"Não vamos sair daqui". Em bairro de Loures, polícia afasta moradores à força e demolições avançam
A execução de demolições de casas autoconstruídas no Bairro do Talude Militar, ordenadas pelo município de Loures, arrancou esta segunda-feira, 14 de julho, cerca das 12:00, depois de a polícia ter afastado à força moradores concentrados no local para tentar impedir a operação.
Durante o avanço da máquina mobilizada para as operações, e depois de um reforço policial no local, agentes da Equipa de Intervenção Rápida da PSP intervieram com bastões para afastar os residentes e uma pessoa foi arrastada pelo chão, constatou a Lusa no local, confirmando depois o início da demolição da casa com o número 1.062, na entrada do bairro.
O clima de tensão entre os moradores e a polícia foi uma constante no bairro, no distrito de Lisboa, durante toda a manhã.
Ao início da tarde, as operações de demolição continuaram, num clima menos tenso, com os moradores a retirar os bens das suas casas.
A PSP encontra-se no local, com cerca de duas dezenas de elementos de intervenção rápida, acompanhados por agentes da Polícia Municipal, constatou a Lusa.
Paralelamente, os moradores, cujas habitações autoconstruídas estão na lista de demolição, com um edital à porta, estão a antecipar-se à operação, desmontando eles próprios a chapa e a madeira, para as poderem reutilizar.
O cenário no bairro é de colchões empilhados, sofás, cadeiras, vários tipos de eletrodomésticos e tudo aquilo que se encontrava dentro das casas.
No terreno estão duas retroescavadoras, uma utilizada para demolir as casas e outra para recolher o entulho.
A operação chegou em certos momentos a ser acompanhada por um drone da PSP.
Demolições vão prosseguir neste e noutros bairros de autoconstrução, diz vereadora
Fora do bairro encontra-se a vereadora com o pelouro da Polícia Municipal, Paula Magalhães, que confirmou à Lusa que é a Câmara de Loures que está a coordenar a operação e que as demolições vão prosseguir neste e noutros bairros de autoconstrução, sem especificar quais.
Num clima muito tenso entre a polícia e várias dezenas de moradores, entre homens, mulheres e crianças, que gritavam por “outra solução”, foi pedida uma reunião com o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão.
Segundo o movimento Vida Justa e advogados no local, esta operação está a ser executada sem mandado judicial.
Pelas 11:20, alguns moradores deitaram-se no chão à entrada do bairro, tentando impedir o avanço dos veículos mobilizados para as demolições.
“Não vamos sair daqui, hoje vão ter de matar pessoas”, disse um dos moradores, à porta de uma habitação autoconstruída, após uma tentativa dos serviços municipais, acompanhados pela Polícia Municipal, de retirada de pessoas das casas.
À chegada ao bairro, uma advogada que tem acompanhado estes processos no movimento Vida Justa apelou às pessoas para não saírem de dentro de casa, relatando que “não há mandado judicial” para estas operações de demolição.
“As pessoas têm o direito de ficar nas suas casas e, se quiserem executar a operação, terão de as retirar à força”, disse a advogada, dirigindo-se aos residentes.
Em declarações à Lusa, Gonçalo Filipe, do movimento Vida Justa, sublinhou haver trâmites judiciais em curso que impedem a execução das demolições, criticando a Câmara Municipal de Loures, no distrito de Lisboa, por esta abordagem “agressiva”.
Mais de uma dezena de agentes da polícia de choque da PSP estão posicionados à entrada do bairro, num clima de tensão com os moradores, que, a cerca de 20 metros, estão a formar uma barreira.
Amadora afixa editais que visam a demolição de 16 habitações
No Talude Militar já houve demolições no final de junho. A autarquia afixou na sexta-feira, 11 de julho, editais no bairro anunciando novas demolições e deu aos moradores 48 horas para as desocupações. Em causa, acrescentou o Vida Justa, estão "mais de 60 habitações".
Também na Amadora, relatou, foram afixados editais com vista à demolição de 16 habitações na Estrada Militar (Mina de Água). Também aí foram dadas às famílias dois dias para sair.
Contactada pela Lusa também no fim de semana, a Câmara de Loures disse que as suas atuações são "sempre dentro da legalidade e em respeito absoluto pelas decisões judiciais e com prioridade à segurança, à saúde pública e à dignidade humana".
O município considerou que o movimento Vida Justa continua "a instrumentalizar pessoas em situação de vulnerabilidade", mas não apresenta "qualquer solução concreta para o problema grave da proliferação descontrolada de construções ilegais".
"A Câmara Municipal de Loures continuará a agir com responsabilidade, apoiando quem demonstra vontade de cumprir e rejeitando liminarmente a edificação desordenada de barracas no concelho", lê-se na resposta da autarquia.
Por seu turno, a Câmara da Amadora, presidida por Vítor Ferreira (PS), disse que "não permitirá a proliferação de construções ilegais" e que foram identificadas novas construções ilegais na Estrada Militar da Mina (antigo Bairro de Santa Filomena). Serão demolidas, porque "representam um retrocesso nos esforços que o município tem vindo a desenvolver".
Segundo a autarquia, as famílias tiveram acompanhamento para encontrar "soluções legais e de emergência" que garantam "a saúde pública e a dignidade humana".
A Câmara da Amadora disse que, em 2012, fez um importante investimento na erradicação do Bairro de Santa Filomena, para "repor a legalidade urbanística e assegurar condições de vida dignas para todos os residentes" e que "não compactua com soluções à margem da lei", defendendo que perante as necessidades habitacionais haja uma resposta "de forma estruturada, justa e legal".
A autarquia acrescentou ter em curso "um investimento significativo para resolver a situação habitacional de 711 famílias há muito inscritas no programa municipal de realojamento". Todos os anos são recebidos 1.200 pedidos de habitação por parte de munícipes em situação de vulnerabilidade.
Para o movimento Vida Justa, estas demolições violam a lei (nomeadamente o regime jurídico da urbanização e da edificação e a Lei de Bases da Habitação e respetiva regulamentação) e também os compromissos do Estado português em matéria de direitos humanos.
*Notícia atualizada às 14h56