Nova vacina BCG pode vir a resolver vários tipos de cancro
A vacina BCG, amplamente conhecida contra a tuberculose, é também a imunoterapia mais antiga contra o cancro. Atualmente, é utilizada para tratar o cancro da bexiga em fase inicial, após excisão do tumor.
"Desde os anos 40 que se descobriu que ao pôr a BCG na bexiga esta ajudava a limpar os restos de cancro, mesmo os mínimos, que não se veem", começa por explicar Rita Fior, investigadora da Fundação Champalimaud e que lidera uma equipa de investigação sobre os benefícios da vacina na luta contra este e outros tipos de cancro. "A BCG estimula o sistema imunitário que vai 'comer' estas células".
A equipa da FC, liderada por Rita Fior, descobriu os primeiros passos da BCG na sua ação destruidora de células cancerosas e começou a desenvolver estudos utilizando avatares de peixe-zebra.
Este modelo animal foi desenvolvido no Laboratório de Desenvolvimento do Cancro e Evasão Imunitária Inata da FC. "O que nós descobrimos foi que os macrófagos, que são as primeiras células do sistema imunitário a atuar, por exemplo no caso de uma ferida, são muito mais importantes do que se pensa. Ativados pela BCG, os macrófagos conseguem levar a que as células tumorais se suicidem e depois limpam o resto", prossegue Rita Fior.
A equipa estudou os passos iniciais da ação da vacina BCG nas células do cancro da bexiga. Os resultados são publicados esta quinta-feira, 8, na revista científica Disease Models and Mechanisms e mostram que os macrófagos - a primeira linha de células imunitárias ativadas após a infeção - induzem, literalmente, as células cancerosas ao suicídio e, em seguida, devoram essas células mortas.
"Através dos estudos nos avatares de peixe-zebra demos mais um passo no processo de descobrir novas terapias. Tendo o modelo podemos vir a descobrir novas terapias", afiança a investigadora da FC. "Através da BCG ativamos o sistema imunitário e ele é que mata essas células. Podemos aplicar isto a qualquer tipo de cancro", defende Rita Fior.
Aliás, os avatares de peixe-zebra já receberam células tumorais de "cancro colo-retal, do pulmão ou do ovário".
Neste momento, uma das dificuldades nos tratamentos do cancro com BCG é que "muitas vezes não há stock da vacina e o acesso é problemático". Porém, uma nova BCG "está em desenvolvimento por um parceiro nosso, na Alemanha, especialista em tuberculose. Depois, quanto à produção da nova BCG ainda não temos uma data, mas há um consórcio para a fabricar, entre a Alemanha, Estados Unidos e Índia".
A vacina BCG foi usada, pela primeira vez, contra a tuberculose em 1920, ou seja, há mais de cem anos. Em 1976 foi a primeira imunoterapia a ser utilizada contra o cancro.
Quase um século antes, em 1890, William Coley, um cirurgião norte-americano, já tinha testado uma mistura de diferentes bactérias, designadas por 'toxinas Coley', como imonuterapia contra o cancro.
Coley notou, no século XIX, que vários doentes com cancro, no hospital, praticamente sem esperança, entravam em remissões aparentemente milagrosas do cancro, quando apanhavam uma infeção bacteriana após a cirurgia para remover os tumores. Recorde-se que, naquele tempo, as condições de esterelização nos procedimentos cirúrgicos não eram as melhores, daí as infeções. Rapidamente, o médico americano pensou que essas recuperações não se tratavam de milagres mas sim de uma resposta imunitária dos doentes à infeção.
Foi assim que Coley començou a tentar induzir infeções bacterianas em vários doentes com sarcoma e conseguiu produzir algumas remissões de doentes com cancro. À época, o seu método não era comprovado nem seguro e já se tinham desenvolvido outros tratamentos, como a radioterapia, pelo que a investigação não continuou.