"Nenhum dado indica que venhamos a ter uma catástrofe como no inverno passado"

A equipa do Instituto Superior Técnico, que faz a modelação da doença a longo prazo, estima que Portugal possa atingir no Natal os 2500 casos diários. O número de óbitos pode chegar aos 20, mas é uma probabilidade muito baixa. A situação é muito diferente da de há um ano. Se mantivermos a vigilância e vacinarmos rapidamente os maiores de 65 anos e os profissionais de saúde, "teremos um inverno tranquilo".
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Em Portugal, o número de infeções por covid-19 mantém uma tendência de subida desde o final de setembro, tendo-se registado ontem 1182 casos e oito óbitos. Para o matemático Henrique Oliveira, da equipa do Instituto Superior Técnico (IST) que desde o início da pandemia faz a modelação do avanço da doença a longo prazo, e de acordo com a sua gravidade, a situação é normal, deriva da abertura da sociedade a todas as atividades económicas e significa até que a doença se está a tornar endémica, embora continue "a ser uma doença grave". O que a realidade nos está a mostrar é que o número de casos está a subir, mas o número de óbitos não.

Ou seja, argumentou ao DN o professor do IST, "não podemos olhar para uma matriz de risco que avalia só a incidência e a transmissibilidade, através do R(t), temos de incorporar a realidade nestes indicadores", querendo dizer que o vetor gravidade da doença, que se mede pelo número de óbitos e internamentos em enfermarias e em unidades de cuidados intensivos (UCI), tem de ser tido em conta. E, neste momento, o que este vetor gravidade nos indica é que, apesar de o número de casos estar a subir, a média de óbitos diários está a descer desde setembro". Por exemplo, "há dois meses, tínhamos 12 mortos por dia. Hoje, temos seis. Isto é muito significativo e importante", sublinhou o matemático.

De acordo com as estimativas feitas pela equipa do IST, Portugal poderá atingir à altura do Natal os 2500 casos, mas, no mesmo período, "podemos afirmar de forma muito segura que o número de óbitos diários não ultrapassará os 20. A probabilidade de tal acontecer é muito, muito baixa".

A média diária de óbitos, e numa avaliação a sete dias, "rondará os 12 a 13 óbitos", disse Henrique Oliveira, sublinhando que "é uma média significativa, porque o número de mortes diárias por outras doenças respiratórias nesta altura do ano é de 40, em janeiro chega aos 45, e a média anual é de 33 por dia. A média de mortes por covid está agora muito abaixo desta. Não nos podemos esquecer que os riscos neste momento são muito inferiores aos do ano passado, em 2020-2021 não tínhamos vacinação, em 2021-2022 temos".

Por isso mesmo, e por não haver qualquer dado que indique que venhamos a ter uma catástrofe como a que tivemos no final do ano passado e princípio deste, em que o país chegou a atingir os 16 mil casos de infeção diários e 303 mortes nos piores dias (a 28 e 30 de janeiro), Henrique Oliveira defende que "as pessoas não podem ficar aterrorizadas cada vez que os números sobem ligeira ou até significativamente. A situação de hoje é completamente diferente da que se vivia há um ano e acho um pouco alarmista andar a falar-se já de uma quinta ou de uma sexta vaga. Devemos preocupar-nos com a gravidade da doença e esta não está a existir", argumentou.

A avaliação feita pelo indicador definido pela equipa do IST e pelo Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 - que integra cinco items: incidência, transmissibilidade, letalidade, internamentos em UCI e em enfermarias - está agora em 52 pontos, em setembro esteve a 20 pontos, mas, na opinião do matemático, "ainda estamos numa fase tranquila", embora se deva "manter uma vigilância rigorosa".

Mas se, por alguma razão, este indicador, que avalia a incidência da doença e a sua gravidade, disparar para os 80 pontos ou para os 90, então "diria para começarmos a tomar algumas medidas de recuo, antes de chegarmos aos 100 pontos, que é o limiar crítico, aquele a partir do qual teremos problemas complicados". No entanto, reforça, "se o indicador continuar a flutuar como agora, só temos de ter cuidado".

Destaquedestaque"As pessoas não podem ficar aterrorizadas cada vez que os números sobem ligeira ou até significativamente".

Para o professor, este cuidado implica, por exemplo, acelerar-se a vacinação dos maiores de 65 anos e dos profissionais de saúde, porque o que a realidade nos mostra é que "os casos registados são ligeiros, muitos deles reinfeções ou em pessoas já vacinadas - já que a vacinação não confere uma proteção a 100% na transmissão da doença, mas confere uma proteção muito elevada em relação à doença grave e muito grave - e que as mortes ocorridas envolvem pessoas com fragilidades muito grandes, idosos com várias patologias e um sistema imunitário muito vulnerável".

Uma situação, e como já o referiu, "muito diferente do que estava a acontecer precisamente há um ano, que era uma realidade intolerável. Estávamos a caminho da centena de mortos diários e as pessoas que estavam a morrer eram saudáveis, mesmo que idosas".

Ao DN, o especialista referiu que o único dado mais preocupante no percurso que temos pela frente até ao Natal é se os internamentos em UCI atingirem a centena ou um pouco mais - ontem havia 60 pessoas internadas nestas unidades, de um total de 361 internamentos. "É o único dado que pode prejudicar o funcionamento normal do SNS em termos de recursos humanos e físicos", considerando até que "é neste sentido que a covid-19 continua a ser uma doença terrível, porque continua a hipotecar muitos recursos dos serviços de saúde".

Na sua perspetiva, a covid-19 é uma doença perigosa que vai continuar entre nós, portanto "é necessário que os governantes reconheçam que têm de manter estes recursos para dar resposta à pandemia, mas, em paralelo, têm de começar a alocar recursos para a recuperação de todas as outras doenças".

A covid-19 vai continuar entre nós mas hoje já é mais controlável do que há um ano, já é mais controlável se se mantiverem algumas regras de proteção e se se tomarem as medidas certas na altura certa, o que, sublinhou de novo, "foi o que não aconteceu no ano passado. Daí a catástrofe", relembrando: "No dia 7 de novembro de 2020, a equipa do IST alertou as autoridades de saúde e os políticos para o que aí vinha se não começássemos a tomar medidas mais rígidas, confinamentos e até fechar o Natal. Na altura, ninguém nos ouviu, ninguém aceitou as nossas recomendações, e depois vimos o que aconteceu. Hoje já não temos essa realidade. A situação é gerível e ficará mais controlável se se avançar o mais rápido possível para a vacinação dos maiores de 65 anos, para que no Natal e em janeiro estejam protegidos de forma eficiente, e dos profissionais de saúde. Se isto for feito, pode dizer-se que poderemos passar um inverno muito tranquilo, porque o grande problema são as pessoas que já foram vacinadas há mais de seis meses".

Destaquedestaque"No dia 7 de novembro de 2020, a equipa do IST alertou autoridades de saúde e políticos para o que aí vinha se não começássemos a tomar medidas mais rígidas, confinamentos e até fechar o Natal. Na altura, ninguém nos ouviu, ninguém aceitou as nossas recomendações, e depois vimos o que aconteceu. Hoje já não temos essa realidade".

Neste momento, o indicador da avaliação do IST é de 52, mas se disparar pode querer dizer que não só aumentou o número de casos como a gravidade da doença. E à pergunta sobre como agir numa situação destas, havendo já especialistas a defender que se deveria equacionar retardar a abertura das escolas a seguir ao Natal, Henrique Oliveira considera que se deve equacionar sempre vários cenários, porque "não sabemos se haverá uma nova variante mais resistente, mas é extremamente prematuro estarmos a falar dessas situações agora", sustentando até que "temos de ter respeito pelo que aconteceu, mas não podemos agir com base nos traumas do passado".

Mas se o indicador da incidência e da gravidade da doença disparar, há medidas que devem ser tomadas de imediato, mas com prudência, considerando o matemático que a economia não deve parar novamente. "A primeira medida deveria ser o regresso ao teletrabalho, para diminuir a mobilização e a concentração de pessoas, o regresso do uso de máscara em locais em que hoje já não é obrigatório e a lotação em algumas atividades, como restauração, ginásios, etc."

No entanto, Henrique Oliveira volta a reforçar: "Neste momento, não há dado nenhum que nos indique que venhamos a ter uma catástrofe. Temos quase 88% da população vacinada e temos de acreditar na ciência e na vacinação."


A Direção-Geral da Saúde (DGS) divulgou ontem que na segunda-feira, dia 8 de novembro, foram administradas 33.600 doses de reforço contra a covid-19. Recorde-se que este processo de vacinação está a ser feito em simultâneo com a toma da vacina da gripe, em relação à qual, no mesmo dia, foi administrada em 42.900 pessoas. Neste momento, há 388 mil pessoas acima dos 80 anos com o reforço da dose contra a covid e 873 mil que já receberam a vacina da gripe. São elegíveis para a vacinação da covid as pessoas com mais de 65 anos, neste momento para os maiores de 80 anos já está funcionar a modalidade "casa aberta", podendo estes dirigirem-se sem marcação, mas tomando nota do horário dos centros de vacinação. Nesta segunda-feira, ficou também disponível o autoagendamento para esta vacina para as pessoas com 70 ou mais anos, tendo sido registados 23.800 pedidos de agendamento online nas primeiras 24 horas.

Rússia - Apesar de estar no top 5 dos países que mais administraram a dose de reforço contra a covid-19, a Rússia é o país que agora tem mais casos da doença e maior número de mortes. Só ontem, os dados oficiais davam conta de 39.160 novos casos e 1211 mortes. Ao todo, a Rússia tem 8.873.655 de infetados e 249.215 mortes. O governo impôs medidas restritivas, sobretudo em Moscovo, para tentar travar a propagação.

Alemanha - Tem 66,5% da população vacinada. A restante população elegível, pelo menos uma grande maioria, não quer ser protegida desta forma. A Alemanha é neste momento o segundo país da Europa com maior número de novos casos de infeção. Só ontem foram contabilizados 21.932. Na segunda-feira, a incidência da doença atingiu um recorde desde o início da pandemia: 213,7 infetados por 100 mil habitantes. Mas ontem registaram-se só 169 mortes. A maioria dos infetados são não-vacinados. O governo pede aos cidadãos que se protejam com a terceira dose para o Natal.

Ucrânia, Polónia e República Checa - Os países do leste europeu são agora dos mais afetados pela pandemia, muitos deles por terem uma taxa ainda reduzida de população vacinada. A Ucrânia tem uma taxa de 18,5% de vacinados e ontem registou mais 18.988 novos casos e 833 mortes. A Polónia tem uma taxa de 53,1% de vacinados, mas ontem registou 13.644 casos e 220 mortes. A República Checa tem 57,3% da população vacinada, mas ontem teve 9253 casos e 22 mortes.

Bélgica e Dinamarca - A Bélgica tem 73,9% de vacinados, mas atingiu ontem os 8418 casos e 24 mortos. A Dinamarca tem 76% de vacinados mas registou ontem 2562 casos e dois mortos. O governo já impôs medidas restritivas.

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