"O que aprendemos agora não esquecemos"

Jesuítas da Catalunha estão a mudar a educação. Aplicam desde o ano passado um modelo em que os alunos trabalham em grupos de 40 alunos, no máximo, e com apoio de três professores em simultâneo. Alunos gostam de ser os protagonistas da aprendizagem e professores estão contentes por serem companheiros

O amarelo e azul preenchem a sala. Logo à entrada lê-se Tintin nos pufes. Uns deitados de costas, outros de barriga para baixo. Uns nas cadeiras, sentados como se estivessem numa sala, dois que escrevem no computador e outros ainda leem recostados no pequeno anfiteatro. Na verdade estão numa aula, que tem por objetivo "fomentar o prazer pela leitura", e quem olha para este grupo de cerca de 20 alunos, com idades que rondam os 11 anos, diria que se concretizou o objetivo. Embora aqui e ali ainda se oiça o "shshsh" da professora perante algumas conversas que começam a ganhar volume.

Esta sala de aula do 5.º ano da primária da Escola del Clot, em Barcelona, faz parte do projeto Horizonte 2020 dos jesuítas na Catalunha. A nova etapa intermédia (NEI) foi lançada no ano passado com os alunos do 5.º ano da primária (o nosso 5.º ano) e do 1.º da educação secundária obrigatória (ESO, que corresponde ao nosso 7.º ano) com o objetivo de levar os colégios jesuítas da Catalunha rumo à educação do século XXI. Os alunos garantem que gostam mais do novo papel que assumem no dia-a-dia. Preferem ser protagonistas em vez de espectadores do conhecimento.

A aula do clube do leitor pode ser um bom exemplo. Cada um escolhe o livro que quer ler de acordo com os seus gostos, só assim se pode começar a incutir o gosto pela leitura naqueles que são mais reticentes, explica o tutor do 5.º ano, Jordi López. "Temos 120 livros em cada uma das duas bibliotecas e quando um aluno diz que não gosta de ler sentamo-nos com ele e tentamos perceber quais são os seus gostos. Se gostam de aventura, de fantasia, histórias mais reais, depois mostramos-lhes livros com esses temas. Além disso, os alunos dão notas aos livros que leem num blogue da biblioteca e os colegas podem escolher também de acordo com a opinião deles." A par das escolhas individuais existem também projetos de leitura coletiva. Os alunos que dedicam a tarde de quinta-feira à leitura são apenas metade daquilo que se pode chamar uma turma. Ao todo, o grupo do 5.º ano tem 84 alunos, mas são divididos em grupos de 40 e depois aí ainda são divididos pela metade. Na sala em frente à da leitura, outros 20 alunos têm uma aula mais tradicional de Francês.

O professor é "companheiro"

A Escola del Clot é um dos oito colégios jesuítas que estão a aplicar o projeto-piloto que em vez de disciplinas põe os alunos a aprender por projetos. Um processo de transição - o projeto-piloto começou no ano passado - que é também visível nos espaços físicos da escola. Uma ala é colorida, com salas amplas, materiais de laboratório, tablets, computadores, mesas com rodas distribuídas em grupos, cadeiras coloridas, grandes painéis afixados na parede e outra tem salas de aula tradicionais com um quadro numa parede e as cadeiras voltadas para ele.

Os espaços são divididos entre as amplas salas de aula, onde se desenvolvem os projetos e dois gabinetes contíguos com paredes de vidro onde os professores trabalham sozinhos ou com algum aluno. Como é o caso de Bernardt que se prepara para fazer um ditado a um aluno. Lá fora, a professora vai introduzindo a avaliação dos alunos no programa informático, ao mesmo tempo que vai sendo solicitada para tirar dúvidas ou ajudar a escolher um livro. "Rompemos com a ideia tradicional de que o professor dá ensinamento. Aqui ele é companheiro e o aluno é protagonista da aprendizagem."

O próprio Jordi López teve de fazer um reajustamento da sua postura. Integrou a equipa inicial de professores e agora é tutor do 5.º ano. "Dá trabalho esta forma de ensinar, mas acho que depois de experimentar este modelo, ninguém voltava atrás." E os alunos sentem o mesmo. "Gostamos muito mais desta forma de aprender", referem os gémeos Jordi e Paulo Murillo. As colegas Julia, Ana, Carla, Maria e Ainoa concordam e juntam-se à conversa que decorre no pátio onde estão a organizar um lanche solidário para reverter a favor da construção de um poço de água no Chade. Com 13 e 12 anos, o grupo de amigas compara a experiência atual com os anos de escola normal que tiveram: "O trabalho é o mesmo, mas agora é muito mais divertido e em grupo."

"O que aprendemos agora não esquecemos, porque somos nós que vamos à procura. Antes era aborrecido e depois esquecíamos tudo." Foi para combater o aborrecimento dos alunos que os jesuítas decidiram que estava na hora de mudar de aprendizagem. "Começámos a preparar o terreno para esta mudança em 2009 e demorou até 2012. Depois em 2013 fizemos a formação dos professores e em 2014 começámos a aplicar o projeto", explica Pepe Menendez, diretor da Fundação Jesuítas Educação.

As matérias são aprendidas com a concretização de projetos. "Rompemos muito com o horário tradicional. Apenas Matemática, as línguas estrangeiras, Educação Física, Música e Artes são dadas à parte, num modelo mais tradicional." Ainda se tentou aplicar o modelo de aprendizagem de Matemática e das línguas aos projetos, mas "há aspetos que não dá para contornar porque nas línguas temos a gramática e na Matemática os exercícios têm de ser aprendidos de forma mais tradicional".

No que sobra do horário há projetos para concretizar. "Os alunos conhecem os objetivos, sejam semanais ou mensais. Eles sabem onde têm de chegar, mas cada um é livre de escolher o caminho para chegar à meta. Esta é a mais-valia deste modelo", defende Jordi López.

Neste momento estão a fazer o projeto "O que levamos no sangue", onde têm de organizar uma campanha de doação de sangue. Pelo caminho, vão aprender tudo sobre o aparelho circulatório. Algo que aprenderam "com a ajuda da mãe de uma aluna que é enfermeira e veio cá explicar como se dá sangue e o aparelho circulatório." Esta é outra das marcas do projeto: "Abrimos muito a escola às famílias."

O professor dá ainda como exemplo de ligação o caso de um pai "muito bom com maquetas que fez uma sobre a pré-história e veio cá mostrá-la numa aula". Os projetos fazem-se em várias etapas tendo em conta o design thinking definido: há o dia de pensar no conceito, o de tomar decisões e o de concretizar essas decisões. Tudo isto é feito em equipa. Embora no fim sejam avaliados individualmente. A avaliação é feita todos os dias olhando para o trabalho desenvolvido pelos alunos. As competências de cada um são valorizadas e traduzidas numa escala numérica criada para o efeito. Cada projeto tem definidas as competências que devem ser atingidas, as inteligências múltiplas são avaliadas, e no final de cada projeto os alunos são submetidos a uma ficha que vale 20% a 25% da nota.

Neste momento ainda nenhum dos alunos foi submetido a exames externos e, por isso, o professor também admite alguma curiosidade pelos resultados dos alunos nos exames do 6.º ano da primária, no final deste ano. "Os alunos vão fazer dois ou três exemplos da prova, apenas para não serem surpreendidos com o formato."

Como ponto positivo de preparação, os alunos que precisam podem contar com um apoio mais personalizado, já que este modelo permite ter os professores mais livres para apoiar quem precisa. Tudo o que os alunos aprendem passa também por momentos de reflexão. "O dia começa com uma reflexão, música calma, para entrar bem no dia e depois no fim das aulas voltamos a ter um momento de reflexão sobre o que fizemos."

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