Podia perfeitamente estar aqui hoje a almoçar no Wine Corner by José Maria da Fonseca com Sofia Soares Franco e a conversar sobre como tem corrido a carreira na área da Defesa com uma licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova e mestre em Ciência Política e Relações Internacionais: (especialização em Segurança e Defesa) pela Católica, que estagiou no Ministério dos Negócios Estrangeiros e no Comando na NATO em Oeiras. Sim, podia, se o apelo familiar não falasse mais alto do que o desafio de uma carreira internacional e em 2006 Sofia não tivesse integrado a José Maria da Fonseca, empresa de vinhos fundada em 1834, com sede na bela Vila Nogueira de Azeitão e vinhas por todo o país. E, assim, esta conversa, que começa à volta de uma seleção de queijos regionais, é com a "Melhor Profissional" de Enoturismo do ano, prémio dado agora pela Associação Portuguesa de Enoturismo e que vai na segunda edição.."Foi uma surpresa. Fui aos prémios, clichés à parte, sem qualquer expectativa. A Associação Portuguesa de Enoturismo existe desde 2020 e vem tentar estruturar uma área que ainda está no cinzento pois não existe muita legislação sobre ela, assim como ajudar os produtores de vinho a dinamizar os seus enoturismos e esta área de negócio. A cerimónia foi no Redondo, no Alentejo, sabia que estava nomeada, mas estavam nomeadas 37 pessoas de projetos fantásticos. Portanto, havia vários tipos de prémios e só apareciam os três candidatos mais votados. Do painel de mais de 250 jurados fizeram parte reconhecidos jornalistas do vinho e do turismo, entidades oficiais do vinho e do turismo, chefes de cozinha e sommeliers, e os associados da APENO - organismos oficiais votaram em regiões diferentes da sua, e profissionais e associados em pessoas e projetos alheios. Quando vejo os três nomes, de facto, fiquei muito surpreendida porque, apesar de achar que temos uma proposta muito consistente e que temos um enoturismo já muito desenvolvido, ali competimos com outros enoturismos e muitos deles mais jovens, com oferta mais diversificada, com dormidas, com restaurantes com estrelas Michelin, etc. Portanto, tínhamos ali uma forte concorrência. Apesar de ser uma distinção individual não a teria conseguido sem a preciosa ajuda das minhas equipas de enoturismo e eventos", conta Sofia. Desde 2010 assume também a comunicação institucional da José Maria da Fonseca, razão pela qual nos conhecemos de um anterior almoço no Wine Corner em que o entrevistado foi o tio Domingos Soares Franco, o enólogo da empresa. Homem genial a criar vinhos, DSF (como muitas vezes surge nos rótulos dos vinhos) é também senhor de grande humor e de uma abordagem aberta à experiência, sem snobismos vínicos ou gastronómicos e por isso o título do artigo resultante da conversa foi "A pessoa que desfrute do que lhe apetece beber e do que lhe apetece comer"..Recordo-me de que essa conversa, em 2021, começou mesmo aqui ao lado na Casa-Museu da José Maria da Fonseca, um dos polos de enoturismo geridos por Sofia e que no ano passado, sublinha, "recebeu mais de 35 mil visitantes de 80 países diferentes". O outro polo é a Adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz, prova viva de que a José Maria da Fonseca é hoje muito mais do que uma empresa de Azeitão, apesar da influência da serra da Arrábida em toda a sua história, até neste Periquita Reserva Branco que estamos a beber. Graças a uma máquina revolucionária para a época, o Periquita tornou-se em 1850 o primeiro vinho de mesa a ser engarrafado em Portugal. Tal como muitas outras peças ligadas à história da empresa, e da história do vinho em Portugal, essa máquina está exposta na Casa-Museu, onde estão também garrafas do século XIX, medalhas de vários prémios internacionais ganhos pelos vinhos da empresa, nomeadamente pelo Moscatel de Setúbal. Aliás, será com um delicioso Moscatel Roxo que encerraremos a conversa, depois da sobremesa, mas já voltaremos à nova carta de verão que o Wine Corner apresenta, sempre sob coordenação do chef Luís Barradas, setubalense como eu..Também na Casa-Museu se pode acrescentar à visita ao museu e às adegas provas de vinho e degustação de produtos regionais, acrescenta Sofia: "a visita guiada faz parte sempre da oferta que temos, depois pode-se terminar a visita com uma prova que pode ir desde dois a seis vinhos, que vão desde vinhos premium aos nossos topos de gama das várias regiões e obviamente aos nossos moscatéis de Setúbal mais especiais e antigos. Na José de Sousa, temos experiências de vinhos de talha e coisas mais únicas, sempre também com a possibilidade de ser combinado com a gastronomia regional, com queijos, enchidos, azeites, azeitonas.".Sofia destaca que a José Maria da Fonseca "está presente em cinco regiões do país, sendo as principais Península de Setúbal, que é a nossa origem, depois Alentejo, onde comprámos a vinha e a mítica adega José de Sousa nos anos 80. Depois, temos vinha no Douro e ainda fazemos vinhos na região dos vinhos verdes e do Dão. Em Reguengos de Monsaraz só damos a provar vinhos do Alentejo, mas aqui em Azeitão oferecemos nas nossas experiências um portfólio mais alargado, dependendo da prova que o visitante queira. Moscatel de Setúbal está sempre presente e depois, obviamente, os vinhos de Setúbal aqui na Casa-Museu são as estrelas. Mas temos várias provas de comparação de topos de gama das nossas regiões. Apresentamos o Hexagon da Península de Setúbal, o J do Alentejo e o Domini Plus do Douro e comparamos vinhos da mesma categoria de preço, e qualidade, e depois os nossos guias explicam ao nosso visitante o que é que difere estes três vinhos destas três regiões. São vinhos, à partida, feitos com as mesmas oportunidades, portanto, as melhores uvas, vindima manual, pisa a pé. Mas depois o que é que os distingue? Muitíssima coisa. Para começar, a região de onde eles vêm, a região dita muito sobre os vinhos, o solo, o clima, a vinha de onde eles vêm, e depois as suas castas e o blend. Essa é uma das experiências que oferecemos que recomendo vivamente"..Quem fala é uma azeitonense de 40 anos ("nasci em Lisboa, mas fui registada em Azeitão"), que cresceu na Quinta de Camarate onde vivia toda a família até um dia se mudar para a capital, mãe de Luísa de 12 anos e dois gémeos de sete anos (Isabel e Vasco), e que representa já a sétima geração Soares Franco na José Maria da Fonseca, uma família de vinhos. Recordo-me que já há dois anos foi Sofia, apontado para a árvore genealógica exposta na Casa-Museu, quem me explicou como se chega de José Maria da Fonseca aos Soares Franco. "Não descendemos diretamente do senhor José Maria da Fonseca, mas ele era casado com uma senhora Soares Franco. Depois teve uma filha, Sofia, que curiosamente tem o mesmo nome que eu, mas que esteve poucos anos à frente da empresa - era casada com um constitucionalista importante da época, Henrique da Gama Barros - e rapidamente decidiu vender o negócio a uma prima direita Soares Franco. Daí descendermos já de linha direta dessa prima, mas efetivamente somos descendentes da mulher do José Maria da Fonseca. E não lhe chamamos árvore genealógica, chamamos cepa genealógica", diz, entre risos..Para a mesa continuam a chegar iguarias: Plátanos de Atum, depois Coração de Burrata da Arrábida com tomate e pesto, a seguir Mexilhões de Sesimbra com caril verde e ainda Conserva de Sardinha Belmar com puré de funcho. O segredo é ir partilhando os pratos, para descobrir o que o chef Barradas inovou para este verão, com o acompanhamento da própria Sofia, que confessa querer muito envolver os produtores locais..E por falar em família, Sofia faz parte da tal sétima geração, oito primos, dos quais só três trabalham na empresa, ainda liderada pela sexta geração. "Sim, o meu pai, António, e o meu tio, Domingos, continuam cá mas já a desacelerar o passo, e da minha geração estamos eu, o meu irmão António Maria e o meu primo Francisco. Somos atualmente os três representantes da sétima geração. Temos uma responsabilidade enorme por um lado e, por outro lado, uma honra e um desafio gigantesco e diário", diz Sofia..Temos estado a beber um Periquita Reserva Branco, um das novas criações da equipa de enologia da José Maria da Fonseca, e pergunto se o Periquita, tão antigo como famoso, continua a ser o mais vendido dos vinhos da empresa. "É o nosso campeão de vendas, presente em mais de 70 países, sim. Sobretudo o tinto e o reserva tinto, e agora este que provámos ao almoço, Periquita Reserva Branco, esperemos que seja também mais um. Hoje em dia a família Periquita já tem uma gama vasta, atualmente é uma família muito alargada, temos um branco, um rosé, um tinto reserva, agora um reserva branco, um clássico e um superior.".Quanto ao Wine Corner, que admito ser um restaurante que visito com alguma regularidade pela proximidade com Setúbal, faz parte da oferta de enoturismo da José Maria da Fonseca há três anos. "Abrimos o Wine Corner em abril de 2020 e queremos que seja uma referência gastronómica em Azeitão e um complemento da nossa oferta de enoturismo. Não é obrigatório a pessoa vir fazer a visita e a prova de vinhos à nossa Casa-Museu, pode simplesmente vir usufruir de uma tarde de petiscos, um almoço ou um jantar, e acompanhar a experiência com uma ou mais de 80 referências a copo ou à garrafa", explica Sofia, que acrescenta que "a carta é 100% inspirada no melhor da nossa região, com produtos locais que respeitam a sazonalidade. A sustentabilidade está no nosso ADN, não é para nós uma moda. Atualmente não há marca nem empresa que não fale sobre sustentabilidade. Nós introduzimos práticas sustentáveis no nosso dia a dia desde a vinha à operação desde há muitos anos a esta parte, é um ensinamento que recebemos das gerações anteriores. Sempre acompanhámos a preocupação do nosso avô Fernando e dos nossos pais pela forma como iam deixar o planeta às próximas gerações, não tinham apenas foco na sustentabilidade ambiental, mas também económica e social. Ao longo da vida da nossa empresa temos estado sempre ativamente envolvidos em vários projetos sociais na nossa comunidade, sobretudo em Azeitão, quer financeiramente ou com produto mas sobretudo com o nosso tempo.".Um exemplo desse apoio aos produtores locais está ligado à tábua de queijo com que começámos o almoço, como explica Sofia: "neste prato, além do emblemático queijo de Azeitão, temos outros queijos que são de um parceiro local, que é a Ortodoxo Queijo, uma queijaria recente. Sempre produzimos na Quinta de Camarate, mas há uns anos o meu tio desativou essa área de negócio, deixou de produzir queijo de Azeitão e alugou a queijaria à Ortodoxo, que produz vários queijos que estão presentes na nossa carta, nomeadamente o coração de burrata da Arrábida, o requeijão de Ovelha, um veludo de cabra de Azeitão e ainda um queijo escovado com vinho tinto. Damos efetivamente primazia a estes projetos locais que também achamos que são merecedores da nossa confiança e apoio",.Chega a sobremesa, a tal que vai ser acompanhada por um Alambre moscatel roxo 5 anos. Sob o nome de Pijaminha de sobremesas chega a obrigatória Torta de Azeitão, o Manjar Celeste e a Mosca na Mousse, que é uma deliciosa mousse de chocolate que pode ser misturada, ao gosto de cada um, com flor de sal, grãos de pimenta rosa, azeite ou mítica aguardente Mosca da José Maria da Fonseca. A não perder..Profissional bem sucedida, diz que nunca sentiu que ser mulher dificultasse a sua afirmação num mundo dos vinhos onde até cada vez há mais mulheres à frente de projetos, Sofia sente-se confortável com a escolha que fez em 2006, feliz com esta conversa ser com a "melhor profissional de enoturismo do ano" em vez de com a especialista em Defesa e Segurança: "Cheguei a uma fase em que acho que já não perdi outra vida, porque de facto a vida tem muitas voltas e esta escolha foi muito consciente, não tenho esse tipo de arrependimento de achar que perdi outra coisa, porque acho que, efetivamente, ganhei muito em ter vindo trabalhar no negócio da família. O ter esta oportunidade e este privilégio de poder fazer parte desta história e da passagem de geração em geração tem sido muito enriquecedor. Um dos primeiros ensinamentos que as gerações anteriores nos passaram é que não somos donos de nada, nenhum de nós é dono, apesar de formalmente sermos todos acionistas. Não somos donos da José Maria da Fonseca, somos apenas curadores do legado que nos deixaram e temos a obrigação de o deixar à próxima geração em melhores condições do que aquelas em que o recebemos"..leonidio.ferreira@dn.pt