No século XIX, Schiaparelli descobriu o cume do sistema solar
Como uma mensagem lançada ao oceano cósmico o objeto viajou no seio do sistema solar ao longo de mil milhões de anos. Em 2012, o objeto atravessou a atmosfera terrestre sob a forma de um meteorito para se alojar nos campos de areias do deserto argelino. O corpo Northwest Africa 7635, como foi apelidado, não fez uma viagem solitária. Um grupo de 11 rochas marcianas esbarrou com a órbita terrestre para se tornarem mensageiras do planeta vermelho. O meteorito 7635 carregava, no entanto, uma singularidade, era o mais velho do grupo, um ancião com 2,4 mil milhões de anos. Não obstante caber na palma de uma mão, para o consórcio de cientistas que se deslocou ao deserto argelino, a rocha de tonalidade a raiar o negro, comunicava com eloquência. Tratava-se de material vulcânico e resultava de um antiquíssimo cataclismo no planalto de Tharsis, na região equatorial de Marte. Face à violência de um impacto pretérito, a menor atração gravitacional e a atmosfera mais fina do planeta vermelho tornou fácil a expulsão de material da planície de lava. O corpo celeste que chocou com a Terra em 2012 caberia no denominado grupo de meteoritos marcianos shergotitos. Isto, em alusão à cidade indiana de Shergotty (atualmente Sherghati) onde, em 1865, foi recuperada uma rocha marciana de 5 Kg.
A rocha que os cientistas miravam em 2012 testemunhava uma erupção vulcânica a partir do cone atualmente adormecido daquela que, até 2011, ostentou o título de maior elevação do sistema solar. O Monte Olimpo faz o terrestre Monte Evereste assemelhar-se a um David frente a Golias. Face aos 8.848 metros de altura do pico situado na cadeia montanhosa dos Himalaias, o Monte Olimpo ergue o topo da sua cratera a mais de 21 Km acima da superfície marciana. Transposto para a Terra, o ápice da montanha marciana ultrapassaria a troposfera, imiscuindo-se na estratosfera. A tecnologia e exploração espaciais dos séculos XX e XXI trariam aos olhares terráqueos o Monte Olimpo em toda a sua glória. Muito antes da descoberta oficial da montanha pela sonda Mariner 9 da NASA, em 1971, a astronomia do século XIX aproximara a observação terrestre daquele que é o mais alto vulcão do sistema solar. No final do século XIX, um laborioso astrónomo italiano nascido em 1835, de seu nome Giovanni Schiaparelli, suspeitou da existência do pico marciano que se erguia acima das tempestades de poeira. Algo na superfície do quarto planeta a contar do Sol, mantinha-se incólume quando o solo se erguia em tumulto durante meses.
Do século XIX ao presente, a história do Monte Olimpo faz-se de espanto e também de uma desclassificação. De lugar cimeiro na lista dos picos mais elevados do sistema solar, o Olimpo caiu para a segunda posição no início da década de 2010. Um corpo no cinturão de asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter reservava uma surpresa. A superfície rochosa do asteroide Vesta, um protoplaneta (planeta embrião) apresenta uma enorme cratera de impacto. Rheasilvia, assim apelidada a cratera em homenagem a Reia Silvia, lendária mãe de Rómulo e Remo, fundadores de Roma, tem uma montanha central com perto de 23 Km de altura, medidos da base ao pico. O portento rochoso com 200 Km de diâmetro descansa no seio da cratera-mãe com mais de 460 Km de diâmetro. Um acidente geológico de escala maior face à dimensão de Vesta. O protoplaneta tem um diâmetro médio de 520 Km. A massa de rocha basáltica, avistada pela primeira vez em 1807 pelo astrónomo alemão Heinrich Olbers, seria observada com detalhe em 1997 pelo olho do telescópio Hubble e visitada em 2011 pela sonda espacial Dawn ao serviço da NASA.
Não obstante a desclassificação, a imponência do Monte Olimpo, nas planícies de um planeta que a inventiva humana elegeu como a hipotética casa de uma civilização alienígena, prepondera sobre a de uma montanha perdida no âmago de um asteroide. Na centúria de oitocentos Schiaparelli tratou de trilhar com minucia a superfície de Marte. Não só lhe descortinou os canais que dariam azo a teorias de civilizações ancestrais e a sua tentativa de transvase de água de regiões polares para terras equatoriais, como desenhou o primeiro mapa de Marte. Schiaparelli como já aqui descrito, descortinou o pico gelado do Monte Olimpo. O astrónomo britânico Patrick Moore escreveu no livro de 1977, Guide to Mars (Guia Para Marte): “Descobriu [Schiaparelli] que a neve olímpica [nix olympica] era quase a única característica a ser vista”. A brancura a que o astrónomo inglês se refere é a denominada formação de albedo, ou seja, uma grande área da superfície de um planeta que exibe um contraste na claridade ou na escuridão em relação às áreas adjacentes. Por muito tempo, as formações de albedo afiguravam-se como o único método para avistamentos em Marte e Mercúrio.
Todos os números que envolvem referências ao Monte Olimpo afiguram-se hiperbólicos: A montanha ocupa uma área de aproximadamente 300.000 Km2, próximo à área ocupada por Itália. No alto dos seus mais de 21 Km de altura, o Olimpo guarda uma caldeira de 85 Km por 60 Km de extensão. No extremo oposto, a base do vulcão prolonga-se por 625 Km e só é batida, em extensão, pela de um vulcão terrestre, escondido sob as águas do Pacifico. Mil e seiscentos quilómetros a nordeste do Japão o Maciço de Tamu apresenta um diâmetro de 650 Km. Um gigante adormecido, com o pico a 1980 metros da superfície do mar.
Se aos humanos fosse concedida a concretização do sonho de caminharem em Marte entenderiam que, no terreno, o gigantismo do Monte Olimpo não seria percebível. A estrutura rochosa tem a forma de uma tenda de circo, de encostas suaves, o que impossibilita a partir do solo antecipar a real dimensão da montanha. Da mesma forma,
um observador próximo ao cume não perceberia estar numa montanha, a grande altitude, pois as encostas do vulcão estendem-se muito além da linha de horizonte percebida. Uma impossibilidade que não impediu ao escritor de ficção científica dos Estados Unidos, Kim Stanley Robinson, de em 1985 enveredar os protagonistas do seu conto “Green Mars” (“Marte Verde”), numa buliçosa subida do Olimpo. Publicado inicialmente na revista Asimov’s Sciense Fiction, o conto ganharia contornos de livro, um entre os demais da trilogia marciana escrita pelo autor. Robinson detalha os desafios da subida embora, em momento algum, refira o encontro com deuses. Esses, habitam um outro Olimpo, numa mansão de cristais a quase 3.000 metros nos confins das montanhas gregas.