Países retomam vacina da AstraZeneca, mas têm de reforçar confiança da população

A Agência Europeia de Medicamentos concluiu que a vacina é "segura e eficaz" e que "há mais benefício do que risco" na sua toma. Os países que a suspenderam vão retomá-la nos seus planos. Portugal começa já na segunda-feira, mas as investigações aos casos detetados vão continuar, e EMA quer um alerta para este risco durante a vacinação.

O Comité de Avaliação dos Riscos em Farmacovigilância chegou a uma conclusão clara na investigação dos casos de coágulos sanguíneos: esta é uma vacina segura e eficaz", declarou a diretora executiva da EMA, Emer Cooke, na videoconferência de imprensa realizada logo a seguir à reunião, na sede do regulador, em Amesterdão. Para alguns especialistas, esta decisão era a esperada, tendo em conta a evidência científica existente relativamente à vacina da AstraZeneca para outros o trabalho a fazer agora é redobrado, pois há que reforçar o nível de confiança das populações no processo de vacinação.

Os países que optaram por suspender a administração da vacina, cerca de 20 no espaço europeu, vão retomá-la. Portugal começa já na segunda-feira, segundo garantiu o coordenador da task force para a vacinação contra a covid-19, vice-almirante Gouveia e Melo, ontem à tarde, depois de ter sido conhecida a decisão da EMA. "Portugal vai retomar e acelerar o plano de vacinação", disse, acrescentando que os docentes e o pessoal não docente dos estabelecimentos de ensino retomam a vacinação no fim de semana de 27 e 28 de março.

Mas apesar de a EMA ter anunciado que concluiu que a vacina "é segura e eficaz" e que a sua toma "tem mais benefícios do que riscos", o processo da AstraZeneca parece não estar concluído, porque, ao mesmo tempo, a diretora executiva da agência anunciou que as "investigações vão continuar relativamente aos casos mais graves", que têm na base a formação de coágulos com risco acrescido para hemorragia. A continuação das investigações parece ser normal nestes processos, mas "pode causar alguma confusão à população". Mais ainda quando o regulador europeu defende a existência de um alerta durante a vacinação para a existência do risco que levou à suspensão da vacina.

Um alerta que o cientista do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes e membro da Comissão Técnica de Vacinação para a Covid-19, Luís Graça, diz ser necessário, tal como a necessidade de se continuar com as investigações. Recorde-se que na quarta-feira, o investigador e especialista em vacinas explicava também necessidade da suspensão da vacina e da avaliação aos casos detetados, argumentando que desta forma se estaria a proteger a população que pudesse estar em risco, no caso de se provar haver uma relação de causa entre a formação de coágulos e a vacina. Era o princípio da prudência ou da precaução que estava a ser aplicada perante uma situação de suspeita, a qual, por sua vez, reforçava, só foi detetada por haver um sistema de farmacovigilância que provou estar a funcionar.

Mas para o imunologista e ex-diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Manuel Santos Rosa, a suspensão por parte de apenas alguns países só veio abalar a confiança das pessoas. "Houve um abalo na confiança da população em relação a esta vacina. Por isso, digo que agora não basta retomar a sua administração, é preciso trabalhar a confiança da população." Acrescentando: "Esta situação colocou duas questões: uma é a necessidade de seguimento científico para se perceber se estes casos não se tornam mais frequentes com a continuidade da administração da vacina. A outra é mais complexa e tem a ver com a confiança das pessoas quanto à vacinação."

Para Santos Rosa, o processo de vacinação estava a correr bem. De uma forma genérica as pessoas estavam a confiar, mas este caso veio mostrar-lhes que não era assim e que algo estava a correr mal, defendendo, no entanto, que "não havendo razão de causa e efeito demonstrável, sendo muito poucos os casos graves em que foi detetada a formação de coágulos, não se deveria ter avançado para a suspensão da vacina por parte de um, dois, três ou até 20 anos. Esta foi uma decisão política dos países e não da ciência".

Suspensão da vacina foi decisão política de alguns países

Na sua opinião, salvaguardando que todos os fármacos, vacinas e medicamentos não estão isentos a 100% de efeitos adversos, dever-se-ia ter feito uma averiguação imediata e rápida à situação para depois se tomar uma decisão. A haver uma suspensão, "então deveria ter sido geral".

O professor de Imunologia sublinha, mais uma vez: "Depois da decisão da EMA, não basta levantar a suspensão da administração da vacina, há todo um trabalho de informação a fazer com as populações para reforçar a sua confiança no processo de vacinação, em concreto em relação a esta vacina."

Agora, reforça, e apesar da decisão do regulador europeu, "é muito natural que as pessoas questionem que vacina vão tomar e que alternativas têm. É uma coisa para a qual temos de nos preparar." Aliás, diz mesmo que situações como esta "têm de ser trabalhadas de forma honesta e transparente. Não basta levantar a suspensão da sua administração, é preciso tornar muito claro o que se passou, o cuidado que já há perante qualquer suspeita que se coloca num processo destes e o que é feito, pois isto pode dar confiança acrescida às pessoas".

O imunologista salienta ainda que "situações como esta fazem parte do histórico das vacinas. Ninguém pode pensar que vai ser vacinado e que está isento de riscos. Mas tem uma certeza, é que a percentagem desse risco é muito baixa. Ora, perante uma situação em que o benefício em relação ao risco é evidente, do meu ponto de vista, foi contraproducente tomar-se uma decisão que travasse que um número significativo de pessoas continuasse a ser vacinada", sublinhando: "Houve uma decisão política que se sobrepôs à ciência."

Portugal não foge à regra e, neste sentido, Santos Rosa defende que os profissionais de saúde devem estar preparados para responder a todas as perguntas feitas pela população. "É natural que surjam questões com a vacina da AstraZeneca, uma vacina clássica, à base de adenovírus. É natural que surjam questões quando aparecer a da Johnson & Johnson, que é só de uma toma, mas tem de haver confiança no processo que já provou ser protetor em relação à covid-19.

A EMA garantiu na tarde de ontem que "depois de uma investigação aos casos detetados, não foi encontrada uma associação entre a vacina e o aumento do risco de eventos tromboembólicos responsáveis pelos coágulos sanguíneos".

A diretora executiva da agência europeia repetiu várias vezes: "As pessoas podem confiar na vacina", reforçando que tais casos são os casos não desejados, mas que também não são "inesperados quando se vacina milhões e milhões de pessoas". Emer Cooke explicou: "O que o comité fez foi aumentar a consciencialização sobre este tipo de riscos, garantindo que eles passam a constar da informação relativa ao fármaco, chamando a atenção para estes possíveis efeitos secundários." O objetivo é que, a partir de agora, "seja mais fácil para os profissionais de saúde "detetar e mitigar eventuais efeitos secundários".

Na Europa, foram detetados cerca de 30 casos de formação de coágulos em mais de 11 milhões de vacinados. O aval da EMA surge um dia depois do da Organização Mundial de Saúde.

anamafaldainacio@dn.pt

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