Uma “vida, praticamente, ligada desde sempre aos navios” e uma “experiência importante” como comandante do Corpo de Fuzileiros fazem do almirante Nobre de Sousa uma “pessoa extremamente competente e trabalhadora” para “enfrentar os desafios muito complicados” da Marinha. Quem o diz é o almirante Melo Gomes, que foi chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) entre 2005 e 2010..Que desafios são esses? “A Marinha foi perdendo efetivo, sucessivamente, ao longo dos últimos anos. Na minha altura, éramos entre 10 a 12 mil, agora serão menos de 8 mil. Mas não só. Há também o conhecimento. Além disso, a Marinha não se faz em meses. A pessoa demora tempo a habituar-se quer às questões técnicas ou às questões da vida do mar. Acho que esse é o principal desafio que o almirante Nobre de Sousa vai ter.” Além disso, sublinha, “a escassez de recursos obriga a que haja marinheiros a passar de um navio para o outro. Não têm um momento de descanso, esta questão é uma questão absolutamente crucial”..Também com “a melhor das impressões” sobre o novo CEMA está Marcos Perestrello, deputado do PS e ex-secretário de Estado da Defesa, reconhece Nobre de Sousa como “um grande profissional, um grande marinheiro, com muita experiência de mar, de comando e com provas dadas ao longo de uma carreira bastante relevante na Marinha”. Isso confere-lhe “perfil muito operacional” de que o ramo militar precisa. E necessita de tal para “poder virar-se para aquilo que a Marinha serve: as operações”..Marinheiro desde 1981 (ano em que entrou na Escola Naval), Jorge Nobre de Sousa já teve função ao longo destas mais de quatro décadas. Até esta sexta-feira, era comandante operacional adjunto no Comando Conjunto para as Operações Militares - onde já tinha sido subchefe do Estado-Maior. Antes, já desempenhara várias funções logísticas e de comando na Marinha, desde capitanear a fragata Álvares Cabral até à liderança do Corpo de Fuzileiros. Foi, ainda, comandante naval, desempenhando aquele que é considerado o posto operacional mais importante do ramo. Cabe-lhe, agora, suceder a Henrique Gouveia e Melo, que, agora, passou à reserva. Poderá, se assim entender, candidatar-se à Presidência da República, algo que parece pairar no horizonte há vários meses..Agora livre de funções militares, sabe-se já que Gouveia e Melo prometeu “nunca mais falar da Marinha” após terminar 45 anos de serviço, passando a uma “nova fase” da sua vida, sem nunca ter especificado qual será ao certo. Esta sexta-feira, após a tomada de posse, Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o com as insígnias da Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo. Antes, o Presidente da República realçou o “toque pessoal” deixado pelo almirante na chefia da Armada, destacando ainda “as circunstâncias” que marcaram o percurso do agora ex-CEMA. A condecoração ultrapassa, por isso, “o mero pro forma”. “Trata-se de reconhecer o mérito no exercício de funções da parte do senhor almirante Henrique Gouveia e Melo, enquanto chefe de Estado-Maior da Armada. E essa prática, largamente tributária das experiências dos seus antecessores, mas com um toque pessoal muito específico, beneficiou da sua carreira, mas definiu-se de forma singular no exercício da função”, explicou..Como agir depois de herdar uma liderança tão mediática? Melo Gomes diz que tudo depende. “As pessoas são aquilo que são, cada um tem as suas qualidades. Nós somos nós e as nossas circunstâncias. É uma frase muito feita. Mas é essa a realidade.”.“Acho que tudo continuará como estava”.Ouvida pelo DN, Ana Miguel dos Santos, especialista em assuntos de Defesa e ex-eurodeputada do PSD, coloca o foco noutro aspeto: “A forma como o poder político e as chefias militares se relacionam.”.Segundo diz, “há um problema que não se vai conseguir resolver assim”: a indústria de Defesa. Isto é, “como se vai preparar a próxima aquisição de material militar e de equipamentos, porque são aquisições avultadíssimas e ainda por cima em Portugal estão sempre envolvidas em problemas”. “Ou o poder político tem esta capacidade de alterar a sua relação com a indústria de defesa, ou então temos um problema”, refere. Esta questão é importante quando, realça Melo Gomes, “Nobre de Sousa já assumiu que vai seguir, na parte do equipamento, todos os programas que estão em curso”..Ana Miguel dos Santos avisa, no entanto, que “devido às características, a aquisição de material de equipamento militar não tem a mesma natureza, nem pode ser igual à compra de dois guarda-chuvas. O segredo é necessariamente uma característica”. “Vou dar um exemplo: o código da contratação pública na área da defesa e da segurança não é aplicado em Portugal. Mas quando é o próprio ministério a aplicar o código geral, está a querer tratar por igual aquilo que é diferente. Não tem a coragem de tratar as coisas como elas devem ser tratadas. Porque é que isto sucede? Porque gosta de estar nesta sombra. Isso não pode acontecer.” .O problema, no entanto, não será resolvido por Nobre de Sousa, destaca a especialista. Tal como não foi por Gouveia e Melo, que “não trouxe nada de extraordinário à Marinha”. Isto porque “a estrutura não consegue fazer tudo sozinha”. “A grande decisão de aquisição e de uso de dinheiro está no poder político. Mas, claro, há um conjunto de situações que dependem naturalmente da hierarquia militar, sem dúvida, que é a boa gestão do dinheiro e a definição das missões", diz, acrescentando: "Talvez por isso é que Gouveia e Melo "não tenha desejado ser chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas." E o resto? "Acho que tudo continuará como estava."