O Parque Natural da Arrábida vai para lá das zonas de praia.
O Parque Natural da Arrábida vai para lá das zonas de praia.

Parques naturais. Entre a pressão do turismo e o desinteresse político

Existem 13 zonas em Portugal continental classificadas como parques naturais. Na opinião de ambientalistas, a aposta deve ser nos que já existem, admitindo o alargamento de alguns, e não criar novos. Sudoeste Alentejano, Ria Formosa e Arrábida estão entre os que mais preocupam.
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Foi em 1999 que ficou estipulado que 24 de maio passaria a ser o Dia Europeu dos Parques Naturais, numa homenagem à criação dos primeiros parques da Europa, nascidos na Suécia em 1909. Em Portugal, foi preciso esperar até 17 de julho de 1976 para surgisse o Parque Natural da Serra da Estrela, o mais antigo e também a maior área protegida do país. Atualmente, em Portugal continental, existem 13 áreas classificadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) como parques naturais. A região norte, com quatro, é mais representada, seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (três), Centro, Alentejo e Algarve (com dois cada).

No nosso país existem várias categorias de áreas protegidas e que vão desde Parque Nacional - existe apenas um, o Peneda-Gerês -, Reserva Natural (como as Berlengas ou o Estuário do Tejo), Paisagem Protegidas (são duas, a arriba fóssil da Costa de Caparica e a Serra do Açor), Monumento Natural (como as Portas de Ródão ou o Cabo Mondego) e, finalmente, os Parques Naturais. No total, as áreas protegidas portuguesas ocupam cerca de 9% do território nacional. O que define um parque natural, de acordo com o Regime Jurídico da Conservação da Natureza, é ser uma “área que contenha predominantemente ecossistemas naturais ou seminaturais, onde a preservação da biodiversidade a longo prazo possa depender de atividade humana, assegurando um fluxo sustentável de produtos naturais e de serviços”, sendo que a sua classificação como tal tem como objetivo “a proteção dos valores naturais existentes, contribuindo para o desenvolvimento regional e nacional, e a adoção de medidas compatíveis com os objetivos da sua classificação”. Entre estas medidas estão “a promoção de práticas de maneio que assegurem a conservação dos elementos da biodiversidade, a criação de oportunidades para a promoção de atividades de recreio e lazer, que no seu caráter e magnitude estejam em consonância com a manutenção dos atributos e qualidades da área e a promoção de atividades que constituam vias alternativas de desenvolvimento local sustentável”.

Linguagem jurídica à parte, e segundo Paulo Lucas, coordenador da área da Biodiversidade da associação ambientalista Zero, “nos últimos anos tem havido um desinteresse da política pública relativamente à conservação dos parques naturais”. “Há aqui uma lógica de um olhar muito central na chamada valorização, que tem muito a ver com as questões da valorização turística dessas áreas, o que não é necessariamente mau, mas os nossos autarcas continuam a ter uma visão destes espaços muito virada para turistas. E isso traz um conjunto de problemas, de pressões sobre estas áreas, e muito do investimento que está a ser feito, nomeadamente com dinheiros do Fundo Ambiental, está a ser canalizado para este tipo de atividades, de promoção turística, de promoção de festividades, e outras coisas do género. O que nós precisávamos era de ter uma política de restauro dos nossos habitats e de recuperação das nossas espécies”, prossegue.

“Muitos parques naturais já têm os seus planos de gestão, outros não têm ainda, mas independentemente de terem ou não, a questão é que. muitas vezes, na prática, esses planos não são aplicados e acaba por haver uma subjugação, digamos assim, a alguns interesses conforme as regiões”, acrescenta Alexandra Azevedo, presidente da Quercus, dando como exemplos o caso da monocultura do eucalipto e a exploração de pedreiras. No que diz respeito à gestão, esta semana foi anunciado pelo ICNF que ficaram concluídos os planos de cogestão nas cinco áreas protegidas do Norte, após um processo de dois anos - o parque nacional da Peneda-Gerês e os parques naturais do Douro Internacional, de Montesinho, do Alvão e Litoral-Norte.

Na opinião destes dois ambientalistas existem parques naturais mais pressionados por estas ameaças, como o Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, a Arrábida ou a Serra da Estrela, mas não só. “Tudo o que seja litoral está, neste momento, fortemente pressionado. Há um problema de pressão do turismo e agricultura intensiva no Sudoeste Alentejano. Na Ria Formosa há um excesso de ocupação turística - já devíamos estar a renaturalizar aquele ecossistema lacunar todo para ele ficar mais produtivo e protegido. Temos também problemas na Arrábida, com projetos imobiliários turísticos e pedreiras em grande dinâmica. E Sintra-Cascais é uma zona complicada, com muita gente à volta”, enumera Paulo Lucas. “Há também a questão das estradas no Montesinho, em que vai haver um investimento no acesso a Espanha. E a própria Serra da Estrela tem pressões para se construir ali a barragem das Cortes e de haver outros investimentos para mais barragens”, acrescenta o representante da Zero. 

Falando ainda da Serra da Estrela, Alexandra Azevedo recorda o incêndio de agosto de 2022, que devastou 28 mil hectares na região, 25% dentro do parque natural, “e cujas proporções gigantescas tiveram exatamente a ver com o tipo de coberto e de gestão que é feito no parque”. “O pinheiro ocupa uma grande área e, a seguir ao incêndio, o que vai acontecer é favorecer a regeneração de giestal, por exemplo, e de urzais, que são espécies que ardem com ainda mais facilidade, e assim começa a gerar-se um ciclo vicioso”, alerta a presidente da Quercus.

Do lado oposto estão parques naturais que podem ser vistos como exemplos a seguir, como o Tejo Internacional e o Douro Internacional, mas também o Vale do Guadiana, “onde há um fortíssimo investimento de proteção do lince ibérico, proteção de grande predadores como águias, mas também aves necrófagas como os abutres”, refere Paulo Lucas, sublinhando que “estes parques lançam-nos uma esperança sobre aquilo que está a ser feito em Portugal continental”.

Quanto à possibilidade de o nosso país ter mais parques naturais, os dois ambientalistas são unânimes em defender que “é preferível fazer uma aposta prioritária nas áreas que já existem, quando as que já temos não estão a ser bem geridas”, como diz a presidente da Quercus, com o coordenador para a Biodiversidade da Zero a sublinhar que “temos necessidade de alargar parques naturais e de mais parques naturais marinhos”, lembrando que recentemente foi classificado o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve-Pedra do Valado. Quanto aos terrestres, a aposta é no alargamento nos parques naturais do Vale do Guadiana, do Tejo Internacional, mas também da Serra de Aires e Candeeiros. “Este último já tem acordo com as autarquias, por isso é simples de resolver, e podia avançar imediatamente. É um alargamento a leste do parque, à zona da ribeira da Bezelga, concelhos de Torres Novas e Ourém, e, pelo que nos é transmitido, há consenso”, refere Paulo Lucas.

ana.meireles@dn.pt

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