Número de fogos provocados por incendiários é dos mais baixos em 10 anos
O ministro da Administração Interna alertou para uma "duplicação" do número de fogos causados por incendiarismo. As estatísticas oficiais, no entanto, mostram que os 27% provocados por essa causa foram ultrapassados em oito dos 10 últimos anos. Ainda assim, em uma década, o fogo posto foi responsável por mais de 671 mil hectares de área ardida - área superior à do total do trágico ano de 2017. Até este sábado, em resultado de inquéritos-crime, a PJ tinha detido 65 suspeitos de provocarem incêndios intencionalmente, que supera já os que tinham sido presos em investigações de todo o ano passado.
Os fogos que deflagraram neste ano e cuja causa está atribuída a incendiários, atingiram um dos valores mais baixo dos últimos 10 anos: apenas 27%. Esta é ainda uma primeira avaliação, quando está determinada a causa de apenas 45% dos incêndios.
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De acordo com as estatísticas do Sistema de Gestão para Incêndios Florestais (SGIF) facultadas ao DN, até ao passado dia 24 e recuando anualmente para iguais períodos até 2012 (com os dados já consolidados), apenas em 2018 e 2021 esta percentagem foi ultrapassada.

Percentagem de ocorrências por incendiarismo. Dados de 2022 provisórios, com 45% dos incêndios com causas determinadas
© SGIF
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Mesmo se compararmos os totais em cada ano (de janeiro a dezembro), os 27% de ocorrências atribuídas ao incendiarismo este ano são ultrapassadas também em oito anos - só os 25% em 2021 eos 24% em 2018 foram inferiores.
Neste mês, o ministro da Administração Interna alertou para a escalada do número de fogos provocados intencionalmente, indicando que tinha duplicado no mês de julho, de 13 para 26%.
Mas este crescimento para o dobro compara apenas o mês de julho com o de junho, segundo esclareceu o DN o porta-voz oficial da GNR.
De qualquer forma, o aumento do número de ocorrências com motivação criminosa este ano não se traduz ainda em nenhum recrudescimento assinalável, tendo em conta a média dos últimos anos.
Mas não é por isso, porém, que as autoridades policiais refreiam o seu empenho. Até este sábado, em resultado de investigações criminais, a Polícia Judiciária (PJ) tinha detido 65 suspeitos de terem ateado fogos intencionalmente -sujeitos à pena mais agravada que pode ir até aos 10 anos de prisão.
Este valor supera já os 54 detidos de 2021, sendo que, segundo fonte da direção nacional, cerca de 60% ficaram em prisão preventiva, bastante acima da média de 40% em que esta medida de coação mais gravosa é aplicada na generalidade dos outros crimes.
Segundo a PJ "não há evidências até ao momento de crime organizado nos incêndios", o que confirma os perfis dos incendiários mais comuns, como sendo alcoólicos ou com problemas de saúde mental.

Detidos pela PJ e GNR. Dados de 2022 até 26 de agosto.
© Polícia Juiciária e GNR
Por seu lado, a GNR também apresenta os melhores resultados, com boa parte das detenções a serem efetuadas em flagrante delito e poderem incluir também casos por negligência.
Até ao passado dia 25 a Guarda tinha detido 68 suspeitos de incêndio florestal, ultrapassando também os 52 do total do ano passado.
"Há um aumento significativo da investigação, quer em qualidade quer em quantidade, há mais detenções em flagrante delito fruto do aumento exponencial da vigilância da GNR e uma maior sensibilização da população", sublinha fonte oficial da PJ.
Maioria de incendiários condenados na rua
Quantos mais incendiários tirarem do terreno, mais afastam da equação esta causa de tantos incêndios - e a mais dificilmente controlável, ao contrário do uso fogo, motivo ainda do maior número de ignições registadas.
Entre 2012 e 2021, o incendiarismo foi o agente de quase metade da área ardida: mais de 671 mil hectares (em média 47% por ano).

Percentagem de área ardida pela causa incendiarismo
© SGIF / Pordata
Embora o mais importante fosse tirar os incendiários da rua nas épocas críticas, a solução encontrada em 2017 pela ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem - que veio permitir aos juízes ordenarem pulseira eletrónica para os condenados a penas suspensas ou em liberdade condicional nos períodos críticos do verão - acabou por não ser quase utilizada pelos tribunais.
Neste momento, segundo a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais há 266 pessoas com condenações ativas por incêndio florestal, das quais 52 estão a cumprir pena na cadeia ou em hospitais psiquiátricos , apenas 21 com pulseira eletrónica e 193 sem medidas privativas da liberdade.

Número de condenados por incêndios florestais a cumprir pena na cadeita. Dados de 2022, até 24 de agosto
© DGRSP
Numa pesquisa feita nos comunicados da PJ, o DN constatou que, pelo menos, houve nove casos de reincidências de suspeitos já condenados por este tipo de crimes.
Um deles, o de uma mulher, condenada em pena de prisão, com execução suspensa, ateou sete fogos, o último dos quais a 12 de agosto.
A PJ estima, no entanto, que a taxa de reincidência possa estar agora nos 16/17%, um pouco menos dos 20% do ano passado.
Reativação ou reacendimento
Alguns analistas temem que sobrevalorizando o papel dos incendiários, as outras causas estruturais e, principalmente, o uso do fogo que só no ano passado causou 56% dos incêndios - em relação às quais há políticas definidas mas que avançam lentamente -, acabem por ficar secundarizadas.
O mesmo se passa com a qualidade da supressão, ou combate, cuja avaliação pode ser feita, não só pela rapidez da primeira intervenção, que não deixa que o incêndio se alastre, como na taxa de reacendimentos.
Olhando para as estatísticas oficiais, no primeiro caso, os 92,6% de fogos suprimidos em 2021 pelo "ataque inicial" superaram a meta ambicionada pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) que era de 92%.
Quanto aos reacendimentos, o compromisso de apenas 5% ou menos a que a ANEPC se exigiu - entre 2018 e 2020 a média foi de 7,4% - foi claramente vencido caindo para apenas 2,3% dos casos.
No entanto, alguns observadores partilharam com o DN aquilo a que chamam de "perversão" que pode estar a influenciar esta avaliação.
A designação "reacendimento" praticamente desapareceu do léxico das comunicações públicas e olhando para boa parte dos relatos dos incêndios este ano é o termo "reativação" que tem dominado.
Qual é a diferença? Fonte oficial da ANEPC explica: "Reacendimento é uma nova ocorrência que tem início no perímetro da área afetada por um incêndio recente que foi considerado extinto, ou seja, em que todos os meios já abandonaram o teatro de operações; Reativação consiste no aumento de intensidade de uma parte ou de todo o perímetro de um incêndio durante as operações de rescaldo e antes de este ser considerado rescaldado, pelo Comandante das Operações de Socorro".
Questionada sobre o número de casos em que até ao momento houve reativações, responde que "não nos é possível apresentar dados estatísticos das reativações, tendo em conta que as mesmas surgem ao longo da ocorrência (do incêndio) sem que exista uma quantificação sistemática das mesmas".
Até ao passado dia 24 de agosto, os reacendimentos, quando estão apuradas apenas a causa de 45% dos incêndios, estão nos 2,7%, segundo o SGIF.
É uma questão que será certamente abordada e discutida pela equipa de avaliação dos incêndios "Lições Aprendidas", garantiu ao DN fonte da AGIF que está a acompanhar o processo.
Segundo o último relatório do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, até 15 de agosto, houve um total de 8 517 incêndios rurais que resultaram em 80 760 hectares de área ardida.
Comparando os valores do ano de 2022 com o histórico dos 10 anos anteriores, assinala-se que se registaram menos 12% de incêndios rurais e mais 30% de área ardida relativamente à média anual do período.
Até esta data é o 6.º valor mais elevado em número de incêndios e o 3.º mais elevado de área ardida, desde 2012.