"Não é altura para reduzir medidas, mas de as manter ou de reforçar, se casos continuarem a crescer"

Na última semana do ano, Portugal passou a barreira dos 20 mil e 30 mil casos, mas ainda não se conhece o impacto disto em termos de gravidade da doença. O Governo reúne quarta-feira, dia 5, para decidir o que fazer. Infeciologista António Silva Graça deixa alguns alertas
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No dia 5, o Governo reúne para avaliar a situação e decidir o que fazer às medidas tomadas a 21 de dezembro. A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, já admitiu que, se for necessário, se poderá adiar o início do segundo período letivo, apelando mais uma vez aos pais que vacinem as crianças dos 5 aos 11 anos durante esta semana.

O infeciologista António Silva Graça admite ao DN que o dia 5 talvez não seja o dia adequado para se tomar decisões, porque as medidas em vigor têm 15 dias e ainda não houve tempo para perceber qual o impacto destas na gravidade da doença. "Se me pergunta se é altura de mudar algumas das medidas tomadas para termos o controlo que queríamos da transmissão e da disseminação do vírus, dir-lhe-ia que já vamos um pouco tarde, mas esta fase é altura não de reduzir medidas, mas de as manter e, no caso de continuar a haver um crescimento ainda mais expressivo do que aquele que agora se regista, avançar para o seu reforço".

O médico defende que no dia em que o Governo reúne para avaliar a situação completam-se, precisamente, 15 dias desde a entrada em vigor das atuais medidas e que este intervalo de tempo "é curto para fazer uma avaliação correta da resposta a essas medidas. Pelo que aconteceu anteriormente, sabemos e é claro que um período de duas semanas é insuficiente para avaliar o impacto das medidas, nomeadamente no que diz respeito à redução de casos e à gravidade da doença. São precisos, pelo menos, 10 dias para conhecermos esses efeitos".

Os dados registados esta semana dão-nos o retrato de que o país está há cinco dias acima dos 20 mil casos, tendo ultrapassado os 30 mil na sexta-feira. Um retrato que, e como o próprio médico refere, "é resultado das reuniões familiares e de amigos no Natal", pois já se percebeu que a variante Ómicron "é de mais fácil transmissão". Contudo, sublinha, ainda não se percebeu o impacto que estes números vão ter na gravidade da doença - ou seja, em internamentos em enfermarias e nas unidades de cuidados de intensivos.

Portanto, afirma, "para se sentir os efeitos das medidas penso que o intervalo de tempo até dia 5 não é suficiente para fazer essa avaliação", ressalvando que "as medidas que foram desenhadas no dia 21 de dezembro já o foram tardiamente. Deveriam ter sido implementadas mais cedo, para se evitar o número de casos que sentimos nesta altura".

Para António Silva Graça, o intervalo de tempo até à próxima quarta-feira não é o adequado para se perceber se as medidas estão a ser eficazes ou não, mas uma coisa já é percetível: "Houve a recomendação de testagem antes das reuniões familiares ou de amigos e, na generalidade, a população aceitou-a e cumpriu-a. Muitas situações positivas sem sintomas foram detetadas nesta testagem e isso permitiu evitar a disseminação da doença para outros núcleos", argumenta, pormenorizando: "Se a curva ascendente da onda que estamos a sentir agora de forma muito intensa continuar a progredir, temos de pensar em avaliar as medidas, mas duvido que seja o tempo adequado para implementar algumas que até já deveriam ter sido avançadas em dezembro", antes ou ao mesmo tempo das que estão em vigor.

O infeciologista defende que com "a realidade que se estava a antever para o período das festas se deveria ter aconselhado ou tornado mesmo obrigatório o uso da máscara em espaços públicos abertos sempre que houvesse proximidade com os outros". Mas vai mais longe. Na sua opinião, reforça, "não se deveria ter autorizado a realização de eventos culturais, com grande aglomeração de pessoas, os tais eventos de massa", considerando que "os desportivos poderiam continuar a realizar-se, mas sem assistência".

Silva Graça destaca ainda que, para se evitar os números de agora, se deveria ter ido mais longe no controlo de fronteiras. "A realidade ensina-nos naturalmente com o que vamos vendo em outros países, como o Reino Unido e a Suíça, que têm uma prática que acautela muito a entrada da infeção no país".

E explica: "Além de terem as cautelas que temos, exigindo um teste negativo ou pelo menos o certificado digital de vacinação, estes países têm uma outra preocupação, que é a de testarem as pessoas dois a três dias depois de terem entrado no país. Quem entra é referenciado à entrada, através de um mecanismo informático, sendo obrigado à testagem dois a três dias depois. Isto tem permitido identificar situações que no momento da testagem para entrarem no nosso país não eram ainda identificadas como de infeção, mas dias depois já eram. Este é um mecanismo mais seguro que Portugal já poderia ter adotado".

Questionado sobre o último debate trazido para a praça pública, se este é ou não o momento de se passar à fase da imunidade natural, o médico diz que aceitar tal situação seria "aceitar correr alguns riscos. Não subscrevo esta sugestão".

Para o médico, esta tese tem subjacente a ideia de que "a imunidade natural, resultante da infeção provocada pela variante Ómicron, criaria um efeito protetor, mas não foi isso que aconteceu com a variante anterior, a Delta. Antes de surgir a variante Ómicron sabíamos que havia muitas reinfecções. Portanto, do ponto de vista do conceito, não posso subscrever essa decisão. É uma opção que tem alguns riscos".

Um deles é que "tudo se iria traduzir num número muito mais elevado de casos do que os que temos agora, e assim não estaríamos a controlar a transmissão". Pelo contrário, "haveria uma pressão enorme sob o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que não tem estrutura para aguentar essa pressão". A consequência, afirma, "seria um prejuízo maior para os doentes não covid".

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