Novo diretor da Pastoral dos Ciganos quer travar “guetização” das comunidades
Hélder Afonso toma posse este sábado como diretor da Obra Pastoral dos Ciganos, no seminário da Consolata, em Fátima. Aos 47 anos, este professor de religião e moral católica, natural de Vila Real, tem pela frente o desafio de dar outra visibilidade às comunidades ciganas espalhadas por todo o país.
Hélder Afonso conhece o modo de vida deste povo como a palma das suas mãos. Na freguesia onde mora – e lidera, já que é ele o presidente da Junta da União de Freguesias de Mouçós e Lamares – há dois bairros da comunidade cigana, sendo que uma das 26 aldeias, Lagares, “é composta em 80% por pessoas de etnia cigana”. “Estão muito enraizados aqui, vieram para cá há mais de 100 anos”. Pensando bem, mesmo antes das responsabilidades de autarca, Hélder já desempenhada há muitos anos “o papel de mediador, mesmo sem o ser”. É uma ligação que passa pelo apoio na área social, ajudando-os desde que se lembra “a preencher tudo o que era da escola, tudo o que era requerimentos. Eles sempre se apoiaram muito em mim para essa ajuda”. Mais tarde, já enquanto presidente da Junta, integrou dois rapazes na freguesia, ao abrigo de um programa do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Desde rapaz novo que mantém com eles “uma relação muito próxima”, de tal forma que é padrinho de três crianças da comunidade.
Naquela região transmontana a maioria dos ciganos professa a religião católica, ao contrário do que mostra o retrato do país, com prevalência da Igreja Evangélica. “Aqui são católicos, batizados, mas não praticantes”.
A maioria dos ciganos que conhece de perto trabalha nas feiras. Entre a vasta comunidade de Lagares, “há apenas um casal que trabalha por conta de outrem”. É também para mudar esse retrato que Hélder quer trabalhar.
“Sobretudo os mais novos começam já a ter a ideia de procurar ter um trabalho, de fazer a sua vida sem ser nas feiras”. Hélder Afonso reconhece que tem feito um esforço grande no sentido de consciencializar a comunidade para a importância do trabalho. “Muitas vezes lhes falo da importância de viver sem ser de prestações sociais, para não alimentar na sociedade a ideia de que não querem fazer nada. E não é verdade”. “Eu faço muito essa pedagogia”, sublinha.
Desde 2013 que começou a trabalhar de perto com Frei Sales Diniz, no momento em que o salesiano assumiu a Obra Católica Portuguesa para as Migrações. E foi aí que intensificou a ligação às comunidades ciganas. Mais tarde, já enquanto autarca, passou a preocupar-se também com as condições de habitabilidade das muitas famílias à sua volta. “A maioria já não vive em barracas, vive em casas, mas muitas ainda não legalizadas. Preocupo-me muito com a questão da luz e da água, porque eles quando fazem a habitação é onde têm lugar. E depois é preciso fazer essas ligações”. Um dos apoios que a junta mais tem dado prende-se com o Vale Eficiência. “Ainda na semana passada fizemos um, para colocarem capoto em casa”.
Passado tanto tempo de ligação à comunidade, Hélder diz ao DN que “estamos a falar de um povo único, com as suas características, com a sua cultura, com o seu saber e disponibilidade. E também com a sua rebeldia. Às vezes quando olhamos para os ciganos vemos só a parte negativa, como se fossem apenas arruaceiros e malandros. E isso não é verdade”.
Uma marca de proximidade
Quando foi escolhido, ainda assim ficou surpreso. Acredita que a opção deve-se a ser alguém que está “fora dos grandes centros”. A freguesia de onde vem é uma das 20 do concelho de Vila Real, no coração de Trás-os-Montes. Hélder vive e trabalha no município onde nasceu. É professor de Educação Moral e Religiosa, a profissão que sobressaiu do curso de Teologia na Universidade Católica, depois de uma passagem pelo Seminário do Porto. Quis ser padre desde miúdo, influenciado pela avó, que era “um ponto de referência, enquanto cristão-católico-praticante”, zeladora da capela da aldeia. Mas na juventude, “outros valores amorosos se levantaram”. Conheceu a mulher com quem casou e teve quatro filhos.
Quando contou à avó que deixara o seminário, ela compreendeu. “Mas podes continuar a trabalhar na Igreja”, disse-lhe. Foi isso que fez, afinal. Ao longo de toda a sua vida foi um leigo empenhado em “ser cristão e arregaçar as mangas”.
Em novembro, o bispo Joaquim Mendes chamou-o ao Patriarcado de Lisboa, a partir de onde tutela as migrações e ciganos. E nesse mês foi nomeado diretor da Obra da Pastoral dos Ciganos, sucedendo a Francisco Monteiro.
“Quero deixar uma marca de muita proximidade com as comunidades. E por isso pretendo visitar todas as comunidades a nível nacional, em colaboração com as dioceses. Porque embora a Obra seja uma organização da Conferência Episcopal, cada diocese tem a sua própria realidade”, afirma ao DN, considerando que só assim terá uma ideia exata da dimensão que têm, no país. “A verdade é que as comunidades são todas diferentes. Eu já visitei algumas, e posso dizer que a do Fogueteiro, em Setúbal, não tem nada a ver com a de Mouçós, ou do Alentejo”, sublinha. Ainda assim, há problemas comuns: o acesso à habitação, à escola, até a algumas necessidades básicas. “Saúde, habitação e educação são os três pilares em que queremos trabalhar, essencialmente, envolvendo o Governo e os municípios”. “É preciso que quando olham para os bairros sociais e veem lá uma família cigana, a encarem como uma família normal, sem o estigma que ainda está muito presente”, sublinha.
“Se repararmos, quando uma Câmara constrói um bairro social, os ciganos reúnem todos os critérios que ali são enumerados”, enfatiza Hélder Afonso. O certo é que o fenómeno acarreta também alguma “guetização”. E por isso tem insistido tanto para que os ciganos possam construir casas “nas aldeias, onde querem”, para evitar essa separação.
37 mil em Portugal
Os números oficiais dizem que residem em Portugal cerca de 37 mil ciganos, embora algumas organizações apontem para mais de 70 mil. Bruno Gonçalves, vice-presidente da Associação Letras Nómadas, com sede na Figueira da Foz, acredita que o segundo número estará mais próximo da realidade. No seu mais recente livro – Conhece-me antes de me odiares – o educador social dedicou um capítulo à temática da religião.
A maioria professa sobretudo a fé na Igreja Evangélica (com destaque para a Filadélfia), embora no resto do mundo os números digam que os ciganos são maioritariamente muçulmanos.
A Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos desempenha um papel que vai muito para lá da religião, com apoio social direto a muitas comunidades. Segundo a organização, será na região da Guarda que se concentra o maior número de ciganos católicos.
paula.sofia.luz@ext.dn.pt