Palavra a palavra salvam-se golfinhos no Sado
Vinte e sete golfinhos nadam livres entre a Reserva Natural do Estuário do Sado, a Costa de Troia e o Parque Marinho Professor Luiz Saldanha. Coral, o mais novo, tem um ano. Ligeiro, Hook e Raíz, os anciões, têm quarenta anos. Descendem de uma colónia que já teve mais de cem golfinhos e estão a ser salvos através das palavras que a Troia Natura S.A., em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), lançam entre os navegadores da região, de junho a setembro.
Palavras que começaram a circular no Sado há oito anos, através de um "Código de Conduta", desenvolvido ao abrigo do projeto "Proteger os Golfinhos". Uma magna carta da navegação que dita regras de boa convivência entre humanos e golfinhos e entre 2019 e 2020 chegou a mais de 20 mil navegadores. Acompanhada pelas engenheiras do ambiente Ana Cristina Falcão e Célia Ferreira, o Diário de Notícias subiu a bordo e descobriu como estas palavras evitam uma crise ambiental.
Entre as máximas está o dever de não ser permitida a aproximação aos golfinhos a menos de 30 metros; não nadar com eles, alimentá-los ou tocá-los; não isolar crias; evitar ruídos junto dos grupos ou navegar de forma de errante; deixar espaço livre para que os animais se possam deslocar.
O compromisso foi assumido pela SONAE no início dos anos 2000, como contrapartida ambiental pela construção da marina de Troia e do novo cais. Hoje é colocado em prática pela Troia Natura com o apoio científico do ICNF e financiamento da Atlantic Ferries.
Da viagem de catamarã entre Setúbal e Troia, dez cêntimos revertem a favor dos golfinhos. Um valor que representa muito pouco no lucro total da Atlantic Ferries. Afinal, cada viagem de Setúbal para Troia custa 7,75 euros e, só entre junho e setembro, são transportados centenas de passageiros por dia. Ainda assim, através desta ajuda, o "Proteger os Golfinhos" já contou com um financiamento de cerca de 100 mil euros.
"Um projeto único no país", orgulha-se Célia Ferreira, seja "pelo investimento, pela longevidade, ou pelo facto de ser essencial no equilíbrio negócio-ambiente. Ao serviço da Troia Natura, Célia Ferreira arrisca mesmo a dizer que a observação não será um elemento totalmente negativo, "porque sem ela as pessoas conheciam menos, não criavam laços tão fortes com os golfinhos e ajudavam menos a protegê-los".
Ana Falcão, é mais cética. Para a engenheira ambiental do ICNF "amar os golfinhos tem sido fácil". Difícil continua a ser "garantir que continuam em segurança no Sado".
Quando o "Proteger os Golfinhos" começou a ir e vir com as marés observavam-se sinais crescentes de stress na comunidade. A causa era ao aumento da atividade marítimo-turística.
Tráfego marítimo sempre houvera, "mas não com este interesse pelos golfinhos, com esta curiosidade de estar demasiado próximo", explica Ana Falcão.
Hoje, o tráfego no Sado continua a ser a principal ameaça, seguido da qualidade da água e poluição sonora e da pesca por arrastão. Riscos que deixam estas defensoras dos roazes-corvineiros em alerta e insistentes junto de navegadores particulares, que abordam com a ajuda de vigilantes.
Na baía de Setúbal, a equipa que passa oito horas por dia a dar a conhecer o "Código de Conduta", alcança dezenas de navegadores como os sintrenses Laura e Luís.
O casal de 64 anos navega no Sado há cinco anos e mantém-se atento às regras. Não vem para a região com o objetivo de procurar os golfinhos, mas reconhece a importância de "conhecer mais sobre a colónia e os modos mais seguros de a abordar".
A última vez que tiveram um encontro casual com os roazes foi na zona do Portinho da Arrábida e, de ensinamentos que já haviam obtido em conversas anteriores com os vigilantes, pareceu-lhes que "estavam a caçar, com uma formação em triângulo". Evitaram ao máximo perturbar o grupo e ficaram "fascinados" a observar "a forma como comunicavam uns com os outros".
Para os jovens vigilantes Alexandre e Sofia, este casal é um bom exemplo do impacto das palavras do "Código de Conduta". Mas, também há "quem despache a equipa e diga que já sabe tudo o que precisar saber, quem ignore as distâncias a respeitar e quem conheça e não respeite". Por isso, a dupla defende que "há dias em que as palavras precisam de uma ajuda extra, seja dos gestos de cada um ou da lei".
Os vigilantes e primos representam a geração mais nova de uma família de pescadores e vêm no rio e seus habitantes "um bem comum que é preciso preservar, antes que o lixo e os barcos tomem conta de tudo".
No futuro, esperam que as pequenas conquistas ambientais do Verão cresçam e tragam, "talvez, mais golfinhos ao Sado".
Fernando Mendes, pescador setubalense com 60 anos de experiência chegou a ver cem golfinhos a nadarem no Sado e tem dúvidas de que palavras "sejam o suficiente" para salvar o que resta da colónia. Aponta o dedo ao "negócio super-explorado da observação de golfinhos", alimentado pelas empresas de turismo que perseguem os animais. E à "fatal" pesca de arrastão, que leva o alimento dos golfinhos ou mata-os com as redes.
O mestre de terra da "Mãe de Jesus", última embarcação de Setúbal dedicada à pesca da sardinha, não esquece o golfinho que chegou a ver exposto nas bancadas do Mercado do Livramento, "vendido à posta como se fosse peixe agulha ou atum". Era comum nos anos 60, quando apenas com dez anos começou a andar na faina. E assim foi até "ao início dos anos 90", até que as leis "apertaram ou começaram a ser aplicadas". Afinal, desde 1981 que o decreto-lei n.º 263/81 proíbe a pesca, captura ou abate do roaz-corvineiro nos estuários e na Zona Económica Exclusiva Continental.
Em Setúbal já não se come golfinho "pelo menos que se saiba", diz o mestre que a idade colocou em terra a tecer redes. Ficaram as memórias de quando "aqueles cem" nadavam ao lado dos barcos de pesca e "quase entravam lá dentro, para vir comer à mão". Agora? "Os golfinhos fogem" da pesca intensiva e dos barcos errantes e velozes da atividade marítimo-turística.
Se uma grande comunidade voltará a nadar no Sado? "Para a época em que vivemos, com a forma como tratam o Sado e número de barcos que circulam sem restrições, esta comunidade já é grande".
As embarcações de recreio multiplicaram-se no Sado, "sem grande regulamento que impeça que continuem a ser registadas mais e mais". E imagens como a que Fernando Mendes viu, há poucos dias, na zona de Troia, "com dez barcos parados ao redor de quatro golfinhos", são cada vez mais comuns.
O pescador está certo de que "por muito que se fale e eduque, com um "Código de Conduta" a ganância do negócio falará sempre mais alto". Ela será a causa de os golfinhos morrerem" e deveria "ser travada com legislação mais dura".
Contra barcos, poluição e pesca por arrastão a colónia de golfinhos roazes-corvineiros do Sado está a renovar-se, com dois a três nascimentos por ano e um sobrevivente.
Depois de quatro décadas com uma taxa de mortalidade infantil de 100%, a engenheira ambiental do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, Ana Cristina Falcão, está confiante na sobrevivência dos roazes que desde 2008 integram a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza. Mas, apesar do crescimento da colónia, estima que "não se voltará a ver cem golfinhos a nadar no Sado".
De acordo com estudos feitos pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, financiados através de empresas do grupo SONAE, como a Troia Natura S.A., as causas da mortalidade podem já não estar tão associadas à poluição, ou à pesca, "mas a questões genéticas, por falta de cruzamento com outras colónias, ou até devido a desencontros entre as crias e as mães".
É frequente juvenis saírem para alto mar e desaparecerem. Nesses casos provavelmente morrem, "porque precisam do leite das mães, pelo menos, durante o primeiro ano e meio de vida". Também há adultos a saírem para alto mar, mas, nesses casos, o regresso às raízes do Sado é quase sempre garantido, "mesmo que passem dois anos, ou até mais tempo".
Evitar mudanças bruscas de velocidade, direção e sentido da embarcação.
· Não exceder a velocidade de deslocação dos golfinhos.
· Manter um rumo paralelo e pela retaguarda dos golfinhos, de modo a que estes tenham um campo livre de 180º à sua frente.
· Posicionar embarcação num sector de 60º à retaguarda dos golfinhos.
· Evite ruídos na proximidade dos roazes.
· Estar atento à aproximação de outros golfinhos.
· Não permanecer mais de 30 minutos próximo a um grupo de golfinhos.
· É proibida a aproximação ativa a menos de 30 metros de qualquer golfinho, a menos que este se aproxime voluntariamente.
· É proibida e permanência de mais de três embarcações num raio de 100 metros em redor dos golfinhos.
· É proibido perseguir ou provocar a separação de grupos de golfinhos, especialmente o isolamento das crias.
· É proibido alimentar, tocar e nadar com os golfinhos.
· É proibida a aproximação aos golfinhos cuja proximidade à costa condicione os seus movimentos.
· É proibida a utilização da marcha à ré na proximidade de um grupo de golfinhos, salvo em situações de emergência.
· É proibida a utilização de jet-skis, motos de água e veículos afins na observação de golfinhos.
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