ou seja, não utilizar o visto para prestar serviço noutro países europeu. Esta é também uma preocupação dos patrões. “Para nós é muito importante a retenção desses trabalhadores. Estamos neste momento muito atentos, digamos, à criação desse dinamismo para que o trabalhador fique cá nas empresas”, explica Manuel Reis. No setor da construção civil a estimativa é de que faltam 80 mil trabalhadores. Na restauração, faltam mais 50 mil, estimam as associações do setor.
A política
A assinatura do acordo foi realizada com ar de importância: numa sala nobre do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a presença de Luís Montenegro, ministros e convidados nem sempre presença confirmada em eventos deste género, como o diretor da Polícia Judiciária, Luís Neves, e académicos que estudam o tema das migrações.
O primeiro-ministro repetiu o discurso que tem sido dito desde o início do Governo. “Nós partimos de um ponto muito problemático. Vamos falar claro: tivemos nos últimos anos uma política de irresponsabilidade no domínio da imigração”, afirmou, considerando que “a falta de controlo” resultou na diminuição da capacidade de integração e numa “menor sensibilidade humanista”.
Montenegro referiu a importância dos imigrantes, apesar de quem o ter feito de maneira mais contundente no evento ter sido Álvaro Mendonça e Moura. “Sem a vinda destes trabalhadores, teria sido impossível que Portugal tivesse registado os níveis de crescimento que se verificaram desde 2014. E este ponto eu quero sublinhar e é muito importante que todos nós o compreendamos.”
amanda.lima@dn.pt