Obras maiores envolvem nove empresas e mais de 44 milhões de euros
Calções e top de alças, pernas estendidas em cima da cadeira, imperial e olhos fixos no telemóvel. Indiferente ao arame que tem junto aos pés, e que delimita o perímetro das obras, ao barulho das máquinas e ao pó, aos operários, aos turistas em fila entre blocos de cimento, ao olhar desesperado dos desempregados dos restaurantes, sem clientes. "Nem reparei nisso, não me faz confusão. Há aqui wi-fi e aproveitei para falar com a família para Inglaterra. E apanho sol."
Tifainee Rickard, 25 anos, baby-sitter, veio de Inglaterra. Está junto a uma das maiores obras de Lisboa, do Campo das Cebolas até ao Cais do Sodré, com várias empreitadas encomendadas tanto pela EMEL (empresa municipal ligada à mobilidade) como pela Câmara Municipal de Lisboa.
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Só a autarquia adjudicou 292 empreitadas entre 2015 e 2016 (77 desde janeiro). Trabalhos de requalificação da cidade entregues a um leque variado de empresas com os projetos principais a envolver nove construtoras e mais de 44 milhões de euros.
O consórcio Luís Frazão e Vibeiras tem os dois projetos mais caros: o Eixo Central, que vai do Marquês de Pombal a Entrecampos, no valor de sete milhões de euros (sem IVA), que espera concluir em janeiro. O segundo é a pavimentação dos largos lisboetas, um investimento de 4,2 milhões de euros. Destes, já estão em execução o de Campolide, o de Santos e o da Graça, que foi iniciado no final da semana passada. Estas obras devem estar concluídas em outubro.
Luís Pereira, administrador da Vibeiras, garante que os prazos indicados serão cumpridos e, se possível, antecipados. Essa não é uma dificuldade. "As maiores dificuldades deste tipo de trabalhos estão relacionadas com a gestão em simultâneo de diferentes frentes de obra no sentido de condicionar ao mínimo os munícipes."
Maior atenção à segurança
Alheios a toda a discussão, Martim Cruz, 42 anos, imigrado de Angola há 24, e António Calçada, 33, que deixou o Funchal com 17, ocupam-se da repavimentação do piso. Vestem coletes refletores da Luís Frazão, mas têm outros patrões, cada um operário de um subempreiteiro diferente. Empreitadas que obrigam por vezes a horas extraordinárias, também aos fins de semana, e só aí conseguem ultrapassar os 700 euros de salário mensal, dizem.
Martim Cruz está na construção civil há 17 anos e já esteve em praticamente todo o tipo de construções. Acabou o serviço na Autoeuropa, em Palmela, antes de montar pavimento na via pública e bem no centro de Lisboa. "Temos de ter mais cuidados de segurança por causa do trânsito, que não para, e das pessoas, que também não deixam de passar." E quanto a protestos dos transeuntes, "os principais são contra o excesso do pó e as dificuldades de passagem de um lado da estrada para o outro". Já para não falar dos protestos dos automobilistas às horas de ponta.
Ele prefere trabalhar em edifícios, sobretudo por serem menos as preocupações. "Só temos de nos preocupar com a nossa segurança e não com a dos peões ou com a chuva, por exemplo."
Já António Calçada gosta mais do ar livre e até brinca com a situação. "Sou branquinho por natureza e, assim, sempre apanho uma corzinha." Compreende os protestos de quem ali vive ou está de passagem, mas, sublinha, as pessoas querem as coisas novas e, depois, não deixam os outros trabalhar, não pode ser. Vão fazer uma Lisboa nova."
Ana Maria Sousa, 61 anos, é uma costureira que vem da Cruz do Pau para trabalhar nos Sapadores. Faz a ligação entre o Cais o Sodré e os Sapadores de autocarro, com muita terra nos sapatos nos dias de chuva e pó nos mais quentes. "É complicado, às vezes não sei por onde atravessar a rua, mas temos que perceber que é preciso se queremos uma Lisboa bonita."
De norte a sul, oriente a ocidente
Pedra, cimento, máquinas e operários de colete amarelo visíveis tanto para quem vai para norte e para sul de Lisboa, como para quem vai para oriente e ocidente ou sobe as colinas.
Pavimentação, saneamento alvenarias, recuperação de edifícios, requalificação de praças e largos por todo o lado. Voltas trocadas aos automobilistas e transeuntes sobretudo nos trabalhos de maior monta, como o Eixo Central. O DN contactou as administrações das empresas com adjudicações mais elevadas desde 2015 (ver quadro ), apenas as construtoras Armando Cunha e a Vibeiras se disponibilizaram a falar.
Obras até 2020?
"Eu sei lá, mas penso que poderão acabar até antes porque os últimos concursos estipulam prazos na ordem dos oito meses", responde Zéfiro Lopes, 52 anos, sócio e administrador da Armando Cunha, a segunda empresa com maior volume de negócio nos últimos 17 meses. Uma quantidade de trabalho para o qual estavam preparados, recorrendo a funcionários próprios ou a subempreiteiros. "Tínhamos uma estrutura adequada e temos alguma flexibilidade em termos de meios humanos e equipamentos até porque trabalhamos em vários países." Entre estes, Cabo Verde e a Guiné-Conacri.
Duas das empreitadas da Armando Cunha envolvem mais de três milhões de euros cada. Significam a reabilitação de pavimentação e drenagem por toda a cidade, além de arruamentos e infraestruturas das zonas Norte e Oriental. E rapidamente montam e desmontam o estaleiro numa progressão pela cidade à medida que os troços vão ficando concluídos.
A entrega de propostas daqueles empresários para concursos públicos é contínua. Em Lisboa, a Armando Cunha acaba de apresentar orçamentos para as zonas de Benfica, Alameda das Linhas de Torres, Largo do Calvário, arruamentos, saneamento e requalificação de edifícios. E, claro, quer concorrer para as alterações na 2.ª Circular.
Zéfiro Lopes explica que há critérios "muito específicos" na escolha das propostas e que a "concorrência está cada vez maior". Justifica: "Lisboa é a principal câmara, a única com potencial e que está a mexer com toda a gente." E, apesar de cada empresa tentar "apresentar os orçamentos mais baixos", as propostas vencedoras estão "dentro dos valores lógicos".
"Nós e outras empresas [os concorrentes Sanestradas e Estrela do Norte, por exemplo] temos a vantagem de ter aqui tudo, desde a sede à fábrica", diz Zéfiro Lopes. Justifica a escolha da Armando Cunha com o trabalho realizado. "Efetivamente Lisboa é uma montra, mas a montra principal é a qualidade."
Setenta por cento dos contratos assinados pela Armando Cunha estão em execução, com funcionários da empresa ou recorrendo a subempreitadas, operando durante o dia mas também de noite, "para evitar maiores constrangimentos". A pavimentação da Rua de Alcântara foi um dos trabalhos mais complicados e outra das dificuldades são os carros estacionados nos passeios, às entradas e saída das garagens em zonas habitacionais. Explica Simplício Machado, 40 anos, há 22 na construção civil e há 12 a coordenar os trabalhos dos operários dos subempreiteiros e da empresa. "Por vezes, chegamos a uma rua para pavimentar e só ao fim de um dia é que conseguimos tirar todos os carros do local e começar a executar o trabalho, por mais avisos que deixemos nas portas e nos carros estacionados.
Ultimamente acompanha a pavimentação e execução de passeios da Miguel Torga (Campolide), salientando que o trabalho no exterior é mais complicado do que no interior, daí que prefira a construção de edifícios, que é sempre mais calmo. "Chegamos, isola-se e começa-se a trabalhar tendo apenas em atenção a segurança dos trabalhadores. As obras públicas mexem com mais gente, com peões, trânsito."