"Não há necessidade urgente de avançar com dose de reforço dos 12 aos 17 anos"

Ao fim de dois anos de pandemia e de um ano de vacinação, o país tem mais de nove milhões de pessoas vacinadas e mais de seis milhões com dose de reforço. Uma cobertura invejável para outros países europeus. Mas Luís Graça, da Comissão Técnica de Vacinação da DGS, diz que é preciso manter a monitorização à efetividade das vacinas para avaliar se se deve mudar de estratégia e quando.
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Em Portugal, mais de nove milhões de pessoas têm o esquema vacinal primário (duas doses), precisamente 9 006 888. Destas, 181 344 são crianças dos cinco aos 11 anos, a última faixa etária que está a ser vacinada. Mas também há quase seis milhões (5 956 348), acima dos 18 anos, que, além do esquema primário, também já têm a dose de reforço. Ou seja, mais de 96% da população elegível está protegida contra as formas graves de covid-19. Só falta saber o que irá acontecer com as faixas mais novas em relação à dose de reforço. A União Europeia (UE) já deu luz verde para a administração desta dose entre os 12 e os 17 anos, mas Portugal ainda não assumiu uma posição.

O imunologista e investigador principal do Instituto de Medicina Molecular Dr. João Lobo Antunes (iMM), Luís Graça, que integra também a Comissão Técnica de Vacinação para a Covid-19 (CTV) da Direção-Geral da Saúde, defende ao DN "não haver uma necessidade urgente para esta decisão" e que, em relação à faixa pediátrica, dos 5 aos 11 anos, "a questão nem se coloca nesta fase".

"Todos os países da UE estão a verificar o seu estado em relação à epidemia para tomarem a melhor decisão sobre se há necessidade ou não da dose de reforço nesta faixa etária. Alguns países até tiveram de tomar essa decisão antes da autorização da UE, uma vez que estavam a viver uma fase muito crítica da pandemia e com taxas de vacinação muito diferentes da do nosso país, mas em Portugal, os dados de que dispomos, não demonstram haver uma necessidade urgente de fazer dose de reforço a esta população de forma generalizada", afirma o imunologista especialista em vacinas.

"Os grupos que poderão necessitar de maior atenção, ou de uma tomada de decisão mais cedo sobre a dose de reforço, são os que têm outro tipo de doenças, que lhes possam conferir maior risco de desenvolverem complicações graves desta infeção", porque, sublinha, "em relação à restante população dos 12 aos 17 anos o que os dados demonstram é que há uma elevada cobertura de vacinação e que estas estão bem protegidas de doença grave".

O médico cientista dá como exemplo um estudo realizado nos Estados Unidos da América, à população entre os 12 e os 18 anos, sobre o impacto da doença grave e hospitalização, que foi publicado a 12 de janeiro no jornal científico New England Journal of Medicine. "Este estudo avaliou o impacto da vacinação na hospitalização em enfermaria e em cuidados intensivos e uma das suas principais conclusões foi que a vacinação conseguiu ter uma efetividade enorme na proteção deste tipo de eventos, embora estes sejam raros nesta faixa etária". Segundo explica, "a vacinação reduziu em 98% os efeitos que levam ao internamento em cuidados intensivos e em 95% os que levam ao internamento em enfermarias. Isto demonstra a proteção conferida".

No entanto, "embora, neste momento, o país esteja a viver uma situação em que o impacto da infeção na comunidade está mais atenuado do que há dois meses, é preciso continuar a monitorizar a situação epidémica e a efetividade da vacinação em todas as faixas etárias, para que se possam tomar as melhores decisões para proteger a população".

Em relação aos mais novos, dos 5 aos 11 anos, e na qual já há 335 082 crianças que têm uma dose e 181 344 duas, Luís Graça considera que o reforço é uma "questão que nem se coloca agora". Aliás, relembra, "muitas crianças desta faixa etária atrasaram a sua vacinação devido ao facto de terem contraído a infeção já no início deste ano e pouco tempo depois da primeira dose, não conseguiram sequer terminar o esquema inicial primário. Portanto, estar a falar de dose de reforço, não faz sentido".

Portugal continua a ser dos países da Europa e do mundo com uma das mais elevadas taxas de cobertura de vacinação. Uma cobertura que destacou também o país nos efeitos da última onda epidémica, marcada pela nova variante Ómicron, em que houve dias com mais de 60 mil casos, sem que tal tivesse a mesma correspondência em doença grave e mortalidade.

Tudo devido "à efetividade da vacinação. "O impacto destas infeções nos cuidados de saúde foi muito reduzido, comparativamente com o que foi observado em outros países com menos cobertura vacinal". Na opinião do cientista, tal impacto sugere também que "as medidas aplicadas na vacinação contra a covid-19 foram adequadas para se manter a população protegida", mas, reforça, "é necessário ir acompanhando a proteção de que as vacinas estão a dar a todos os grupos populacionais ao longo do tempo e, eventualmente, identificar o melhor momento para uma nova dose de reforço, se esta se justificar, e em que grupos".

Luís Graça especifica que a monitorização de que fala é a que já se faz em todas as vacinas usadas no país e que integram o Plano Nacional de Vacinação (PNV). "A monitorização é feita em todas as vacinas que constam do nosso PNV, porque é necessário garantir à população que há um acompanhamento rigoroso em relação à sua proteção e segurança na utilização", acreditando que "muito provavelmente a vacina contra a covid-19 também migrará para este plano. É o que me parece fazer sentido", argumenta, embora "nada saiba sobre o assunto".

Questionado sobre as vacinas de quarta geração, aquelas cujo objetivo será evitar a transmissão, e sobre as quais muito se falou no final de 2021, depois de se saber que alguns laboratórios já estão a trabalhar neste sentido, o cientista diz não haver "novidades". Há, sim, "uma expectativa grande de poderem surgir vacinas adaptadas à variante Ómicron, mas não existe qualquer data para a sua apresentação". Daí que "o pensamento das autoridades de saúde deva centrar-se em fazer o melhor uso das vacinas disponíveis, que são eficazes na proteção da população".

Para o cientista que integra a CTV, o trabalho para este futuro mais próximo "é continuar a perceber quais são as necessidades dos diferentes grupos da população, se algum justifica uma intervenção de reforço mais cedo e em que momento. É o que temos a fazer para quando chegar a altura se poder atuar e proteger a população".

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