Os segredos (que se podem revelar) do Maxime
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Os segredos (que se podem revelar) do Maxime

O espetáculo Secrets assinala este mês os 75 anos do espaço lisboeta, que foi palco de atuações de estrelas da música e do teatro e local de convívio de figuras do Estado Novo e personalidades das artes. Renovado há uns anos, mantém o lema: o que acontece no Maxime fica no Maxime.
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Foi cenário de filmes, palco de atuações de estrelas nacionais e internacionais, local de encontro de poderosos e notívagos e espaço de conspirações e partilha de segredos. Ao longo de 75 anos, com momentos altos e baixos, o Maxime marcou a vida boémia de Lisboa. “Daria um braço para poder ter lá passado uma noite”, admite João Macdonald, historiador que está a fazer um levantamento histórico sobre o cabaré da Praça da Alegria, acerca dos tempos áureos desta casa, no pós Segunda Guerra Mundial. Foi a pensar nesses dias de glória que, em 2018, após a compra do edifício, o Real Hotels Group inaugurou um hotel à sua imagem e voltou a dar alma ao cabaré.

O bar do Maxime. FOTO DR
O restaurante. FOTO DR

“Não quisemos deixar que a história caísse, que o legado se perdesse”, assegura Lúcia Marques, diretora-geral do boutique hotel. Numa alusão aos muitos segredos que aqui terão sido trocados, durante este mês está em cena o espetáculo Secrets, pelo grupo Voix de Ville, de Jaya Girão, que acontece às sextas-feiras, em que os convidados são desafiados a confessar os seus segredos em bilhetes entregues antecipadamente e que, depois, podem vir a ser lidos em palco. E, porque o que acontece no Maxime fica no Maxime, a identidade dos donos daqueles segredos nunca é revelada. “Queremos que os nossos convidados alinhem num espírito que remonta à génese do Maxime enquanto o lugar das experiências insólitas, que sempre foi”, diz Lúcia Marques, que promete nos próximos meses mais experiências diferenciadoras para assinalar o aniversário e a história do “mais antigo cabaré de Lisboa”.

Foi a 30 de novembro de 1949 que o Maxime (então chamado Maxime Dancing) abriu as portas, indo buscar inspiração ao Maxim's, situado no Palácio Foz, nos Restauradores, que, por sua vez, tinha ido roubar o nome e a fama a um cabaré parisiense que ainda hoje existe. Tal como acontecera com o fim da Primeira Grande Guerra e da gripe espanhola, após a Segunda Guerra Mundial viveram-se momentos de recuperação económica e euforia social que impulsionaram a abertura de novos clubes noturnos.

O edifício onde se instala o Maxime no pós Segunga Guerra Mundial e onde está ainda hoje. FOTO DR

Situado na esquina da Praça da Alegria com a Travessa do Salitre, num edifício projetado por João Simões (o mesmo que fez o projeto do antigo Estádio da Luz) e construído de raiz, o Maxime “quaria distinguir-se e distinguiu-se”, nota João Macdonald. “Tenta reproduzir o espiríto de clube noturno que se vive noutras cidades, com uma noção de entretenimento muito apurado”, acrescenta. “Não é difícil imaginar o Sinatra e companhia a entrar por ali”, conclui. Não há registo de que o intérprete norte-americano lá tenha estado, mas é certo que o rei emérito de Espanha, Juan Carlos, ali passou algumas noites nos seus tempos de exílio no Estoril.

As artistas que animavam as noites do Maxime vinham maioritariamnete de Espanha. FOTO DR

O Maxime deu palco a grandes nomes da música – como António Calvário, Tony de Matos, Simone de Oliveira, Alfredo Marceneiro ou Julio Iglesias - e do teatro. “O Raul Solnado estreou-se no Maxime, num espetáculo do José Viana, o Sol da Meia-Noite”, lembra João Macdonald. Nessa noite, em 1952, estava lá Vasco Morgado e assim nasceu uma nova estrela. A presença de gente ligada às artes era, aliás, bastante comum, dada a proximidade do Parque Mayer.

“A comunicação entre os dois sítios era inevitável”, defende o historiador, salientando o contraste entre as críticas subliminares ao regime que se ouviam nas revistas do Parque Mayer e o convívio que se vivia no Maxime entre figuras do espetáculo e personalidades desse mesmo regime. Já para não falar dos muitos jornalistas que por ali passavam, já que, na década de 1960, o prédio albergava várias agências noticiosas internacionais. “A certa altura aquilo parece uma espécie do café do 'Casablanca', sendo que esse nunca existiu”, compara João Macdonald.

Longos anos de declínio

Mas é precisamente nessa década que o Maxime inicia uma fase de declínio: as bailarinas espanholas são substituídas por bailarinas de Leste; os espetáculos dão lugar a fado e folclore; e, madrugada dentro, há striptease e alterne.

Longos anos de decadência até que, em 2006, Manuel João Vieira toma conta da casa, com uma aposta forte nos espetáculos ao vivo - José Cid, Vítor Espadinha, Phil Mendrix, Herman José ou Bryan Adams e Beach House passaram por lá -, nas apresentações de stand up comedy e nos shows de striptease burlesco. “Aconteceram ali mil e uma coisa, mas o cabaré não voltou ali”, analisa João Macdonald.

Concerto de Bryan adams. FOTO Orlando Almeida/Global Imagens
Concerto dos Ena Pa 2000. FOTO Rodrigo Cabrita/Global Imagens

Alma do cabaré sobe a hotel

Em 2011, o Maxime fechou para só reabrir sete anos depois, com cara lavada, como restaurante do boutique hotel com o mesmo nome que nasceu da reabilitação do edifício. “A alma do cabaré subiu pelo hotel”, comenta Lúcia Marques, lembrando que cada um dos cinco pisos tem um tema alusivo ao espetáculo e cada quarto tem uma decoração que remete precisamente para esse universo. O preço médio anual por noite situa-se nos 145€.

Quarto decorado sob o tema "Camarins". FOTO DR
Um dos quartos dedicados ao universo do palco. FOTO DR

Já no bar/restaurante/cabaré, com uma ementa a fazer lembrar os clubes de antigamente mas com uma reinterpretação, há vários combinados de refeição e espetáculo cujos preços variam entre os 25 e os 85€. E assim se dá nova vida a um cabaré.

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