Ordem dos Psicólogos defende exclusividade de coaching

Foi criada a especialidade na organização profissional para que as pessoas saibam quem tem competência científica
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O princípio do coaching é o de treinador: orientar uma pessoa para atingir metas. Com o golo de Éder na final do Europeu de futebol, Portugal ficou a conhecer Susana Torres, a treinadora mental do futebolista. É uma das vertentes de uma atividade não regulada, com dimensão a nível do life coaching, ou psicológico, e do empresarial. Há mais de duas centenas de coaches em Portugal, o que levou a Ordem dos Psicólogos Portugueses a criar uma especialidade em coaching psicológico, para separar as águas e definir o que é competência dos psicólogos.

"Sentiu-se a necessidade de avançar para esta especialidade porque é uma área que está a ter muitas pessoas com formações diversificadas e curtas. O coaching psicológico baseia-se em ciências e em práticas reconhecidas" diz Tiago Mourinho Baptista, bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), com a admissão que não compete à OPP atuar sobre a atividade de coaching. "Não podemos regular o mercado do coaching. O que se pretende é dar garantias ao consumidor, que o coaching é dado por pessoas que têm supervisão".

O objetivo é "diferenciar o mercado é importante", já que existe "uma enorme proliferação de pessoas, muitos curiosos, outras com pequenas formações" no entender da OPP que prestam um mau serviço. "Não basta ter experiência de vida e espalhar algumas frases de senso comum", critica Telmo Mourinho Batista. "Na nossa opinião todo o comportamento humano deve ser tratado por um psicólogo. Esta especialidade vai clarificar quem são as pessoas formadas, que têm mestrado, que fizeram um ano de estágio profissional, formação específica. Têm uma base científica para trabalhar", afirma o bastonário.

O coaching ganhou expressão em Portugal no início do século. Hoje, há mais de 200 coaches no país, atividade não regulada, como reconhece Maggie João, presidente da International Coach Federation Portugal (ICFP), a maior associação do país, com 128 coaches inscritos. Há, pelo menos, mais duas associações similares, com menor expressão. A nível mundial a ICF agrupa mais de 28 mil coaches.

"O coaching é um processo de desenvolvimento pessoal e profissional. Uma parceria que ajuda as pessoas a atingir objetivos. A ICFP funciona como se fosse a Ordem dos Engenheiros; faz a acreditação dos cursos, credencia quem tira os cursos e os cursos que as escolas dão", explica, admitindo que "não está reconhecida pelo Estado português" e que o coaching em Portugal "é um mundo autorregulamentado".

Maggie João aceita a diferença, "coaching não é psicologia", porque "há trabalho que o coaching não pode fazer". Argumenta que "os cursos ensinam a detetar depressões e os clientes são reencaminhados para outros profissionais de saúde." Os requisitos para dar coaching são abertos a quase todos, com a prática a ser determinante. "Não é exigido curso superior, importante é que a pessoa cumpra pré-requisitos: Não ser crítico, crie empatia, tenha experiência de vida. Ao longo da formação, há práticas e aí se vê quem pode ser coaching. Não é a formação que define, é a forma como vai criar parceria", diz.

A ICFP tem um código de ética e pode expulsar membros se existirem queixas. Mas nada impede o coach de continuar a atividade. A posição da OPP é vista com cautela. "Muitos dos nosso membros são psicólogos", diz Maggie João, dando o exemplo do vice-bastonário da OPP, Samuel Antunes (ver entrevista). "Por nós qualquer pessoa que faça um curso certificado de coaching pode ser coach. Se vai vingar, depende da aceitação do coachee."

Nesta relação com o cliente também "não há regras que digam quanto custa uma sessão, que o custo seja entre x e y. Uma sessão pode ir dos 40 euros aos cento e tal". A nível empresarial já será nas centenas de euros. "Cobramos um terço do que se cobra na Inglaterra", diz a dirigente.

Entre o life coaching, ou pessoal, e o empresarial, este assume contornos maiores e é "transversal a todo o tipo de empresas desde o ramo alimentar, ao automóvel, à indústria farmacêutica". Tem por alvo executivos ou cargos de chefia e o concretizar de metas e objetivos está sempre presente,

Como profissionais, os coaches não têm atividade reconhecida pela Autoridade Tributária. "Um coach é tratado a recibos verdes - recorre ao código de Outros Serviços. Se for sociedade, entra como consultadoria ou formação. Mas estamos a procurar iniciar um novo código", aponta Maggie João.

As mulheres ocupam um lugar de destaque no coaching e estarão em maioria. Aida Chamiça fez o primeiro curso certificado em Portugal, em 2003. "Era executiva numa multinacional e estava numa fase de decisões a nível profissional. Achei que era uma boa oportunidade", explicou ao DN. Hoje dedica-se, sobretudo, ao coaching empresarial. "Nunca vi o coaching como uma coisa para resolver problemas. Sempre olhei para metas, é como descobrir os músculos que as pessoas têm ainda por ativar. Fiz várias apostas, tirei cursos, procurei mercados", argumenta, acrescentando que a ética é um fator decisivo: "Já tive vários casos que rejeitei, recuso sempre pessoas que saem de divórcios e querem ajuda."

Aida Chamiça entende a posição da OPP, embora não concorde totalmente. "Não me choca que a Ordem dos Psicólogos queira ter a exclusividade dos casos. Defende os psicólogos, é sua função. Mas os temas de vida não têm de ser só para os psicólogos", sustenta, aceitando que "o perigo é de quem não está certificado, não tem preparação e aí há grande risco para os clientes."

Sendo das mais experientes, afirma que "as coisas têm evoluído muito nos últimos tempos, há menos equívocos. Antes havia até organizações a pedir coisas que eu própria achava que o coaching não podia dar. Hoje há mais e melhor informação."

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