Conseguir informações na AIMA é uma das maiores dificuldades dos cidadãos migrantes.
Conseguir informações na AIMA é uma das maiores dificuldades dos cidadãos migrantes.Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens

Novo plano para a imigração. O que preocupa quem já está ou quer vir para Portugal?

Em entrevista ao DN e TSF, o ministro António Leitão Amaro já deu algumas pistas sobre o que vai mudar. Os títulos de residência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) serão prioridade e a AIMA terá reforços.
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O Governo aprova esta segunda-feira em Conselho de Ministros um pacote de medidas que vão afetar os imigrantes que moram em Portugal e, possivelmente, aqueles que planeiam vir. As novas regras foram criadas após audições com especialistas, entidades do setor e partidos políticos.

A apresentação ao público está marcada para as 16.30. Em entrevista ao DN e TSF, o ministro António Leitão Amaro reiterou que Portugal precisa de imigrantes, mas que também precisa de mais regras. O DN elencou 10 principais assuntos que são alvos de críticas constantes dos imigrantes.

1. Renovação dos títulos CPLP

Mais de 150 mil pessoas esperam que o Governo crie um mecanismo de renovação da autorização de residência CPLP. Em março os títulos começaram a caducar e não foi criada uma forma de serem renovados, uma herança do Governo anterior. As consequências de deixar milhares de pessoas sem um documento renovado foram, e são, várias: muitos não tiveram o contrato de trabalho renovado ou foram demitidos; não puderam concorrer a outras vagas e nem ter direito ao subsídio desemprego; perderam a inscrição no centro de saúde e foram excluídas do abono de família.

Mesmo antes de não terem sido renovados pelo Governo, os títulos já colocavam limitações aos imigrantes: não poder viajar pelo Espaço Schengen e não ter direito ao reagrupamento familiar são algumas das características desta modalidade de título de residência - informações que só foram reveladas depois de ter sido lançado. 

2. A AIMA

A Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA) existe há pouco mais de seis meses e acumula críticas e queixas dos utentes.Protestos em frente à sede em Lisboa e também no Porto tornaram-se comuns. As cobranças são diversas: demora na análise pedidos de residência, falta de vagas, cartões renovados há meses que não chegam à morada do cidadãos, entre outros problemas. A AIMA enfrenta as 400 mil pendências deixada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o trabalho diário. O órgão já nasceu com déficit de profissionais e de meios dar resposta ao alto volume de serviço.

O DN sabe que a direção da AIMA tem os funcionários a realizar o máximo de horas extraordinárias, além de ter implementado novos sistemas informáticos para tornar o trabalho mais ágil. Também foi criado um sistema de reagrupamento familiar, ainda que bastante restrito. Neste momento, há funcionários que pediram mobilidade e ainda não está claro qual será o total de trabalhadores disponíveis.

3. As Manifestações de Interesse

Atualmente é a principal forma de legalização em Portugal. São os famosos artigos 88 e 89 da Lei dos Estrangeiros, aprovados em 2017. As chamadas Manifestações de Interesse (MI) são consideradas as principais responsáveis pelo aumento exponencial de imigrantes no país: saltaram de 480 mil em 2018 para quase 800 mil em 2022, de acordo com estatísticas oficiais. O número de processos, aliado ao não aumento de meios para despachar os documentos, são indicados como uma das razões para a AIMA (antes o SEF) terem tanto volume de trabalho acumulado.

Além de tornar mais flexível o processo de obtenção do título de residência, a brecha na lei é considerada pelas autoridades como um mecanismo que favorece as redes de tráfico de seres humanos. Um despacho do Ministério Público divulado pelo DN em janeiro deste ano revela como o mecanismo de legalização já fez pelo menos 6 mil vítimas, em crimes de incluem maus-tratos e exploração. 

4. Renovações 

Desde a pandemia de covid-19, o governo tem vindo a prorrogar um decreto-lei que torna todos os documentos caducados válidos. A medida foi usada sucessivamente como uma justificação para atrasos nos procedimentos de renovação das residências ou para a ausência de novos. A falta de vagas e a indefinição dos mecanismos disponíveis - como a renovação pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN) ou online - são dúvidas constantes dos imigrantes. O DN tem inúmeros relatos de estrangeiros que tentam há meses renovar o documento e não conseguem. São cidadãos com os mais variados tipos de visto, como o gold e o de trabalho.

5. Atraso no envio de documentos

É igualmente alto o número de pessoas que conseguiram a renovação dos títulos, mas até hoje não os receberam em casa. Por lei, o prazo é de 60 dias, mas há casos em que a espera começou no verão passado. 

6. Contacto com a AIMA

Obter uma informação na AIMA é uma missão difícil. Apenas um número de telefone e um telemóvel estão disponíveis. Os imigrantes usam discadores automáticos para tentar uma chamada. Os e-mails também não são respondidos diante do alto número de pessoas que tentam contacto. Nas redes sociais, os comentários são bloqueados. Presencialmente, as vagas esgotam-se rapidamente nos balcões. Há quem chegue às 04.00 da madrugada para conseguir uma senha de atendimento.

7. Reagrupamento familiar

O reagrupamento familiar é um direito previsto na lei, não só na portuguesa mas também nas diretrizes da União Europeia. Neste momento, Portugal só permite o reagrupamento de parceiros com filhos já residentes no território nacional, com idade entre 5 e 15 anos. Casais sem filhos ou com crianças fora desta faixa etária estão impedidos de solicitarem o reagrupamento. Os casos em que um dos cônjuges ainda está no país de origem e todos os estrangeiros com título CPLP estão igualmente fora do acesso ao direito. Mesmo nos casos em que foi permitido, há relatos de imcumprimento do prazo determinado para análise dos pedidos.

8. Estudantes com visto e sem agendamento

Sem maneira de contactar a AIMA, estudantes que chegam com visto não conseguem um agendamento para a troca do documento por residência, como prevê a lei - a mesma legislação assegura que o estudante já aterre no país com uma marcação na AIMA. Na prática, há casos de brasileiros que estão a terminar o ano letivo e ainda não conseguiram o documento, ficando presos no país e limitados nos direitos.

9. Desencontro de informações

Receber informações distintas em função do posto ou do funcionário que faz o atendimento é uma realidade. Mesmo entre ministérios, há desconhecimento das regras, como é o caso do cancelamento do abono de família de uma utente por causa do documento CPLP não renovado, mesmo com um decreto-lei que torna o título válido.

10. Redes de tráfico e abusos laborais

No Alentejo as situações são conhecidas: a atuação das redes tráfico, em conjunto com empresas que exploram os trabalhadores. Mas noutras zonas do país a situação não é diferente, como na restauração, com falsos recibos verdes fazem jornadas de 16 horas de trabalho e mesmo o não pagamento de ordenados são realidades conhecidas por imigrantes, não denunciadas por medo e nem sempre fiscalizadas pelas autoridades.

amanda.lima@globalmediagroup.pt

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